segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Viagem de Lucia

















Buscas Doídas

O cinema da Argentina novamente traz uma temática aparentemente simples, mas com o desenvolvimento do filme percebe-se uma boa reflexão nos encontros e desencontros de duas criaturas opostas que procuram a felicidade e a realização pessoal, onde há uma forte crise de identidade, neste belo drama romântico A Viagem de Lucia.

Stefano Pasetto compõe um bonito e sutil painel destas vidas antagônicas e seus amores, mas que não perdem o otimismo e a busca de seus objetivos. Sem tomar partido das protagonistas, deixa o enredo correr para um final aonde certamente se chegará à proposta do diretor, tendo em vista a complexidade dos seres humanos e o paradoxo da harmonia com o conflito e os valores que são dados as vidas e as amizades. A película trata do destino de duas personagens literalmente opostas e que começa a mudar quando elas se conhecem e se envolvem afetivamente uma com a outra. Lucia (Sandra Ceccarelli) é uma mulher de meia-idade que trabalha como comissária de bordo, casada com um médico alergista (Cesar Bordon), que não dispensa o carinho e a atenção necessários. Tem um sorriso triste e um olhar longínquo, sempre à espera da maternidade com o marido, tendo várias tentativas frustradas de engravidar e abortos voluntários.

Por recomendação do psiquiatra, Lucia vista como tensa, começa a dar aulas de piano em sua casa, em Buenos Aires. Lea (Francesca Inaudi) é uma de suas alunas, jovial, alegre e irrequieta, que trabalha num aviário limpando frangos, brincalhona de marca maior e que está querendo mais para sua vida, namora um tatuador (Guillermo Pfening) que passa os dias tatuando os clientes, embora sensível e amoroso, é um acomodado. O encontro das duas é quase que casual, quando Lea busca aulas de piano na casa de Lucia, num momento em que a professora está fragilizada por uma doença grave e a insatisfação de não engravidar, corroborado pela traição e o distanciamento afetivo do marido ausente. Quando iniciam as aulas de piano, o afeto mútuo das duas mulheres vai se alicerçando, nem a viagem da aluna para a Patagônia chega a ser inconveniente, pois as relações vão se estreitando. Lea viaja numa missão, já na sua profissão de bióloga, tendo a possibilidade profissional se abrindo para as pesquisas e estudos de baleias.

Pasetto conduz com habilidade e sutileza até o sensível epílogo na música Besame Mucho embalando os corações separados, tendo os personagens dançando em lados opostos e com suas vidas supostamente definidas, depois de vários contratempos e situações embaraçosas, num filme de profundidade satisfatória. O amor e a dor andam juntos, questionando os preconceitos e deixando as utopias e os sonhos se encaixarem numa densa atmosfera. Os tabus dão lugar para uma nova vida, sem grandes amarras ou bretes com saídas estimulantes. A Viagem de Lucia lembra Thelma & Louise (1991), de Ridley Scott, a aventura das duas amigas cansadas da vida monótona que levam, resolvem deixar tudo para trás num fim de semana, porém no caminho se envolvem em encrencas e acabam sendo perseguidas pela polícia. No filme argentino, ainda que mais acanhado, sem grandes e mirabolantes teorias, traz para a reflexão duas vidas à procura de seus ideais e satisfações pessoais, encontrando força uma na outra.

O cineasta não faz apologia por opção sexual, evita constrangimentos por bandeiras desfraldadas, pois traça e objetiva a colocação em xeque dos opostos se atraindo e seus futuros, numa condução hábil, faz desta película uma ode ao amor e a persistência para se continuar vivendo com intensidade sem abolir a dignidade. Afasta-se das metáforas e das alegorias, num filme de roteiro enxuto e com a simplicidade inerente dos bons e doloridos dramas de amor oriundos da Argentina. A se lamentar, apenas, por culpa da administração do Instituto NT de Porto Alegre, o barulho oriundo do andar superior, dando a impressão que estava em obras ou realizando alguma mudança. Ou seria só um caso fortuito? Durou quase toda a sessão de projeção do filme, verdadeiro desrespeito com o público que prestigia esta sala alternativa.

Nenhum comentário: