segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Última Estação



Melancólico Fim

Michael Hoffman desenvolve neste fabuloso filme A Última Estação uma trajetória com um estilo muito apropriado para descrever o crepúsculo da vida de Leon Tolstói (1828-1910). Logo no início do drama já se percebe as semelhanças evidentes com o grande cineasta russo Alexander Sokurov, embora sem o vigor e os recursos dramáticos deste, que também descrevia os momentos finais de Adolf Hitler em Moloch (1999); os derradeiros dias de Lênin em Taurus (2001); e ainda sobre o imperador japonês Hirohito na bela película O Sol (2005).

Tolstói (Christopher Plummer- de interpretação impecável e sóbria) é o célebre escritor, um dos maiores de todos os tempos, comparado a Homero, autor de Guerra e Paz, Ana Karenina e A Morte de Ivan Ilitch, tendo por lema “justiça e paz”, bem enfocado por Hoffman, com base no romance A Última Estação, de Jay Parini. Denota-se que os dias finais foram conturbados e sem o mínimo de paz, principalmente com seus familiares, em especial o seu amor avassalador pela condessa, que se tornou sua esposa Sofia (Helen Mirren), bem como tem na filha excomungada pela mãe sua aliada inconteste. Plummer e Mirren foram indicados para o Globo de Ouro e para Oscar, nas categorias de melhor ator coadjuvante e de melhor atriz, sem obterem sucesso.

Seus fiéis seguidores literários estavam quase sempre em conflito com Sofia, principalmente o fundador do movimento mundial tolstoiano de desapego de bens materiais, Vladimir Chertkov (Paul Giamanti), um exacerbado nos cuidados, com intromissão na vida particular do escritor, acusado de ser o mandante da renúncia dos bens por Tolstoi, para deixar tudo para a comunidade, teria aconselhado-o a mudar radicalmente o testamento, sem deixar nada para a família. Neste conflito flutua o sensato secretário particular Valentin Bulgákov e seu romance ardente com a bela e fogosa empregada da residência. Ele é uma espécie de assistente direto e que anota todos os movimentos finais do escritor, que se torna pobre e vegetariano, vivendo como um celibatário.

Os seguidores fiéis de Tolstói e a obsessiva vontade em torná-lo um mito, chega a beirar uma adesão religiosa, como se ele fosse uma espécie de líder espiritual que anda pregando uma seita, em contato direto com as pessoas. Tem na morte pela pneumonia adquirida de seu estado frágil de vida que leva, andando em vagões de terceira classe, sem nenhum conforto para descansar ou dormir, quando foge de seu lar no meio da noite para se alojar naquela longínqua estação de Astapovo, numa humilde casa de um funcionário, na procura iminente da tão propalada paz espiritual e seu desprendimento com as coisas materiais e sua fortuna adquirida, razão pela qual acaba se conflitando com a esposa.

Ainda que Sofia seja uma mulher extremamente materialista e pense constantemente nos direitos autorais, pois gostaria de ver passado em vida ou através do guerreado testamento, o marido quer deixar para seus seguidores do movimento tolstoiano, com a expectativa de que estes divulgarão sua obra e seus pensamentos sobre o mundo como “tudo o que sei só sei porque amo”, numa clara aversão pelas diferenças sociais sua simpatia pelo socialismo e contrário ao czarismo enraizado na Rússia por volta de 1910. Sofia sofre e acusa-o de mulherengo contumaz frequentador de cabarés, buscando em seus defeitos as razões para não deixá-lo livre para realizar a distribuição da fortuna por testamento, motivo crucial de tanta celeuma.

O diretor passa com clarividência o relacionamento do escritor com a mulher e a paixão por ela, em mais de 40 anos de casamento, tendo Sofia sempre participado diretamente com opiniões sinceras e influenciando nas obras-primas que vieram acontecer com o tempo. O conflito de ideias de um pensador mitológico com outras voltadas para o mundo material é o grande debate reflexivo na época do czarismo de um país em efervescência no século passado. A fuga de Tolstói de casa tem grande repercussão na imprensa, levando os jornalistas a acompanhar passo a passo os instantes finais do gênio em seu refúgio e a invasão da privacidade perdida. Nem morrer em paz se consegue, é o que sente o escritor, na abordagem de Hoffman.

A Última Estação fica na retina do espectador , não só pela beleza plástica magnífica de um cenário radiante, mas de um filme que retrata com sobriedade um momento histórico da humanidade. Tem méritos maiores ainda ao mostrar com imparcialidade um relacionamento controverso, mas sem nunca deixar escapar o grande amor, com o acompanhamento musical da ópera de Mozart. Um filme para ser apreciado com todo o desnudamento, sem procurar tomar partido do que é certo ou errado na relação a dois. Fica expressa na tela a reflexão da obra de um gênio que deixa seu legado para a posteridade, como sendo o mais importante e necessário para todas as gerações neste extraordinário drama de época.

Nenhum comentário: