De Cabeça Erguida
O mais aguardado dos lançamentos neste Festival Varilux de
Cinema Francês era o drama social De
Cabeça Erguida, dirigido por Emmanuelle Bercot, primeiro filme com direção
feminina numa abertura do Festival de Cannes, além de ser intitulada como a
melhor atriz por Mon Roi, foi coautora
do roteiro de Polisse de Maïwenn no papel principal ora premiado. Em seu
longa-metragem de estreia, Clément
(2011), também foi a protagonista e esteve na Seleção Oficial em Un Certain Regard, dirigiu ainda Ela Vai (2013), no bom começo de
parceria com Catherine Deneuve estrelando.
A juventude convalescente e sem rumo em busca do ingresso
social, além do tema da redução da maioridade ou o acompanhamento por mais anos
pelo Estado, eis uma temática recorrente, polêmica e de soluções discutíveis
pelo calor das opiniões antagônicas. Na recente realização canadense Vic+Flo Viram Um Urso (2013), o diretor
Denis Côté trouxe para o debate o difícil processo da busca da ressocialização
de duas ex-prisioneiras que acabaram de sair da cadeia. Já a estreante em
longas, a paulista Caru Alves de Souza, abordou o mesmo tema com o viés da
criança em De Menor (2013), com boa
acolhida nos festivais internacionais, foi premiada com o troféu de melhor filme no
Festival do Rio de Janeiro de 2013, dividindo as láureas com O Lobo
Atrás da Porta (2013), de Fernando Coimbra.
De Cabeça Erguida
é uma produção francesa que mergulha de corpo e alma no tema do menor infrator,
suas consequências e a importância do contexto da família como causa para um
efeito devastador, triste e doloroso, trazendo com amargura uma discussão
antiga e pouco eficiente nos dias atuais, no aspecto prático, no mundo
globalizado e em crise econômica, moral e ética. Bercot centraliza na juíza da Vara
da Infância Florence Blaque (Catherine Deneuve- discreta e sóbria) que conhece numa
audiência o jovem infrator Malony (Rod Paradot- de muito boa atuação) com
várias passagens por delegacias, iniciando sua trajetória de delinquência quando
tinha apenas seis anos. Rouba e dirige sem carteira os carros, agride as vítimas e
os transeuntes, tanto verbal quanto fisicamente. Diante deste histórico, há uma
convincente exploração das explosões de raiva do protagonista em conflito
contumaz com o sistema de reabilitação.
A cineasta é feliz e demonstra conhecimento de causa, embora
não critique com contundência as instituições de seu país, deixando-se levar
mais para uma análise mais velada. Aborda o microcosmo familiar em ebulição,
personificado na figura da mãe negligente (Sara Forestier) que foge do filho,
abstendo-se de maiores cuidados, além da perda do pai pelo adolescente aos
quatro anos. O encaminhamento para um centro recuperatório faz com que tenha no
educador Yann (Benoît Magimel- impecável no papel) um apoio moral, como substituição
tácita da figura paterna ausente, embora haja alguns percalços pelo caminho, como
o estremecimento de vínculos, mas quase sempre pela intromissão materna de forma
infantil e descompromissada. Malony tem surtos e recaídas contrárias às regras
impostas para manter a liberdade, ainda que surjam algumas situações de intransigência
de parte a parte, o desfecho é lançado como um olhar para um futuro esperançoso,
pelo amor com a namorada e o fruto intempestivo e indesejado num primeiro
momento, traz tintas de superação para uma nova realidade.
Um filme com uma sombria história de um infrator problemático
pela instabilidade emocional e de personalidade impulsiva, cercado por garotos
que cometem pequenas infrações, logo se verá numa cadeia de adultos, sentirá o
preconceito racial e a xenofobia escancarados, sem meias palavras. Tudo é um
aprendizado ou uma lição paradoxal do que imaginava como um dilema
intransponível. Surgem dúvidas e inseguranças como marcas registradas de uma
infância ingressando na adolescência, vindo à tona as dificuldades de uma crise
de identidade da criança para a fase adulta recheada de incertezas. É bem
retratado com as nuances para uma reflexão desapaixonada, como visto na recente
realização colombiana La Playa (2012), de Juan Andrés Arango Garcia.
Há um questionamento com boa margem de desapego para quem cometeu
pequenos ilícitos, como demonstrado pela intolerância acentuada da falta de
visão panorâmica do promotor público, um típico mão de ferro e nada afeito a concessões,
que irá encontrar respeito à igualdade do direito de cada um pelo sentimento
justo das causas e intenções na comedida magistrada, uma pessoa mais afável e
conhecedora da causa dos desajustes infantis, embora sem perder o senso do
limite jurídico e protetivo previsto nas leis que regem os menores. A punição
entra em choque com os ensinamentos da corriqueira lição dos métodos
restritivos da liberdade como forma de aprender as regras da vida. Um debate
com visões diferentes é lançado aos espectadores.
Bercot aborda o tema com equilíbrio e equidistância razoável
os transgressores, sem deixar de pinçar a importância fundamental do âmbito
familiar como fator de desagregação nas tristes consequências da deliquência infantil,
com a dose certa da alucinada trilha sonora no ritmo do vigor juvenil. A fotografia
capta com esmero a emoção e as desavenças dos personagens para um roteiro enxuto
que aos poucos vai elucidando os fatos por uma narrativa segura e objetiva, com
poucos rodeios e distante de sofismas e alegorias baratas para atingir no âmago
o espectador atento que observa o enredo de soluções adequadas aos que cometem
desatinos ilícitos. Sem ser definitivo, o bom drama social não propõe conclusões
terminantes, mas deixa o dilema aberto como uma ferida perigosa rumo à infecção
disseminada, ao provocar e instigar.
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