Visages, Villages
Vem da França outro interessante filme na 41ª. Mostra de
Cinema de São Paulo, o documentário Visages,
Villages, com direção e roteiro da dupla Agnès Varda e JR. Eles têm coisas
em comum: a admiração apaixonante por imagens e o interesse pelos outros, além
do questionamento sobre os lugares onde são mostradas as fotografias e a
maneira como são compartilhadas e expostas, com entrevistas simples e soltas de
personagens comuns do povo e sem voz, em especial as mulheres pelo perfil
feminista da diretora. JR, de apenas 34 anos, é famoso por criar galerias e
murais fotográficos ao ar livre, uma paixão deste artista visual brilhante.
Quando os dois se conheceram, em 2015, logo deu o estalo, foram trabalhar
juntos e realizar um filme no interior da França, bem longe das grandes cidades. Montaram um roteiro com um plano pré-concebido e até certo ponto
aleatório e discutem o espaço
de fruição da arte. Logo partiram rumo ao encontro de pessoas que são
convidadas para segui-las em sua viagem no caminhão para realizar este
comovente documentário road movie,
que venceu o Olho de Ouro da categoria no Festival de Cannes.
A cineasta belga, naturalizada francesa, de 89 anos, que
parece uma jovem pela energia abundante, é a grande homenageada deste ano na
Mostra de São Paulo, em uma justa
celebração deste ícone do feminismo nas telas, que teve As Praias de Agnès (2008), seu último
filme e o segundo longa autobiográfico, ganhador do prêmio César de melhor documentário,
com uma narrativa sensível e poética num passeio pelas praias que marcaram sua
existência entre prós e contras, alegrias e dissabores, mas sem aquele ranço
viciado de simplesmente contar a vida. Além de lançar um olhar breve de
lembranças do passado, não deixa de mostrar seu presente e a alegria de dizer
“estou viva, e eu me lembro” e na mais bela frase do filme que resumia seu amor
imensurável pela sétima arte, assevera: “o cinema é minha casa”. Prestou um
belo tributo ao seu marido morto de Aids, em outubro de 1990, o inesquecível
Jacques Demy, autor de obras como Lola, A
Flor Proibida (1961), Os
Guarda-Chuvas do Amor (1964) com Catherine Deneuve e Duas Garotas Românticas (1967). Demy foi seu grande e único amor,
mas quando fala dele embarga a voz, bem como ao prestar a homenagem com pétalas
de flores e afirmar que é a pessoa que mais lhe faz falta na convivência
diária, numa cena emocionante.
Varda é uma realizadora extraordinária e sua participação
junto ao marido no antológico movimento Nouvelle
Vague é uma contribuição valiosa e histórica para o cinema, ao lado de monstros
sagrados como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Marguerite Duras, Éric
Rohmer, Jacques Rivette e Alain Resnais. Tem uma filmografia marcante e
recheada de grandes filmes como Cleo das
5 às 7 (1962), As Duas Faces da
Felicidade (1965), Teto Sem Lei
(1985) e Os Catadores e Eu (2000). A
diretora autoral e o muralista colocam na tela um mosaico do presente e o
futuro, onde aparecem intercalados personagens com seus gatinhos de estimação;
cabras com o leite sendo ordenhado manualmente para se evitar o barulho das
máquinas; a voz sendo dada para três mulheres de estivadores colocarem seus
pontos de vistas e ainda posarem em murais nos contêineres no local de trabalho
dos maridos; a visita ao minúsculo cemitério para reverenciar Henri Cartier-Bresson, o pai da fotografia; mas
há ainda o frustrante desencontro com o colega Godard, que grosseiramente a
deixou esperando e não apareceu para um reencontro tão desejado, mas pouco
inteligente de parte dele. Não faltou uma merecida alfinetada no veterano
diretor.
Visages, Villages
é uma verdadeira jornada itinerante pelas estradas em uma busca no paraíso de
histórias contadas pelos outros para enriquecer com simplicidade, sutileza e
sensibilidade o universo rico do cinema e seu fascínio inesgotável. Uma aula de
vitalidade desta octogenária jovial acoplada com o gosto de viver intensamente,
deixa sua zona de conforto em casa para se jogar numa aventura repleta de
reminiscências e otimismo de uma realizadora fabulosa na companhia do talentoso
fotógrafo e muralista, para dar vida a este documentário instigante desta
“baixinha fofa” que mantém a alegria de viver como uma menina serelepe e
altaneira. Atenta ao mundo e suas modificações e inovações, nem parece aquela
garota que viu bombas explodirem da 2ª. Guerra Mundial, ao deixar Ixelles (sua
terra natal), próximo de Bruxelas, e ir para a França buscar agasalho; presenciou crianças judias
serem levadas para os campos de extermínio, além de outras adversidades como a
prematura morte do marido, como registrou no filme anterior.
Uma vida dedicada exclusivamente ao cinema como elementos de
amor e paixão pela vida e pelo que faz, que se fundem como uma simbiose com JR,
neste quase ensaio em forma de apresentação dos resultados dos trabalhos
realizados em torno de uma temática eclética, que desfila como a busca pelo
novo e o interesse genuíno pelo ser humano, embora seja uma artista realizada
com sua produção, mas que não pode parar, pois tem muito ainda para dar. Um
filme delicioso e leve sobre a essência da existência, seus ensinamentos
reflexivos e emoções com tiradas incríveis como: “Vai ver se eu estou lá na
esquina”. Eis uma boa obra que contribui neste registro magnífico sobre a arte
da criação cinematográfica com simplicidade e amor dos eficazes moradores contando
suas histórias e situações típicas, registrando tudo aquilo que achavam
interessante sem ter um personagem central, captando sons e as belas imagens da
região com seus locais pitorescos que fundamentalmente giram em torno dos acasos
e das situações genéricas e peculiares com as idiossincrasias regionais. Um
cinema da pura essência.
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