sexta-feira, 15 de julho de 2011

Gainsbourg- O Homem que Amava as Mulheres



Complexidade de Uma Rebeldia

A cinebiografia Gainsbourg- O Homem que Amavas as Mulheres começa homenageando no título o mestre François Truffaut, pelo seu filme homônimo de 1977, como também há uma outra pequena homenagem ao inesquecível cineasta Claude Chabrol, com sua pequena aparição no papel de dono de uma gravadora, tendo morrido logo após esta rápida amostragem aos seus fãs.

O filme é um achado do neófito diretor Joann Sfar, em sua estréia com longas, porém dando margens para outras possíveis realizações do mesmo porte, diante de seu talento ao dirigir este marcante filme pela emoção, sobre a vida do polêmico e contestador cantor e compositor francês, descendente de russos e de etnia judia, Serge Gainsbourg (Eric Elmosnino- de atuação antológica e irrepreensível absorção do personagem na íntegra, tendo abocanhado o prêmio de melhor ator no Tribeca Film Festival dos EUA).

O longa mostra um artista de vanguarda pelas posições nitidamente contrárias aos ditames do bom mocismo. Já na esplêndida e imaginativa abertura, logo remetida para as imagens do cantor fumando quando criança junto ao mar, ao lado de uma garotinha, sua fama de conquistador começa cedo e dá sinais de uma grande divagação, tendo em vista os hábitos contrários às normas do certo e do errado. Gainsbourg bebe e fuma à exaustão até morrer (1928-1991), tem uma vida controvertida e avessa aos princípios éticos e morais reinantes numa sociedade conservadora, de uma França dominada pela Alemanha, com as bandeirinhas enfileiradas do Nazismo espalhadas nas ruas de Paris, logo têm respostas naquele garotinho travesso que canta o hino de seu país em forma de sátira corrosiva e brinca com os soldados franceses. Sua rebeldia vem desde menino, avança pela juventude e cessa na finitude.

Demonstra insatisfação ao pai pianista que o quer torná-lo um artista, ao recusar-se peremptoriamente a tocar aquele instrumento, embora se torne um exímio artista do piano com o passar do tempo. Começa pintando quadros, mas logo parte para seu apogeu, pois é dono de uma imaginação musical como poucos, um provocador por natureza, como se fosse um mescla de Raul Seixas e Renato Russo, compõe com extrema facilidade, sempre sendo cutucado pelo alter ego travestido do irmão morto, no formato de um boneco, para tocar em frente suas composições. Tem uma posição política como se fosse um antissemita, embora descendente não prega e ainda abstém-se de divulgar a causa judia. Já nas primeiras cenas fica claro seu senso de improviso e sarcasmo, ao cantar com o coral de crianças russas, apesar de descendente, não tem nenhum conhecimento da cultura ou da língua, improvisa e o resultado fica melhor que o esperado. Também em boa parte do filme se mostra todo o amor e admiração por Charles Aznavour, sendo até repelido por alguns de fãs, que queriam ouvir músicas suas e não do ídolo em quem Serge inspirava-se.

Mas o ápice está reservado do meio do longa até o final, quando seu relacionamento se dá com Brigitte Bardot (Laetitia Casta- surpreendentemente parecida e convincente), no auge da carreira, tendo um affair e sussurrando em seu ouvido, acaba por lançar dois discos maravilhosos em 1968: Bonnie Clyde e Initials B.B. Ao pedir uma prova de amor, compôs com uma inspiração máxima a obra-prima do erotismo Je T’aime Moi Non Plus, porém não é gravada por pedido expresso de Bardot, casada na época com um grande diretor e que poderia acarretar problemas familiares. Não desiste, e entre tantos outros romances, um que se notabiliza é com a inglesa Jane Birkin (Lucy Gordon- também está muito bem no elenco), talvez seu maior amor, dando-lhe dois filhos entre eles a ótima atriz Charlotte Gainsbourg, aparecendo quando adolescente no filme, numas das estrepolias de Serge. Grava com Jane finalmente sua música maior Je T’aime Moi Non Plus, com todos os sussurros possíveis e inimagináveis, numa clara alusão ao orgasmo de um ato sexual, lançando no disco de 1969; posteriormente em 1971, outro fabuloso álbum musical Histoire de Melody Nelson viria fazer outro estrondoso sucesso. Mas em 1980 veio a separação de sua célebre companheira de todas as horas.

Outra cena comovente e arrasadora pela audácia e astúcia é na sua apresentação na Jamaica, ao cantar La Marseillaise, em ritmo de reggae, causando ira em seus desafetos, mas não perde o humor e a compostura, voltando a cantar seu hino oficial, ainda assim não deixa de satirizar na letra. Por isso foi amado e odiado, como um cantor e compositor maldito pelos franceses, pois sempre buscava inovar, embora sem um mínimo de limites, levando outras culturas para a música da França. Uma realização extraordinária onde o realismo tem mescla de fantasias, pela contundência artística e pela trajetória povoada de controversas deste compositor genial pela sua singularidade, faz desta obra uma das melhores do gênero e certamente estará entre as 10 melhores do ano, diante da aversão pelo politicamente correto, pela magnífica trilha sonora, pelo elenco impecável.

Eis um filme sensível que mostra toda rebeldia obsessiva de um artista não celebrizado em sua terra, que chora mais pela morte do cão que do pai ao falecer, numa cena comovente, deixando registrada na tela a beleza e a poesia constrastando com a dor e o sofrimento, tanto físico como da alma, inseridos num contexto de luxúria, insatisfação e os fragmentos na mente de uma ocupação em seu país, por um outro contrário a arte e a inversão retumbante e inesquecível de um povo por outra cultura. Gainsbourg- O Homem que Amavas as Mulheres é uma mini obra-prima que mostra a dor de um artista e sua paixão avassaladora pelas mulheres, num mundo corroído pelas incertezas e pelo descalabro da intolerância. Flutua num horizonte longínquo como se estivesse num paraíso de fantasmas, por isso a complexidade desta cinebiografia redentora do amor.

Um comentário:

Marcelo disse...

Sensacional esse filme. Assisti no avião, quando ia pra Bruxelas, no ano passado. Depois passei por Paris por um par de horas, e uma banca vendia o DVD. Não comprei porque não tinha legenda em nenhuma língua que eu fale. Mas já viu o vídeo da "verdadeira" marselhesa do Gainsbourg? http://www.youtube.com/watch?v=mLq7EcvRaf0