quinta-feira, 11 de junho de 2015

Festival Varilux Cinema Francês (Samba)
















Samba

O aguardado filme que não decepcionou no Festival Varilux de Cinema Francês foi a comédia dramática Samba, dirigido por Eric Toledano e Olivier Nakache, reconhecidos internacionalmente pelo festejado Intocáveis (2011), que abocanhou nove prêmios César (o Oscar francês), entre eles o ator Omar Sy, primeiro negro a ganhar o troféu. Foi um estrondoso fenômeno de público com mais de 20 milhões de espectadores na França, sendo a segunda maior bilheteria de todos os tempos em seu país, numa adaptação para o cinema de uma história real de uma inesperada amizade genuína, entre um milionário tetraplégico e um ex-assaltante de uma joalheria, um imigrante senegalês que busca seu reingresso social na conservadora casta social europeia.

Samba tem um toque de humor cáustico na busca pela igualdade dos imigrantes recém-chegados com o povo francês. O protagonista que empresta o nome ao longa é interpretado magistralmente por Sy- em nova parceria com a dupla de diretores-, que migrou há 10 anos também do Senegal, tal como na obra anterior. Mantém-se financeiramente por pequenos biscates, mora de favor com um tio, faz o possível para obter os documentos para arrumar um emprego honesto, mas esbarra na burocracia emperrante com tons kafkianos. O caprichoso destino determina o encontro por acaso com Alice (Charlotte Gainsbourg- de impecável interpretação), uma executiva experiente que recruta novos funcionários, vive estressada e com alta fadiga, toma muitos remédios para uma saúde debilitada e faz um trabalho dignificante numa ONG para imigrantes, buscando ajudá-los de uma forma ou de outra. Tem contato direto no centro de imigração com aquelas pessoas maltrapilhas, sem documentação, à procura de colocações no mercado e de sonhos para uma nova realidade, quase sempre decepcionante, triste e trágica, como no epílogo.

A comédia retrata um momento difícil, tanto para o forasteiro como para o país que o recebe. A crise institucional, religiosa e econômica não poupa ninguém. A falta de identidade das pessoas, como no personagem Wilson (Tahar Rahim- melhor revelação e melhor ator no César pela atuação em O Profeta, de 2009), um argelino que virou brasileiro, com o pretexto de obter sucesso junto às mulheres, além disso, intitula-se um artífice, mas obtém alguns resultados desastrosos. O filme tem uma coloração levemente abrasileirada, tanto pelo rapaz espertinho, como na trilha pelas canções de Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, além do protagonista que tem no nome o orgulho de ser um gênero musical derivado de um tipo de dança com raízes africanas consagradas no Brasil.

Intocáveis aborda um tema universal que é o reingresso na sociedade de um ex-apenado, tendo agravada a situação por ser um negro naturalizado, oriundo de um país africano e ex-colônia francesa. Samba é leve e provocativo concomitantemente. Às vezes, desliza na simplicidade de um olhar com ternura para uma amizade do protagonista com Alice, através de uma relação próxima que estreita os vínculos e busca uma naturalidade para a aproximação, ou uma causa específica arraigada ao futuro de ambos. Há situações de risos desbragados contrastando com um silêncio preocupante de vidas na busca da felicidade efêmera, com situações do cotidiano que as tornam vazias e sem sentido.

O filme é simples na sua estética, deixando as metáforas afastadas do enredo, indo direto ao ponto como o choque migratório numa nova cultura. Não há grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais com a perda objetiva de uma identidade. As piadas são razoáveis, às vezes beira a tênue linha divisória do pastelão para uma sutileza mais apropriada, sem estigmatizar pela rudeza, mas no contexto funciona como um elemento de descontração e bom humor para analisar um triste e doloroso contexto enfrentado pelo mundo globalizado e em crise de referências éticas, marcado por uma recessão extraordinária em todos os continentes.

O longa não tem a profundidade de um filme como O Porto (2011), do finlandês Aki Karismäki, que aborda o sofrimento e a ojeriza de uma casta que vira as costas, fruto da xenofobia racial, com um olhar de misericórdia e esperança; nem de Claire Denis no instigante Minha Terra, África (2009); ou do arrasador O Segredo do Grão (2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke. Samba tem méritos inegáveis ao abordar como mote uma relação de duas pessoas opostas que se conhecem fortuitamente. Embora a inclusão social para um trabalho digno de um imigrante seja o tema principal, não há uma profundidade acentuada, distante de um resultado reflexivo além do razoável na abordagem da superação e do conflito, nesta boa obra cômica, que repele dogmas normativos pela visão crítica da falência das instituições e pela arrogância fleumática de uma sociedade conservadora, ao mostrar o desequilíbrio diante do preconceito racial que faz emergir o ódio e o repúdio aos não nativos que buscam se estabelecerem em solo francês.

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