quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Melancolia
















Vida e Morte

Longe do estupendo longa-metragem Anticristo (2009), Lars von Trier agora está contido e com uma inclinação pelo americanismo com sua recente obra Melancolia. Abandona definitivamente sua passagem de criador do movimento Dogma 95, em parceria com Thomas Vinterberg, no mês de março de 1995, em Copenhague. Era um manifesto cinematográfico internacional, lançado no centenário de nascimento da sétima arte, a partir de uma publicação com dez regras de ética e valores, também conhecido como voto de castidade, tendo como o objetivo principal o resgate de um cinema mais realista e menos comercial, anterior à exploração industrial de Hollywood.

Von Trier inovou com Os Idiotas (1998), segundo filme do movimento, depois vem Dançando no Escuro (2000) com o prêmio Palma de Ouro em Cannes de melhor filme. Solidifica seu talento e consagra o Dogma 95 com o extraordinário Dogville (2003), que tem sequência com Manderlay (2005), também em grande performance e fiel ao seu estilo proposto de um cinema mais simples, sem artifícios e pirotecnias, mantendo o padrão da filmagem em 35 mm, sem muita luz artificial e com cenários externos exclusivamente. Foi a mais inventiva escola, depois da celebrizada Nouvelle Vague.

Melancolia começa com um prólogo que antecede a trama propriamente dita em dois atos que virão no corpo da narrativa, com oito minutos na trilha operística de Tristão e Isolda, de Wagner. É apresentado em câmera lenta, mesma forma como foi o início de Anticristo, seguindo a escola do genial cineasta americano Sam Peckimpah, morto em 1984. Chamado pela crítica conservadora de "poeta da violência", pelo seu modo peculiar de filmar cenas violentas em slow motion, embora sempre dentro de um contexto estético, notabilizou-se como um referencial na arte de produzir e encarar a morte com suas nuanças nos pequenos e mínimos detalhes, como em Meu Ódio Será Sua Herança (1969).

Depois de ingressar no cinema fantástico, com dosagens intercaladas de drama e suspense, mergulhando no inconsciente humano e no exorcismo dos fantasmas da mente como fez com perfeição em Anticristo, agora se volta para o cinema catastrófico, numa mistura de drama e ficção científica, tendo em Justine (Kirsten Dunst- melhor atriz no Festival de Cannes deste ano pela boa atuação) como a referência da primeira parte, envolvida em seu casamento que prenuncia a desagregação familiar com extensão ao universo em extinção pelo apocalipse que se avizinha. A personagem seduz a morte e se relaciona com ela de maneira harmônica e mórbida, através de sua crônica crise de depressão.

Mas as complicações de von Trier começam na segunda parte ou ato, onde a irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) é o centro, ou deveria ser, compra veneno, sente-se mal e lhe falta o ar só em pensar no choque nos planetas Terra e Melancolia. Ao contrário de Justine, tem fobia pela morte e encarna a vontade de viver com o filho menor e o marido John (Kiefer Sutherland), um ricaço que gosta de golfe, dono de uma bela mansão, tendo como hobby olhar o cosmo planetário. A construção psicológica nos dois atos está presente no filme, com destaque para as cenas de Justine e seus fantasmas com a lucidez cedendo para a morbidez, deixando transparecer uma bipolaridade escancarada. A edificação da personagem é magnífica com sua exagerada capacidade depressiva de uma mulher possuída pela excentricidade e de um relacionamento afetivo com o lúgubre, tendo a morte à espreita.

Com a câmera na mão, como nos velhos tempos do Dogma 95, as cenas do casamento são mostradas como reveladoras, tendo as fugas constantes do recém-esposo Michael (Alexander Skarsgard) em plena noite de núpcias, já evidenciam uma notável maneira de chamar a atenção, agredindo verbalmente seu grotesco chefe na cerimônia. Fica evidente o relacionamento edipiano com o pai (John Hurt) e a submissão à mãe protetora e niilista (Charlotte Rampling). A traição é somente mais uma faceta desta personagem insegura e corroída pela dor doentia da falta de lucidez. Remete-nos com boas referências aos filmes Casamento de Raquel (2008), de Jonathan Demme e a inesquecível obra-prima Cenas de um Casamento (1974), do mestre Ingmar Bergman.

As florestas estão de volta para os personagens exorcizarem seus fantasmas soltos no universo, como na cena da deprimida Justine deitada nua a contemplar o céu intergalático, é uma volta aos filmes anteriores do cineasta, como Anticristo, Dogville e Manderlay, pelos seus segredos e surpresas oriundas deste universo inesgotável do medo e da irracionalidade. Porém quando o diretor se deixa levar pelo catastrofismo barato no segundo seguimento, beira o artificialismo trágico planetário. A obra fica fragilizada, como por encantamento aos filmes americanos, como A Estrada (2009), de John Hillcoat; Gozdzilla (1998), 2012- O Fim do Mundo (2009), O Dia Depois de Amanhã (2004) e Independece Day (1996), todos do diretor medíocre Roland Emmerich, realizando vários desses filmecos comerciais sem nenhuma contribuição cultural ou reflexiva mais profunda.

A vida e morte estão presentes como metáforas. Justine simboliza o pessimismo pela sintonia fina com o planeta azul Melancolia que trará a devastação; já Claire está sintonizada com a própria vida e sua família, com os pés no chão, ou na Terra como símbolo da existência humana. Mesmo que o longa obtenha bons resultados, principalmente na primeira parte e no prólogo, surgem sérios defeitos narrativos, como o induzimento para a previsibilidade no epílogo, embora seus propósitos iniciais vislumbrem alguns méritos, a inspiração esteve bem aquém do aguardado, deixando como elipses no roteiro o clímax da explosão devastadora e apocalíptica, quase sucumbe num final comercial. Eis um meio filme, apenas.

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