terça-feira, 5 de julho de 2011

Namorados para Sempre



Casamento em Ruínas

O filme Namorados para Sempre (Blue Valentine- na versão original, porém teve esta lamentável e enganosa tradução no Brasil estritamente comercial) é um grande romance moderno, quase como um drama erótico, onde as relações de um casal são discutidas às ultimas consequências, mostrando toda a dor e o triste fim de um relacionamento em ruínas que se extingue a cada dia que passa, sob a direção de Derek Cianfrance, em seu segundo longa, antes dirigira Brother Tied (1998).

O longa-metragem começa com se fosse um lindo dia na vida de um casal, na companhia de sua bela filhinha à procura da cadela de estimação que teria fugido de casa, logo aparece morta numa rua deserta, já faz alusão premonitória ao desenlace dos dois jovens apaixonados em conflito. Estrategicamente a criança está à margem dos acontecimentos, sem saber direito o que está acontecendo com sua vida e com quem muito estima. A trama gira em torno de Dean (Ryan Gosling), um rapaz que trabalha como carregador de móveis, que seduz e conquista o coração de Cindy (Michelle Williams- indicada ao Oscar pela sua boa interpretação), logo irá se formar como enfermeira e trabalhará num hospital, apesar de seu sonho ficar frustrado como médica. Ainda solteiros, ela engravida e nasce a adorável garotinha Frankie, nascida por acaso e quase defenestrada por um aborto.

O filme se desenrola em flashbacks, sem ter aquelas voltas ao passado monótonas, muito pelo contrário, a tensão vai aumentando e o fio do nó irá se desatando, com as revelações e as angústias sendo literalmente expostas como vísceras, num clima que vai se construindo com todas as gradações de nuances de uma união em decomposição agonizante e que dá sinais evidentes de irreversibilidade. Namorados para Sempre traz no bojo da abordagem a neurose de um casal e seu relacionamento doentio, como na cena do motel em que Dean nega-se a praticar o sadomasoquismo da companheira que implora em estado quase catatônico. Bebem e fumam à exaustão e a “suíte da fantasia futurista” é o próprio reflexo dos dois seres desajustados no amor, à procura de uma combustão para engrenar a retomada do clímax do amor de outrora. Tudo é válido, até os requintes de jogos de sedução e dor amorosa.

Mas os ciúmes constantes de Dean não são mais suportados ou elaborados pela esposa, como na cena da crise decorrendo no vexame no hospital, com visíveis sinais de alcoolização, logo após a fuga dela da noite decepcionante, que era programada para restabelecer a harmonia no motel. Socos, pontapés, quebra-quebra e chamamento da polícia são fatores que irão minando ainda mais o idílio já instabilizado, inclusive com as ameaças de suicídio por Dean, antes de saber da gravidez involuntária. Como luzes que vão se apagando lentamente aquele grande amor da juventude, numa catarse efervescente de emoções incontidas, colocadas de forma magistral em flashbacks pelo diretor, vão corroendo definitivamente uma união totalmente conturbada, apesar de alguns contratempos no namoro, como o espancamento do rapaz por um dos pretendentes da moça disputada.

Outra situação desgastante do romance que fica evidente nas entrelinhas é o acomodamento do marido, um tanto quanto infantiloide, totalmente voltado para o lar, que contenta-se em continuar como carregador de mudanças, e a subida na escala profissional da esposa. O desnível social e as crises de ciúmes do marido que sente-se traído, irão destruindo aos poucos e pondo fim naquele deslumbrante relacionamento juvenil. O filme traz outra metáfora magnífica, como dos festejos da independência dos EUA, com fogos de artifícios colorindo o céu e simbolizando a cena da separação e da emancipação da Cindy, como na dolorida divisão de Frankie pelos pais, sem saber direito o que estava acontecendo, fica no meio do caminho, à procura de uma explicação plausível do mundo adulto e da minguada atenção lhe é dedicada.

O drama, às vezes lembra o magistral Anticristo (2009), de Lars Von Trier, porém bem mais contido e sem a contundência e a explicitude do diretor dinamarquês; também remete para as tórridas cenas de sexo de 9 1/2 Semanas de Amor (1986), de Adrian Lyne; como faz lembrar ainda o inesquecível Eu Sei Que Vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor; ou ainda o episódico divórcio de um casal em Amor em Cinco Tempos (2004), de François Ozon. Mas nada se compara com a obra-prima do gênero Cenas de Um Casamento (1974), do mestre Ingmar Bergman, cineasta da alma humana e dos caminhos existencialistas. Mesmo com um título enganoso, os cinéfilos mais atentos estão se dando conta que Namorados para Sempre é um daqueles filmes marcantes e dignos de constar na galeria das obras que mergulham na alma e no âmago de seres humanos apaixonados e perturbados por fatores diversos da plena consciência.

Nenhum comentário: