sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mostra de Cinema São Paulo (As Canções)



















As Canções

O veterano Eduardo Coutinho está presente novamente com seu singular painel de relatos contados pela boca de personagens do povo. Geralmente são pessoas humildes que tiveram muitas dificuldades no passado para superarem seus obstáculos, sendo que destes há de tudo um pouco, da grande paixão arrebatadora e inesquecível até o ladrão do morro que viveu com traficantes e todo o tipo de marginais.

O mérito maior do Coutinho é saber selecionar da série de depoimentos aqueles mais consistentes e emocionantes sob o ponto de vista humano e com força de um pensamento positivo de esperança. Sem ser piegas ou ufanista, longe disso, pois sabe controlar e dar o tom na entrevista. É um emérito perguntador, deixando as pessoas à vontade para falarem algo interessante ou até mesmo grandes besteiras.

Este seu último documentário tem muito de sua obra-prima Edifício Master (2002), onde sete dias uma equipe de cinema filmou o cotidiano dos moradores de um prédio condominial, situado em Copacabana, com 276 apartamentos conjugados, onde moravam cerca de 500 pessoas, foram entrevistados 37 moradores, com um resultado fabuloso de histórias íntimas e reveladoras. De sua filmografia de mais de dez filmes temos o memorável Jogo de Cena (2007), um achado que mescla realidade e ficção.

As Canções aborda com fidelidade as angústias e tristezas mescladas com os amores fundidos em felicidades e recordações amargas ou deliciosas de seus entrevistados. Se em Edifício Master não sai da memória o morador que ria e chorava ao cantar a música My Way, de Frank Sinatra, numa cena encantadora e humanística. Não dá para esquecer agora Queimado, um morador negro do morro, cabelo escovinha, que confessa roubos e depois se converte num apaixonado de Jesus, criando vários filhos com a mulher de sua vida; ou o comandante aposentado com seu pensamento conservador, mas muito engraçado como diz as frases; ou na personagem que guarda as cartas de seu grande amor; mas tem aquela senhora de cabelos brancos que daria sua última gota de sangue para salvar o marido que sempre amou e a fez feliz; e o rapaz de religião batista que se emociona ao falar da música da mãe que cantava na cozinha; tem a simpática negra de 82 anos, mas parece ter 60; e a deficiente que cantava a música “dó, ré, mi”, da manhã à noite com o marido, agora canta com o filho, numa verdadeira overdose diária.

Coutinho é hábil e extrai o substrato de cada entrevistado, fazendo-os cantarolar suas canções preferidas e inesquecíveis, predominando as canções de Roberto Carlos, outras foram compostas pelos protagonsitas. São homens machistas na maioria e mulheres submissas que se soltam numa cadeira preta em um palco de um teatro, tendo no fundo a cortina que se abre e fecha para os protagonistas.

Sobra muita emoção contida como se fosse uma sessão de terapia, onde o psicanalista é o diretor com seu jeito de paizão. Coutinho sabe ouvir os amores e as tristezas relatadas com detalhes. Tanto nas mortes lembradas como nas grandes paixões cultivadas e expressadas com dor, cada um deles tem sua canção preferida que é interpretada do fundo do coração, pois suas vidas foram marcadas por elas.

Um excelente documentário saboroso para ser lembrado e sorvido, com uma grande dose reflexiva para ser memorizada. Sobram problemas neste universo de vidas conflitadas e amargas, porém sem perder a luz da esperança que soa junto com as gostosas canções entoadas.

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