quinta-feira, 28 de julho de 2011

Lola



Luta das Avós

Filipinas manda para o mundo do cinema o promissor diretor Brillante Mendoza, o mesmo de O Massagista (2005), Serbis (2007) e Kinatay (2008), obtendo o prêmio de direção por este filme em Cannes. Chega pela primeira vez ao Brasil agora com o comovente Lola, com significado de avó no país de origem. Neste terceiro longa-metragem, um drama intimista onde a lola Sepa (Anita Linda- de atuação irrepreensível) vive dentro de um riozinho tomado de palafitas sobre plataformas sustentadas por estacas de madeira dentro das águas profundas, tendo acesso somente por barcos, teve seu neto assassinado pelo garoto Mateo para levar o celular; lola Puring (Rustica Carpio) é a avó do assassino, preso em flagrante e que vive amontoado com outros delinquentes numa prisão em péssimas condições.

A vovó do morto tem vários dilemas em sua vida, uma delas é ter que lidar com a morte súbita do neto e providenciar a compra de um caixão e toda a despesa do funeral, além de sustentar outro neto, uma filha e outros parentes que moram com ela. A pobreza fica escancarada e chega a ser humilhante, quando tem que sair de casa em casa pedindo esmolas para adquirir o famigerado caixão. Pede um empréstimo bancário e deixa em garantia seus cartões de crédito, tudo em nome da dignidade e do enterro justo, sem esquecer de procurar seus direitos e fazer justiça para a vítima fatal. Do outro lado tem a vovó do criminoso, uma pessoa simples que vive do comércio de rua, espécie de camelô, junto com o outro neto. Vive um dilema particular e sua angústia dolorida sem ter fim. Ao chegar em casa tem que dar comida na boca do filho mais velho, que está gravemente enfermo. Busca dinheiro e também tenta um empréstimo financeiro, viaja pelo interior em busca de recursos, numa verdadeira apoteose de dificuldades e empecilhos que vão se colocando no seu destino. Todo esforço descomunal é para indenizar a família do jovem assassinado, na extraordinária saga da busca do acordo para retirar o neto da cadeira. Nas Filipinas não existe intervenção do Estado, caso as famílias ponham fim no processo criminal, através de uma cifra indenizatória.

Além dos problemas inerentes com a ocorrência policial e as investigações no inquérito, a avó leva comida quentinha no presídio e se preocupa com as condições sub-humanas que Mateo convive no dia a dia. Os familiares da vítima não visam vantagens financeiras, nem colocam regras ou sequer exigem alguma condição que pudesse ser visto como chantagem. Os acontecimentos vão tomando corpo e forma do fato circunstancial e a análise recai no martírio de vida e da coragem das avós. As duas “lolas” se enchem de coragem e começam uma busca persistente de um novo rumo de vida. Uma luta para enterrar o neto dignamente e brilha nos seus olhos os peixes que se multiplicam no rio, como uma bela metáfora do dinheiro que buscou para aquele dia marcante do funeral e o ritual nos barcos descendo lentamente numa dor silenciosa, lembra a cena do filho morto do magnífico filme da República do Chade Um Homem Que Grita (2010), dirigido por Mahamat-Saleh Haroun, ganhador do Prêmio do Júri de Cannes de 2010. Passa pelo mais difícil, como as contrariedades e controvérsias acumuladas diariamente. A outra avó também é uma heroína e esbanja bravura, levando sua causa até as últimas consequências dentro da ética e da dignidade, exceto um esbarrão aqui e outro ali, como do troco e da sonegação da moeda de 20 por 50, bem como a venda dos presentes recebidos dos parentes distantes.

As duas vovozinhas alquebradas perambulam nas ruas, ruelas e becos de Manila, sob intermitente tempestade de uma chuvarada com ventos fortes, num aguaceiro que lembra o cenário do filme argentino Chuva (2008), de Paula Hernández, com os frenéticos buzinaços, onde pessoas andam de um lado para outro à procura de seus destinos perdidos ou desencontrados. Já o diretor segue uma linha perigosa de filmagem, onde a condução da câmera está sempre em movimento, nunca deixa em quadro parado ou fixa determinado ponto de forma estática, deixa o som sair direto dos personagens, como numa cena de videoclipe. Usa quase sempre como cenário os carros e os ônibus velhos caindo aos pedaços, numa reflexão da pobreza e miséria reinante naquele país. Às vezes torna-se cansativa a movimentação da câmera, mas não chega comprometer a obra.

A dor de viver é anestesiada pela bravura e da persistência daquelas duas anciãs, como numa simbologia da luta e do seu amor pelos netos e na insistente aproximação com as coisas bonitas da vida como objetivo final, embora os percalços e as humilhações tenham que ser derrubados, com seus efeitos nefastos e devastadores, resultantes de uma reflexão pontual, faz com que as cenas que desfilam tenham o caráter da dignidade daquelas criaturas. Mas a obstinação e a luta que travam por seus netinhos, nos remete para duas películas: uma é Poesia (2010), dirigido pelo sul-coreano Lee Chang-dong, e a outra é Mother- A Busca pela Verdade (2009), do diretor coreano Bong Joon-ho, que aproxima o realismo do fantástico e desqualifica o possível culpado, buscando no jogo de valores sua visão crítica, como na cena inicial que mostra a mãe caminhando dentro de um campo de trigo e em seguida dança uma música, fazendo gestos tresloucados e enigmáticos, que terá a extensão no epílogo. Diante das similitudes, poderá então o espectador fazer suas observações e conclusões de Lola, através destas senhoras de cabelos grisalhos que tentam provar a inocência de um deles e a outra em dar um funeral digno e conseguir a justiça.

A película filipina segue uma temática de reflexão da vida, sem apontar diretamente culpados que aparecem instintivamente nos dilemas diários, pois as vítimas são os seres humanos que vivem em más condições sociais, sem nunca perder ou esquecer as referências familiares. Um filme digno e humano pela sua regularidade, contrastando com as dores arrebatadoras das avós e suas tragédias familiares, com os fatos se intercalando no final. A busca da liberdade segue em caminhos opostos na cena final, tendo do outro lado o sentimento da justiça realizada, fazendo desta forma as maneiras sutis de suas vidas nas modestas residências que habitam, mas nunca sem deixar de buscar o prazer de viver, tornam este longa num instigante depoimento de lucidez.

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