domingo, 22 de outubro de 2017

Mostra de Cinema São Paulo (A Cordilheira)


A Cordilheira

Um filme que era aguardado com boa expectativa e não decepcionou na 41ª. Mostra de Cinema de São Paulo é este misto de drama político com familiar A Cordilheira, terceiro longa-metragem do argentino Santiago Mitre, que também é responsável pelo instigante roteiro em coautoria com o parceiro Mariano Llinás. Mitre foi roteirista dos filmes Leonera (2008), Abutres (2010) e Elefante Branco (2012), todos realizados por Pablo Trapero, fez sua estreia como diretor em O Estudante (2011), ano marcado por convulsões sociais nos EUA, Chile e na Europa, tendo abocanhado mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo. O seu segundo longa, Paulina (2015), foi baseado no filme homônimo La Patota, de Daniel Tinayre, produção de 1961, retratando a temática da violência contra a mulher de uma maneira pouco convencional, sem ser sensacionalista, contextualizou a trama e deu luzes à história em uma reflexão mais profunda, tendo como subtema a justiça a serviço dos interesses pessoais de poderosos. O sucesso sorriu para este cineasta de apenas 36 anos, que obteve premiações de repercussão com a realização anterior em San Sebastián, Lima, Turim, Biarritz e Chicago, mas a principal láurea veio ao ganhar o troféu principal da Semana da Crítica em Cannes.

Eis um belo painel sobre os bastidores da política mesclado com os problemas pessoais de um chefe da nação que são abordados com esmero em A Cordilheira. Estão bem construídos psicologicamente pelo diretor os personagens fictícios, mas que são até bem facilmente identificáveis no cenário atual. Um retrato mordaz e bem fundamentado de uma conferência de presidentes latino-americanos na Cordilheira dos Andes, no Chile, na deslumbrante fotografia captada pelas lentes de Javier Juliá. Lá se discutem as estratégias com alianças espúrias para as geopolíticas da região num luxuoso hotel cinco estrelas. O presidente argentino recém-empossado em crise Hernán Blanco (Ricardo Darín- impecável e quase sempre ótimo em seu desempenho) enfrenta um drama que o forçará a encarar os mais intrincados conflitos das relações internacionais com seus vizinhos países. Numa situação antiética é mostrada toda a podridão dos bastidores da política e os principais componentes bem apontados no roteiro desta trama que enfoca o primeiro mandatário argentino (seria Macri?) tomando decisões que podem mudar o curso de sua vida púbica e privada para sempre, mas mesmo assim faz e joga pesado com a corrupção e os malefícios dos porões palacianos a serviço da grande farsa.

A reunião dos chefes de Estados da América Latina para discutir um projeto de aliança petroleira, mas que atrai a América Central por osmose, é recepcionada pela líder máxima do Chile, que tudo indica ser Michelle Bachelet, do México, Venezuela, Uruguai, Paraguai e o do Brasil (Leonardo Franco), apelidado de Imperador (seria Lula por ser espaçoso?), tendo em vista ser o país mais importante do Continente Sul-Americano financeiramente, além da presença de um representante dos EUA, que chega de repente para balizar os destinos e observar de perto as decisões da vizinhança e fazer ofertas indecorosas para Blanco virar o jogo e incluir os norte-americanos por tabela. Nem mesmo a filha, Marina (Dolores Fonzi- atriz de Truman, O Crítico e Paulina), escapa das tramoias do pai, embora casada, mas em fase de separação, na qual o ex-genro acusa o sogro de falcatruas na presidência, o que lhe custará muito caro, pois mexer com o poder tem um preço fatal.

A trajetória da realização é como se fosse um jogo de xadrez, com as mudanças no tabuleiro com tacadas certeiras e diretas ao ponto. Leva ao clímax somente no desfecho, pois no desenrolar do enredo gira entre as armações quase que sem saída, com os surtos psicóticos da mulher doente no hotel e a chamada com urgência de um médico que usa a hipnose como um método eficaz para trazer Marina para uma realidade, que parece não ser a mais adequada para o futuro da política do pai. Revelações do passado vêm à tona e poderá explodir um cataclismo pelos segredos guardados como fantasmas enjaulados e amordaçados, metáfora da filha vista pelo pai como um estorvo que continua sem tratamento para mantê-la alienada e ausente do núcleo familiar dos pseudolúcidos. No meio do turbilhão do processo que se desenvolve, a corrupção campeia nas cúpulas diretivas de alianças com tensões e desdobramentos escusos que os mortais ficam à mercê e sequer imaginam os resultados e o quanto lhes custarão no futuro. Abafar o escândalo que se avizinha como devastador é iminente, o que pode resultar na interdição da própria filha e calar sua precária lucidez.

Em A Cordilheira, todos os discursos daqueles homens da cúpula de líderes soam falsos, vazios e hipócritas, mas aos poucos vira uma contraditória verdade no voto derradeiro do pouco carismático presidente em sua busca obstinada pela manutenção do poder. Um filme que aborda os ardis inescrupulosos, torna-se cético e tem uma forte consistência de personagens com diálogos de interesses tacanhos e, às vezes, reverte e muda o rumo das expectativas que poderiam se encaminhar como soluções transparentes. Não é só uma reflexão ou crítica aos bastidores dos porões governamentais, mas o paradoxo da sutileza da mentira para fazer valer uma liderança contestada. Muitos golpes baixos e deslizes tumultuados pela falta do decoro, pois não há lugar para ingênuos e bonzinhos. O maquiavelismo está explícito onde “os fins justificam os meios”, parece ser copiado com maestria do livro O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, criador do verdadeiro manual da política. O longa cumpre seu papel objetivo de apresentar as falcatruas das abjetas coligações, o jogo da politicagem e a sujeira empurrada para debaixo do tapete, vender a alma para o diabo, os conflitos de lealdade e confiança e o questionamento ético na vida pública. Fica a visão doentia dos homens obcecados pelo poder e seus envolvimentos com situações escabrosas, dignas de maracutaias da melhor estirpe. Um drama sutil e objetivo na sua conjuntura temática das causas e efeitos pelas imagens com força de grande expressividade, com rostos e olhares de certa perplexidade por algumas surpresas.

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