sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Trabalhar Cansa

















Vidas Conturbadas

Trabalhar Cansa tem no centro Helena (Helena Albergaria) casada com Otávio (Marate Descartes) que contrata a empregada doméstica Paula (Naloana Lima) para se encarregar de cuidar da filha pré-adolescente do casal, com a supervisão da invasiva avó materna. Otávio é despedido de uma empresa onde trabalhou por dez anos a fio e gozava de um ótimo conceito funcional; já Helena aluga um estabelecimento que tinha falido e monta um minimercado bem sortido.

O filme trata de uma dona de casa que resolve montar seu próprio negócio, pois cansou de ficar em casa cuidando do lar e paparicando o marido e a filha. Mas não está previsto o desemprego do marido quarentão, logo no início da montagem de seu estabelecimento comercial. As coisas começam a se complicar e as relações pessoais do casal desandam e o casamento sofre um abalo forte, pois Otávio passa por diversas seleções de emprego e nada consegue, entrando numa rotina de frustradas tentativas, perde o ânimo e tudo se complica.

Até aí tudo parecia se encaminhar bem com a película, mas começa a se diluir o drama quando entra a equivocada incursão do cinema fantástico. Mistura-se drama do cotidiano e as relações interpessoais de uma união aparentemente estável, para uma inversão de valores na propositura inicial do roteiro, deixando que um cachorro começasse a latir insistentemente para Helena, como a prenunciar que ela seria incomodada por fatores obscuros dentro do seu comércio. A direção torna-se frouxa e o roteiro se perde como que desandasse a maionese, trocando de rumo para o suspense barato e previsível, como o esgoto que transborda no piso e as infiltrações na parede, diante das aparições fora do contexto do proprietário, com algumas exigências inverossímeis, tais quais se sucedem algumas aparições de objetos escondidos nas dependências, todas aparentemente sem solução, porém facilmente imagináveis e com fraqueza de sustentação.

Um filme que começou bem, mas depois perdeu o rumo, chegou a lembrar logo nas primeiras cenas o extraordinário A Casa de Alice (2007), de Chico Teixeira, com uma atuação exemplar de Carla Ribas, que mostra uma família em um pequeno apartamento de São Paulo, expondo a exploração da mulher no Brasil, com as suas tarefas de dona de casa e a necessidade de trabalhar para ganhar dinheiro e o relacionamento afetivo com a solidão da personagem, mesmo vivendo com a mãe, o marido e os três filhos. Nem mesmo o urro de Otávio no epílogo é salvador, numa imitação lamentável e grotesca da cena em que Al Pacino dá um grito ensurdecedor nas escadarias, logo após presenciar a morte trágica da filha querida, na obra-prima O Poderoso Chefão 3 (1990), de Francis Ford Coppola. Oscila de uma linguagem cinematográfica para diálogos teatrais sonolentas, com cortes abruptos em forma de elipses, num tom sequencial desalentador, onde há planos semilongos e desnecessários, com se estivesse preenchendo lacunas vazias.

O elenco é fulminado por uma sofrível falta de dinamismo dos personagens, que tornam-se sem consistência e são desconstruídos com o desenrolar da trama, onde havia elementos de bastantes subsídios para dar uma melhor resposta, sucumbindo diante de uma desarmonia e uma mistura de ingredientes que tornaram a obra insatisfatória. Trabalhar Cansa deixa para trás, num plano secundário, o objetivo primordial do contexto proposto como o desemprego após os 40 anos, afundando assim de vez com toda a reflexão plausível condizente, ao arruinar a temática com o ensaio do fantástico, desnecessário e mutilador da obra.

Debate em Porto Alegre

Trabalhar Cansa teve sessão de pré-estreia em Porto Alegre nesta quarta-feira (24), pois a estreia nacional está prevista para 30 de setembro. Este é o primeiro longa-metragem dos diretores Marco Dutra e Juliana Rojas, que levou o Prêmio Especial do Júri, no último Festival de Paulínia. O longa também participou da mostra Um Certo Olhar, a principal paralela do Festival de Cannes deste ano na França. A dupla de diretores abocanhou o prêmio de melhor curta no Festival de Cannes de 2007, com o curta-metragem Um Ramo.

Após a exibição do filme, a diretora Juliana Rojas participou de um bate-papo com o público, acompanhada da produtora integrante da equipe Dezenove Filmes, a gaúcha Sara Silveira, radicada há anos em São Paulo, respondendo questões e fazendo alguns esclarecimentos aos cinéfilos curiosos sobre as filmagens e a proposta do filme.

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