terça-feira, 16 de junho de 2015

Sr. Kaplan
















As Reconstruções

Está cada vez melhor o cinema uruguaio em seu típico ritmo minimalista, a continuar assim, logo encostará na melhor escola de América do Sul, a Argentina. Com um início meio tímido, logo engrenou com Coração de Fogo (2002), de Diego Arsuaga; depois conquistou o público com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella- que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a mini obra-prima O Banheiro do Papa (2007), dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu segundo longa Hiroshima (2009); outro grande sucesso foi Gigante (2009), de Adrián Biniez, que levou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e três Kikitos no Festival de Gramado (2009), como de melhor ator, roteiro e o prêmio da crítica. Sem esquecer Tanta Água (2013), uma pequena grande comédia dramática sobre as afetivas relações familiares, escrita e dirigida pelas estreantes Ana Guevara Pose e Leticia Jorge Romero, que causou uma ótima impressão no público e crítica no Festival de Berlim.

Agora vem bater em nossas telas Sr. Kaplan, uma comédia dramática leve e com a suavidade característica do humor judaico autocrítico, num enredo aparentemente simples para um roteiro instigante e delicioso, escrito e dirigido por Álvaro Brechner, que se inspirou no romance El Salmo de Kaplan, de Marco Schwartz. A trama retrata como personagem principal Jacobo Kaplan (Héctor Noguera), aos 76 anos, que sente-se entediado e cansado da rotina. Ansioso em fazer algo para a comunidade e preocupado com os destinos de Israel, quer deixar sua marca para a eternidade, quando por acaso sua neta lhe segreda que conhece um senhor que vive em uma praia distante, que tem o apelido de nazista. É impulsionado pela história da captura na Argentina, anos atrás, de Adolph Eichmann com histórico no holocausto, foi levado para ser julgado no exterior pelos crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.

O cineasta, em tom de finesse cômica, faz com que o senil ancião acredite que há outro alemão foragido escondido nas praias uruguaias, vendendo refrigerante e peixes para a população. Pede ajuda ao amigo ex-policial Wilson Contreras (Néstor Guzzini- o mesmo de Tanta Água), recém-separado da mulher com os filhos, tem sérios problemas financeiros, por ajudar o cunhado a sair de uma encrenca. Passam então a investigar o suposto nazista para capturá-lo, através de um plano mirabolante. Um quer se notabilizar na história, o outro a recompensa em dinheiro para tirar a família da lama. Não só isto, o longa reflete sobre coisas sérias, mas também mergulha no vazio existencial que acomete os idosos, principalmente os preconceitos na sociedade repressora de quem não é jovem. Primoroso nos detalhes das sutilezas do olhar desorientado e o corpo já debilitado pela idade.

Brechner é uma cineasta autoral que filma com poucos recursos financeiros, gosta de contar histórias enternecedoras e engraçadas, como na estreia em Maus Dias para Pescar (2009). Há similaridade com outro realizador independente, o norte-americano Alexander Payne que brilhou com Nebraska (2013), ao contar uma peripécia muito semelhante, em que um velhinho alcoólatra está convicto de que recebeu um bilhete premiado com prazo limitado para resgatar a fortuna, já com as ideias embaralhadas dando sinais de Alzheimer. Um cinema contemporâneo e incisivo com questões relacionadas à velhice, como nos magníficos argentinos Elsa & Fed (2005), de Marcos Carnevale e Dois Irmãos (2009), de Daniel Burman.

Sr. Kaplan é básica e fundamentalmente uma espécie de reconstrução familiar buscada nos pequenos detalhes para uma amostragem da essência cinematográfica. Talvez seja a última aventura do protagonista, pois sua vida ganha tons de uma paranoia obsessiva, mas com tintas de esperança para o companheiro de investigação, seu fiel escudeiro, cuja vida é repleta de desilusões e tristezas. O que eles querem mesmo é um reconhecimento como pessoas dignas, que sejam valorizados como seres humanos não descartáveis, pelo que já fizeram e ainda podem contribuir. A trajetória da dupla inseparável lembrará os velhos duelos de faroeste quase no desfecho desta comovente comédia dramática contida e bem elaborada nos diálogos, com imagens reveladoras pela fotografia, bem coadjuvada por uma trilha sonora não invasiva que dá o tom certeiro na melodia. Há uma atmosfera equilibrada dos contrastes da liberdade e o medo da morte pela jornada de aventuras com uma magia peculiar.

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