sexta-feira, 22 de julho de 2011

Antes que o Mundo Acabe

















Caminhos da Juventude

Antes que o Mundo Acabe é uma película com produção e direção da gaúcha Ana Luiza Azevedo, em seu primeiro longa-metragem; tendo como roteiristas a mesma Ana Azevedo, Paulo Halm, Jorge Furtado e Giba Assis Brasil; na bela fotografia assinada por Jacob Solitrenick. Esta é mais uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, onde a diretora foi fundadora. Obteve os prêmios de Melhor Direção de Ficção, Figurino, Trilha Sonora, Direção de Arte e Fotografia no II Festival de Paulínia em 2009.

Um instigante filme sobre as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras, com similitude em seu conteúdo de questionamento na infância em outras belas obras, tais como: Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho e o magnífico As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky. Outra busca como inspiração está na disputa da garota pelos dois amigos que se apaixonam pela mesma pessoa como em Jules e Jim- Uma Mulher para Dois (1962), de François Truffaut.

A trama, aparentemente simples, tem muita complexidade e se delineia no seu desenrolar, através do adolescente Daniel (Pedro Tergolina- de inspirada e muito boa atuação) namora Mim (Bianca Menti), uma jovem em dúvida do que quer e pretende, pois flerta com Lucas (Eduardo Cardoso), o melhor amigo de seu namorado. Surge a meia-irmãzinha tinhosa que alucina Daniel, Maria Clara (Caroline Guedes); Elaine é a mãe (Janaina Kremer) casada com Antônio (Murilo Grossi), pai de Maria Clara; o pai de Daniel é um fotógrafo (Eduardo Moreira), que não conheceu o filho, pois abandonou Elaine quando estava grávida e foi conhecer o mundo e fotografar crianças mutiladas em guerras em países conflitados.

O filme tem as características típicas do interior, onde os adolescentes andam de bicicletas, namoram nos aniversários, pegam os carros dos pais e dirigem sem carteira, tomam pileques homéricos e jogam futebol. Os objetivos de vida estão limitados aos costumes de uma bucólica cidadezinha de poucos recursos. Conhecer Porto Alegre e buscar voos maiores são sonhos que aos poucos a realidade torna-se dura e acaba por frear, como na cena em que Lucas não consegue fazer a prova por problemas disciplinares em sua cidade natal.

O aspecto sombrio é latente nos rostos, como no de Daniel que recebe as cartas do pai que vive na Tailândia, responsabiliza-se pela paternidade ausente e tenta equilibrar seu relacionamento com o filho, exaltando as virtudes da mãe e assume a culpa exclusiva pelo abandono. Manda fotos, cartas, máquina de fotografia, colete de fotógrafo, escreve e-mails, tentando uma aproximação. Na relação que está sendo aberta, o filho sente que existem outras fronteiras para serem desbravadas e seu mundo está restrito às mesmices, com poucas opções para o trabalho, bem como continuar os estudos numa universidade. É hora de botar o pé na estrada e seguir em frente.

Antes que o Mundo Acabe sugere uma metáfora da juventude e seu futuro, como a dizer que um dia isso termina e chegará o mundo adulto dos tsunamis, guerras e doenças; ficará para trás os passarinhos na gaiola da vizinha, o santo dentro do andor a percorrer a vizinhança e a vidinha pacata do interior. O longa reflete uma beleza melancólica os prazeres e desprazeres da adolescência, tendo como mote o triângulo amoroso dos três amigos que também são colegas de aula, com as enormes confusões no ambiente escolar, que mergulha na abordagem do universo juvenil das grandes paixões, os relacionamentos com as namoradinhas, os traumas da garotada e a difícil passagem para o mundo adulto repleto de preconceitos e complicações inerentes da transição, sem deixar de abordar a ausência do pai.

Também lembra o filme Em Paris (2006), de Christophe Honoré, onde os irmãos moravam com o pai, pois a mãe os abandonara para viver uma vida livre, após a morte trágica da filha; neste quem sai é o pai a ganhar o mundo, ficando a mãe cuidando dos filhos. Há referência ainda para o francês Entre os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, que entre outros temas, apreciou com primazia a tentativa de expulsão de um aluno desobediente e de comportamento hostil; no longa de Ana Azevedo, o diretor quer expulsar Lucas por suspeita de roubo na escola e lhe arranca da aula abruptamente.

O vazio existencial dá lugar para as brincadeiras e os conflitos na busca da conquista da garota amada, tendo por objetivo principal ser um vencedor no contexto geral, pois assim os olhares estarão voltados para o conquistador da menina disputada, numa clara alusão da busca insistente de uma autoafirmação e uma identidade ainda debilitada. A dramaticidade dos personagens está bem condensada no roteiro, embora os hipertextos e colagens no filme sejam por vezes exagerados e desnecessários, bem ao estilo do corroteirista Jorge Furtado, que conseguiu impor com inteligência no curta-metragem Ilha das Flores (1989), mas a diretora não derrapa e segura firme sua obra inaugural, construindo e deixando sua marca.

A cineasta teve muita sensibilidade para abordar a temática dos jovens, nesta abordagem sem estereótipos da juventude, com seus anseios à flor da pele, demonstra ser promissora e com amadurecimento neste ótimo longa-metragem que faz reflexão com ternura dolorida numa temática sobre os futuros logo ali como adultos.

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