Samba
O aguardado filme que não decepcionou no Festival Varilux de
Cinema Francês foi a comédia dramática Samba,
dirigido por Eric Toledano e Olivier Nakache, reconhecidos internacionalmente
pelo festejado Intocáveis (2011), que
abocanhou nove prêmios César (o Oscar francês), entre eles o ator Omar Sy,
primeiro negro a ganhar o troféu. Foi um estrondoso fenômeno de público com
mais de 20 milhões de espectadores na França, sendo a segunda maior bilheteria
de todos os tempos em seu país, numa adaptação para o cinema de uma história
real de uma inesperada amizade genuína, entre um milionário tetraplégico e um
ex-assaltante de uma joalheria, um imigrante senegalês que busca seu reingresso
social na conservadora casta social europeia.
Samba tem um toque
de humor cáustico na busca pela igualdade dos imigrantes recém-chegados com o
povo francês. O protagonista que empresta o nome ao longa é interpretado
magistralmente por Sy- em nova parceria com a dupla de diretores-, que migrou há
10 anos também do Senegal, tal como na obra anterior. Mantém-se financeiramente
por pequenos biscates, mora de favor com um tio, faz o possível para obter os
documentos para arrumar um emprego honesto, mas esbarra na burocracia
emperrante com tons kafkianos. O caprichoso destino determina o encontro por
acaso com Alice (Charlotte Gainsbourg- de impecável interpretação), uma
executiva experiente que recruta novos funcionários, vive estressada e com alta
fadiga, toma muitos remédios para uma saúde debilitada e faz um trabalho
dignificante numa ONG para imigrantes, buscando ajudá-los de uma forma ou de
outra. Tem contato direto no centro de imigração com aquelas pessoas
maltrapilhas, sem documentação, à procura de colocações no mercado e de sonhos para
uma nova realidade, quase sempre decepcionante, triste e trágica, como no
epílogo.
A comédia retrata um momento difícil, tanto para o forasteiro
como para o país que o recebe. A crise institucional, religiosa e econômica não
poupa ninguém. A falta de identidade das pessoas, como no personagem Wilson (Tahar
Rahim- melhor revelação e melhor ator no César pela atuação em O Profeta, de 2009), um argelino que
virou brasileiro, com o pretexto de obter sucesso junto às mulheres, além
disso, intitula-se um artífice, mas obtém alguns resultados desastrosos. O
filme tem uma coloração levemente abrasileirada, tanto pelo rapaz espertinho,
como na trilha pelas canções de Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, além do
protagonista que tem no nome o orgulho de ser um gênero musical derivado de um
tipo de dança com raízes africanas consagradas no Brasil.
Intocáveis aborda
um tema universal que é o reingresso na sociedade de um ex-apenado, tendo
agravada a situação por ser um negro naturalizado, oriundo de um país africano
e ex-colônia francesa. Samba é leve e
provocativo concomitantemente. Às vezes, desliza na simplicidade de um olhar
com ternura para uma amizade do protagonista com Alice, através de uma relação
próxima que estreita os vínculos e busca uma naturalidade para a aproximação,
ou uma causa específica arraigada ao futuro de ambos. Há situações de risos
desbragados contrastando com um silêncio preocupante de vidas na busca da
felicidade efêmera, com situações do cotidiano que as tornam vazias e sem
sentido.
O filme é simples na sua estética, deixando as metáforas
afastadas do enredo, indo direto ao ponto como o choque migratório numa nova cultura.
Não há grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais com a perda
objetiva de uma identidade. As piadas são razoáveis, às vezes beira a tênue
linha divisória do pastelão para uma sutileza mais apropriada, sem estigmatizar
pela rudeza, mas no contexto funciona como um elemento de descontração e bom
humor para analisar um triste e doloroso contexto enfrentado pelo mundo globalizado
e em crise de referências éticas, marcado por uma recessão extraordinária em
todos os continentes.
O longa não tem a profundidade de um filme como O Porto (2011), do finlandês Aki
Karismäki, que aborda o sofrimento e a ojeriza de uma casta que vira as costas,
fruto da xenofobia racial, com um olhar de misericórdia e esperança; nem de
Claire Denis no instigante Minha Terra,
África (2009); ou do arrasador O
Segredo do Grão (2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; ou ainda do
contundente Cachê (2003), de Michael
Haneke. Samba tem méritos inegáveis
ao abordar como mote uma relação de duas pessoas opostas que se conhecem fortuitamente.
Embora a inclusão social para um trabalho digno de um imigrante seja o tema
principal, não há uma profundidade acentuada, distante de um resultado
reflexivo além do razoável na abordagem da superação e do conflito, nesta boa obra
cômica, que repele dogmas normativos pela visão crítica da falência das
instituições e pela arrogância fleumática de uma sociedade conservadora, ao mostrar
o desequilíbrio diante do preconceito racial que faz emergir o ódio e o repúdio
aos não nativos que buscam se estabelecerem em solo francês.
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