Vem da Rússia talvez o melhor filme até agora da 41ª.
Mostra de Cinema de São Paulo. A Floresta
tem um eclético roteiro e uma excelente direção do russo Roman Zhigalov, em seu
primeiro longa-metragem. Nascido na
região de Arcangel, atualmente vive em Moscou, formou-se pela Universidade
Federal do Ártico Norte, trabalha com cinema e televisão em diferentes funções desde
2007. Uma agradável surpresa considerando ser um jovem cineasta estreante. É um
drama contundente sobre a interação de uma família como núcleo e base para
a contextualização com a vizinhança e seu cotidiano inerente, explora as
fraquezas sem limites do ser humano, o prazer quase ilimitado pela aventura com
as digressões amorosas retumbantes pelos destemperos de uma comunidade
reprimida sexualmente, além do sofrimento cruel do próximo pelo alcoolismo e o
papel da mãe superprotetora em xeque, bem como o avanço acelerado do
capitalismo e da ganância diante da crise de valores.
O mote da trama é a descoberta de uma relação amorosa de Danila
(Oleg Shibayev), um garoto de 16 anos que sofre bullying dos colegas, mas que falta as aulas no colégio para se
deliciar no êxtase prazeroso da paixão juvenil por Katya (Natalya Rychkova),
uma mulher que tem o dobro de sua idade e leva a vida com invejável garra e
muita luta, pois seu marido vive bêbado e jogado em qualquer lugar da
residência ou na rua, sempre dormindo, raramente está lúcido. Antes da explosão
do romance, o menino passava horas observando a vizinha de uma velha cabana na
floresta, não tinha coragem de tomar a iniciativa e sequer pensava em tentar se
declarar para o seu amor platônico. O realizador habilmente coloca o pai do
adolescente no caminho do filho, depois de fugir de um turbilhão de problemas,
investe forte e pesado na mesma mulher. Mas o longa não tem somente o viés da
disputa acirrada e quase doentia entre os dois, isto é apenas uma das
alternativas para o desenrolar do enredo impiedoso e suas consequências
nefastas.
Num mar de disputas coléricas, atentados contra a serralheria
por possíveis concorrentes para a exploração da madeira numa concorrência
desleal para auferir lucros, como bem retrata o epílogo com imensas toras
empilhadas para serem vendidas, simboliza o descaso e a ausência de um vínculo
mais afetivo na relação do microcosmo familiar, diante da vingança executada. A
presença em cena, que tem na mãe superprotetora, preconceituosa e com uma
atitude machista que reflete a sociedade daquela região. A aldeia em chamas
está expondo suas diferenças, como o estupro da garotinha, a violência física e
moral de Katya, mais a morte da velha senhora e o assassinato do homem
moribundo pelo vício. Também há o incêndio criminoso e sem rosto numa ferrenha
batalha pelo espaço e pelo poder financeiro. Neste contexto de intrigas e
guerrilhas de gangues juvenis com brigas pré-agendadas nas ruas, está o pai e o
filho arrastados para uma série de acontecimentos nos quais os vizinhos se revoltam
em disputas alimentadas entre eles. Eis uma comunidade dividida ao meio que
desembocará em acontecimentos trágicos.
Os fatos se sucedem numa atmosfera criada em torno daquele
lugar com seus mistérios contagiantes pelos intrigantes fatos que ocorrem e
passam a fazer parte do núcleo de habitantes, com o auxílio da fulgurante
fotografia de Yury Sergeev, bem coadjuvada por uma bela trilha sonora de Alexander
Leonov e Olga Gaydamak. Uma alegoria das profundezas do poder e os métodos de
mecanismos pouco convencionais para uma nação contrária à democracia e ao capitalismo.
A mãe e esposa é uma personagem que é pouco convencional na história, não
percebe a traição e preocupa-se com o desenlace do triângulo amoroso em que se
meteu o filho, mas ao mesmo tempo suas atitudes são contraditórias. Não imagina
e sequer vislumbra o que está bem próximo, mas deixa o sentimento maternal falar
mais alto e ofuscar seus pensamentos pouco liberais e de alguma lucidez. Não
entende o amor juvenil do menino, julga e conduz a situação de maneira pouco
inteligente. Ao invés de atenuar, incendeia o ambiente hostil entre os dois,
tal qual os mandantes e executores fizeram com a serralheria da sua família.
O drama explicitado em A
Floresta comove o espectador, perturba pela exuberante narrativa das
idiossincrasias dos personagens envolvidos e suas diferenças que levam para um
desfecho sinistro pela iminência dos fatos que se desenrolam pela culpa
assumida para livrar o verdadeiro culpado. A catarse na cena final inusitada é
a sequência de mais um crime para lavar a alma, vingar outro, e ir ao encontro
da redenção para um reencontro de desassistidos no purgatório da clausura pelas
suas penas a serem cumpridas. Uma narrativa singular para uma realização
maiúscula que aborda de forma clara e inequívoca os preconceitos, o machismo, a
estupidez humana, a traição, o bullying, a
violência juvenil, a disputa pelo poder financeiro e as contradições de uma
aldeia que refletem uma sociedade em ruínas. Uma guerra velada que vai às vias
de fato entre vizinhos conflitados por um capricho do orgulho nefasto quase sem
freios que invadem um suposto universo de paz nas relações humanas civilizadas,
ora atropeladas cruelmente num contexto amargo. A dramaticidade genuína flui com
autenticidade para demolir um ambiente carregado de certa forma numa região
conservadora e de falsa moralidade.
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