A Cordilheira
Um filme que era aguardado com boa expectativa e não
decepcionou na 41ª. Mostra de Cinema de São Paulo é este misto de drama político
com familiar A Cordilheira, terceiro
longa-metragem do argentino Santiago Mitre, que também é responsável pelo instigante
roteiro em coautoria com o parceiro
Mariano Llinás. Mitre foi roteirista dos filmes Leonera (2008), Abutres
(2010) e Elefante Branco (2012),
todos realizados por Pablo Trapero, fez sua estreia como diretor em O
Estudante (2011),
ano marcado por convulsões sociais nos EUA, Chile e na Europa, tendo abocanhado
mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo. O seu segundo longa, Paulina (2015), foi baseado no filme
homônimo La Patota , de Daniel Tinayre, produção de 1961, retratando
a temática da violência contra a mulher de uma maneira pouco convencional, sem
ser sensacionalista, contextualizou a trama e deu luzes à história em uma
reflexão mais profunda, tendo como subtema a justiça a serviço dos interesses
pessoais de poderosos. O sucesso sorriu para este cineasta de apenas 36 anos, que
obteve premiações de repercussão com a realização anterior em San Sebastián,
Lima, Turim, Biarritz e Chicago, mas a principal láurea veio ao ganhar o troféu
principal da Semana da Crítica em Cannes.
Eis um belo painel sobre os bastidores da política mesclado
com os problemas pessoais de um chefe da nação que são abordados com esmero em A Cordilheira. Estão bem construídos
psicologicamente pelo diretor os personagens fictícios, mas que são até bem
facilmente identificáveis no cenário atual. Um retrato mordaz e bem
fundamentado de uma conferência de presidentes latino-americanos na Cordilheira
dos Andes, no Chile, na deslumbrante fotografia captada pelas lentes de Javier Juliá. Lá se
discutem as estratégias com alianças espúrias para as geopolíticas da região
num luxuoso hotel cinco estrelas. O presidente argentino recém-empossado em
crise Hernán Blanco (Ricardo Darín- impecável e quase sempre ótimo em seu
desempenho) enfrenta um drama que o forçará a encarar os mais intrincados
conflitos das relações internacionais com seus vizinhos países. Numa situação
antiética é mostrada toda a podridão dos bastidores da política e os principais
componentes bem apontados no roteiro desta trama que enfoca o primeiro
mandatário argentino (seria Macri?) tomando decisões que podem mudar o curso de
sua vida púbica e privada para sempre, mas mesmo assim faz e joga pesado com a
corrupção e os malefícios dos porões palacianos a serviço da grande farsa.
A reunião dos chefes de Estados da América Latina para
discutir um projeto de aliança petroleira, mas que atrai a América Central por
osmose, é recepcionada pela líder máxima do Chile, que tudo indica ser Michelle
Bachelet, do México, Venezuela, Uruguai, Paraguai e o do Brasil (Leonardo Franco), apelidado de
Imperador (seria Lula por
ser espaçoso?), tendo em vista ser o país mais importante do Continente Sul-Americano
financeiramente, além da presença de um representante dos EUA, que chega de
repente para balizar os destinos e observar de perto as decisões da vizinhança
e fazer ofertas indecorosas para Blanco virar o jogo e incluir os
norte-americanos por tabela. Nem mesmo a filha, Marina (Dolores Fonzi- atriz de
Truman, O Crítico e Paulina), escapa
das tramoias do pai, embora casada, mas em fase de separação, na qual o
ex-genro acusa o sogro de falcatruas na presidência, o que lhe custará muito
caro, pois mexer com o poder tem um preço fatal.
A trajetória da realização é como se fosse um jogo de
xadrez, com as mudanças no tabuleiro com tacadas certeiras e diretas ao ponto.
Leva ao clímax somente no desfecho, pois no desenrolar do enredo gira entre as
armações quase que sem saída, com os surtos psicóticos da mulher doente no hotel
e a chamada com urgência de um médico que usa a hipnose como um método eficaz
para trazer Marina para uma realidade, que parece não ser a mais adequada para
o futuro da política do pai. Revelações do passado vêm à tona e poderá explodir
um cataclismo pelos segredos guardados como fantasmas enjaulados e amordaçados,
metáfora da filha vista pelo pai como um estorvo que continua sem tratamento
para mantê-la alienada e ausente do núcleo familiar dos pseudolúcidos. No meio
do turbilhão do processo que se desenvolve, a corrupção campeia nas cúpulas
diretivas de alianças com tensões e desdobramentos escusos que os mortais ficam
à mercê e sequer imaginam os resultados e o quanto lhes custarão no futuro.
Abafar o escândalo que se avizinha como devastador é iminente, o que pode
resultar na interdição da própria filha e calar sua precária lucidez.
Em A
Cordilheira, todos os discursos daqueles homens da cúpula de líderes soam
falsos, vazios e hipócritas, mas aos poucos vira uma contraditória verdade no voto derradeiro do pouco carismático
presidente em sua busca obstinada pela manutenção do poder. Um filme que aborda
os ardis inescrupulosos, torna-se cético e tem uma forte consistência de
personagens com diálogos de interesses tacanhos e, às vezes, reverte e muda o
rumo das expectativas que poderiam se encaminhar como soluções transparentes. Não
é só uma reflexão ou crítica aos bastidores dos porões governamentais, mas o
paradoxo da sutileza da mentira para fazer valer uma liderança contestada.
Muitos golpes baixos e deslizes tumultuados pela falta do decoro, pois não há
lugar para ingênuos e bonzinhos. O maquiavelismo está explícito onde “os fins
justificam os meios”, parece ser copiado com maestria do livro O Príncipe, de
Nicolau Maquiavel, criador do verdadeiro manual da política. O longa cumpre seu
papel objetivo de apresentar as falcatruas das abjetas coligações, o jogo da
politicagem e a sujeira empurrada para debaixo do tapete, vender a alma para o
diabo, os conflitos de lealdade e confiança e o questionamento ético na vida
pública. Fica a visão doentia dos homens obcecados pelo poder e seus
envolvimentos com situações escabrosas, dignas de maracutaias da melhor
estirpe. Um drama sutil e objetivo
na sua conjuntura temática das causas e efeitos pelas imagens com força
de grande expressividade, com rostos e olhares de certa perplexidade por
algumas surpresas.
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