quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Última Estrada da Praia















Solidão no Mar

O diretor gaúcho Fabiano Souza dirigiu os curtas-metragens Um Estrangeiro em Porto Alegre (1999), Cinco Naipes (2004) e Sketches (2006). É professor de Cinema e Audiovisual da PUCRS e já realizou trabalhos para a TV. Agora estreia com seu primeiro longa-metragem A Última Estrada da Praia, numa adaptação completamente livre do ótimo romance O Louco do Cati, publicado em 1942, do escritor e médico psiquiatra Dyonélio Machado (1895-1985), que tem também na sua biografia o memorável livro lançado em 1935 Os Ratos. Ganhou o prêmio de Melhor Direção no I Festival Lume de Cinema, em São Luís, no Maranhão, com este seu longa inaugural.

A trama se passa numa viagem ao Litoral gaúcho, tendo no centro Norberto (Marcos Contreras) amigo do casal Leo (Marcelo Adams) e Paula (Miriã Possani), que conhecem um estranho no caminho do mar, ausente de fala, pouco se comunica, foge de repente e ainda tem ares de maluco, o propalado “Louco do Cati” (Rafael Sieg). Os quatro rumam dentro de uma velha Rural Willys para buscar muita aventura, sem um percurso definido, deixando a vida passar sem nenhuma pressa ou objetivo, que não seja beber e fumar um baseado.

O trio inicial sofre o desgaste do triângulo amoroso e logo as coisas começam a se complicar entre os amigos, as relações ficam nitidamente com evidências de animosidade agressiva latente, enquanto isso o estranho silencioso segue o périplo como um fantoche. Tem alucinações com os medos do passado mesclados aos fantasmas do presente aglutinando-se e perseguindo-o, como na cena reveladora da ambulância aproximando-se como uma ameaça atemorizadora, como símbolo metafórico de um mundo exterior que invade sua privacidade agora pacificada pela água e a areia de uma civilização sem horizontes.

O filme centraliza seus personagens numa viagem existencial improvável, de rumos irrefreados a cada parada, sem um norte, ou apenas tendo como lema a inspiração para viver bem longe de um universo cheio de leis, dogmas e normas. Tudo é buscado com voracidade e sem um regramento preocupado com os ditames sociais preestabelecidos pela sociedade de consumo e com odores putrefatos, com a presença da metamorfose da loucura no desenrolar do drama.

Quando o grupo se fragmenta, o longa parece deslanchar com Norberto e o maluco sem nome passando por aventuras diversas e divertidas de tal ordem, beirando ao inverossímil, pois dificilmente aquilo poderia acontecer a qualquer pessoa por mais tresloucada que fosse. O inacreditável está bem próximo dos dois personagens correndo pelas areias, tais quais crianças na busca de brinquedos. E a máxima “de perto ninguém é normal” fica evidente nos rumos e ambientes buscados não só pelo rapaz de comportamento estranho, mas no amigo recente que o convidou para desbravar as praias inóspitas e ventosas no inverno.

A Última Estrada da Praia não chega a ser convincente no todo, pois há irregularidades flagrantes, como em manter o clímax com os quatro personagens juntos, descambando para amenidades fúteis, como no filme Houve uma Vez Dois Verões (2002), de Jorge Furtado. Mas ao se libertar das amarras das facilidades infanto-juvenis e partindo para a ruptura e a reflexão existencial propriamente dita de duas pessoas perdidas que não querem se encontrar com o mundo civilizatório, dá uma guinada sutil e passa a dar consistência de uma estrutura sólida advindas de um roteiro mais enxuto e preocupado com o imaginário e a formação eloquente de duas vidas conflitadas com seus destinos.

Ao fugir do pragmatismo do triângulo amoroso tenso e da alegria forçada como uma máscara que serve de disfarce, o longa cresce e temos a cena magnífica da porta encontrada no mar, servindo alegoricamente como uma casa para os dois perdidos, que brincam de forma dolorida como se fosse um símbolo oriundo de um passado angustiante e uma referência mágica dos vínculos que ficaram para trás.

Os diálogos substituídos pelo monólogo final de Norberto, entrecortados pelo silêncio do “Louco do Cati”, são provas cabais de um vazio das almas à procura do sentido da existência e sua finalidade que marcam a proposta desta boa película dirigida por Fabiano Souza, embora ainda subsista alguns vícios dos curtas e seriados para a TV, mas não invalidam a obra e causam boa impressão nesta significativa produção gaúcha.

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