segunda-feira, 8 de junho de 2015

Bem Perto de Buenos Aires


Muros Inseguros

Vem da Argentina em coprodução com outros quatro países o suspense experimental Bem Perto de Buenos Aires (Historia del Miedo, no original), com direção do jovem estreante Benjamín Naishtat, filme que se fez presente no Festival de Berlim de 2014. A fotografia é primorosa, o enquadramento reflete o domínio de câmera pelo neófito cineasta de apenas 28 anos. Já no prólogo mostra-se um helicóptero da polícia sobrevoando uma área vizinha na periferia de Buenos Aires de um condomínio horizontal luxuoso, dando o aviso de desocupação aos invasores. Logo se percebe a intenção e o foco da trama, em retratar a luta de classes e a estratificação social, através da captação das imagens na sequência das cenas.

Há vários personagens que transitam, entram e saem sem muitas explicações na trama. O protagonista Pola (Jonathan Da Rosa) é um jovem de poucas palavras e de pouca expressão. Ele mora nas proximidades, trabalha no subúrbio, tem na namoradinha Tati (Tatiana Giménez) o elo com os moradores dali. A aparição de um buraco na cerca que protege a propriedade deixa todos os habitantes em pânico. O longa retrata o isolamento daquele lugar, na qual sua população fica aos poucos desconfiada e atônita. Cria-se um painel de medo e tensão, deixando claro que poderão ser atacados, num clima de ansiedade e um terror pelo desconhecido, através de um sentimento de êxtase que beira ao primitivismo.

O diretor admite inspiração no soberbo O Pântano (2001), da compatriota Lucrecia Martel, mas na realidade sua realização deriva mais como um genérico do badalado O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, ao abordar classes sociais diferentes, personagens de lados opostos da cerca da pobreza. Ou seja: de um lado a doméstica e seu sobrinho, de outro a arquiteta empregadora e a namorada do rapaz que trabalha na residência dos amigos da ricaça. A história é um mosaico de situações paralelas que se interligam por alguma circunstância. Naishtat faz uma radiografia de uma cidade dividida pela desigualdade econômica, porém fica no meio do caminho por não aprofundar-se, sobra a pretensão como objetivo, deixando como resultado um registro confuso pelo roteiro inconsistente e sem rumo, embora houvesse muito mais para ser extraído.

Bem Perto de Buenos Aires é uma obra que não chega a afundar, pois deixa bons ensinamentos e propostas válidas como a metáfora do blackout no condomínio durante um jantar de pessoas vazias e distraídas, que sequer sabem o destino dos filhos que brincam jogando bombinhas na rua, numa alusão ao desconhecido invisível que poderia estar rondando suas casas, numa visão caolha de um imaginário criado pela aversão ao vizinho empobrecido, redundando em medo e pânico. O silêncio quebrado pela simulação do jogo da verdade no jantar é mais um elemento de hipocrisia contida e o desprezo com a classe menos favorecida, na qual foi magistralmente captado pelo estreante carioca Fellipe Barbosa, no drama brasileiro Casa Grande (2014) que retrata sem demagogia os contrastes pela visão social da sociedade representada por uma classe média alta que tenta manter valores superados. Já Mendonça Filho mostra fundamentalmente um filme silencioso que capta os barulhos externos, além dos símbolos de uma brutal realidade de belos lugares com moradias bem protegidas.

O diretor argentino usa a câmera para acompanhar as ações cotidianas dos personagens que transitam ou moram num cenário de dúvidas pela perda da tranquilidade de um local costumeiramente pacato, que se deixa abalar pelo instinto e pelo sentido sensorial repassado para a plateia como sugestão de fatos estranhos que poderiam se desenrolar trazidos pela escuridão, mas com o viés da insegurança pela luta de classes. Falta, porém, o clímax no contexto da estrutura de dramaticidade da narrativa que se mostra pouco eficiente e tediosa pela apatia de um conflito fático inexistente. Apesar do experimentalismo artificial, vale como provocação da natureza ameaçadora, além da reflexão de uma dualidade social pela onda de violência e dos contrastes inerentes de uma realidade perversa e presente.

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