The Square- A Arte da Discórdia
Vai ser muito difícil surgir um filme melhor que The Square- A Arte da Discórdia nesta 41ª. Mostra de Cinema
de São Paulo. Merecidamente foi o grande vencedor da Palma de Ouro no Festival
de Cannes deste ano e representará a Suécia no Oscar de 2018. Esta comédia
dramática tem a ótima direção do sueco Ruben Östlund, em seu quinto
longa-metragem, também responsável pelo eclético e perturbador roteiro. Sua
realização anterior, Força Maior
(2014), foi vencedora do prêmio de melhor filme da mostra Um Certo Olhar no
Festival de Cannes daquele ano, retratava a atitude falseada da verdade com
efeitos desastrosos para o psicológico do ser humano, diante da gravidade das
palavras sem a noção de lógica e equilíbrio, predominando o destempero pela
facilidade da verve acusatória de não medir as consequências quase que trágicas
no âmbito dos filhos e esposa, embora distante e ausente dos personagens. Ainda
que tenha abusado das concessões, poderia ter um aprofundamento maior no tema da
depressão, por exemplo, mas abordou com boa análise o sentimento de culpa e o
ato pusilânime em relação aos familiares.
Agora o diretor se mete numa polêmica fascinante com The Square, esta extraordinária construção
que marca como uma obra vigorosa e desafiadora ao questionar a arte
contemporânea por uma crítica corrosiva, justamente num momento delicado em que
museus estão fechando por pressão de setores conservadores e moralistas da
sociedade, quase beirando a irracionalidade. Proíbe-se exposições para menores
de 18 anos, sob a alegação de motivos como a pedofilia, a zoofilia, a sexualidade
ousada, os órgãos genitais livres de cobertura, o racismo, e por aí vai. O ninho
de vespas foi cutucado e remexido com vara curta, mas não falta contundência deste
inquieto diretor de 43 anos. O foco do filme não é proibir e nem retirar o
talento dos artistas sérios com seus potenciais reconhecidos, mas desmascarar
os falsários que querem promoção através de uma arte empobrecida e sem valor
significativo. Por isso, provoca e mexe com os brios de muitos blefes
artesanais que são desprovidos de convicções estéticas minimamente definidas. Embora
não esteja opinando de maneira definitiva, ao procurar a isenção, afasta-se com
elegância da ridicularização por uma forma de simplificação barata, deixando
para uma reflexão madura a liberdade de expressão.
O premiado filme tem consistência e um dinamismo num roteiro
muito bem arquitetado, que deixa o espectador impactado em muitas cenas e em
outra solta o riso fácil para desopilar de uma anterior mais pesada. Vai do
clímax para o anticlímax com suavidade e eficiência de quem domina a arte do
cinema. Östlund não tem um pensamento estreito que pudesse dar guarida aos
defensores da moral e dos bons costumes que levasse para a retaliação ou um discurso
vazio contra os artistas na acepção da palavra. Busca com força na
dramaticidade apontar para as superficialidades de uma parte minoritária
pseudocultural que quer dominar o mercado de maneira brutal. O fio condutor da
narrativa está centrado em Christian (Claes Bang), um homem divorciado e um
respeitado curador-chefe de um famoso museu de arte em Estocolmo, um pai
dedicado às duas filhas menores que o visitam periodicamente, mas que, às vezes,
até esquece dos dias agendados, pelo envolvimento com o cotidiano do trabalho, o
que não invalida sua condição de abnegado por apoiar ironicamente boas causas. Mas
as coisas se complicam quando se aproxima a nova exposição, que empresta o
nome ao título do longa, diante da premissa de que a instalação deverá ter transeuntes
convidados pelo altruísmo de seus papéis por serem dignos dos seres humanos
responsáveis. Um cinismo comprometedor que coloca em xeque o profissionalismo
dos organizadores.
A comédia mostra o paradoxo do protagonista que ignora seus
próprios ideais ao ter seu celular e sua carteira furtados no meio da rua,
quando estava em pleno convencimento de pedestres para compor o cenário que
está montando. Ao deixar-se convencer por um de seus assessores, o curador
acusa todos os moradores de um prédio popular, o que levará para uma situação caótica
pelo inusitado garotinho que se sente injustiçado e quer reverter o fato junto
aos seus pais. Ambos sentem-se envergonhados, acusador e acusado entram numa
paranoia para um dilema sem precedentes, com um desfecho de purificação da alma
e o resgate pelo trauma causado. Outra cena marcante pela eloquência é a de uma
agência de relações públicas que cria uma fatídica campanha para promover uma
das atrações aguardadas, a obra conceitual perfeita representando a preservação
dos direitos e deveres, O Quadrado
(referida no título), de uma artista argentina, com um vídeo viralizando nas
redes sociais, num retrato mordaz como divulgação antiética. Não pegou bem
explodir uma garotinha mendiga de cor branca, a reação na imprensa foi
instantânea, com implicações das minorias pelos imigrantes de pele escura
espalhados pelas ruas pedindo dinheiro e comida, que acabam sendo substituídos
por uma loirinha. Exageros à parte da população e da cobrança midiática, tanto
o museu como o curador sofrem retaliações, que levará para a explosão de uma
crise que desemboca num desfecho pouco convencional nas relações estremecidas
entre o homem e a instituição.
No embalo de uma magnífica trilha sonora que sustenta a
realização da arte e seus questionamentos da estética em jogo, assim como no
prólogo há a entrevista da jornalista com o curador, sem saber o que fazer da
sua bolsa, ironicamente recebe a proposta para deixar num canto que poderá vir
a ser um bom material para a exposição. Os montinhos de cascalhos com areia
como representação de um fato pitoresco, mas que num incidente desabam alguns
deles, causam um certo desconforto e a pergunta que fica: Isto é arte?. Mas o ápice
do filme é a sequência devastadora e aterrorizante no sentido psicológico,
quando ocorre a apresentação de um artista denominado de o homem-macaco (Dominic
West- desempenho elogiável do ator que atua na franquia dos últimos longas Planeta dos Macacos) diante de uma
plateia da elite num jantar de gala, estática e amordaçada pelo medo da
importunação, que faz uma performance imitando um primata interagindo com o
púbico e partindo para uma explícita tentativa de estupro de uma mulher. É o
retorno da selvageria com tapas, bofetões, puxões de cabelo, mesa virada, tudo em
meio à expectativa da arte e suas inquietações sociais, confundindo-se com a
dissimulação de uma sociedade de consumo nos limites atropelados como vísceras expostas.
Uma aula de cinema provocativo pela condução da realidade de uma temática
polêmica com os subtemas propostos pelo expressivo diretor. Surpreende o
desfecho com a materialização de uma crise existencial reveladora sobre a
opressão, hipocrisia e os valores éticos. Uma mini obra-prima que contextualiza
uma sarcástica crítica para debates que deverão polarizar sobre arte e cultura,
causas e efeitos.
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