sábado, 13 de junho de 2015

Festival Varilux Cinema Francês (De Cabeça Erguida)


De Cabeça Erguida

O mais aguardado dos lançamentos neste Festival Varilux de Cinema Francês era o drama social De Cabeça Erguida, dirigido por Emmanuelle Bercot, primeiro filme com direção feminina numa abertura do Festival de Cannes, além de ser intitulada como a melhor atriz por Mon Roi, foi coautora do roteiro de Polisse de Maïwenn no papel principal ora premiado. Em seu longa-metragem de estreia, Clément (2011), também foi a protagonista e esteve na Seleção Oficial em Un Certain Regard, dirigiu ainda Ela Vai (2013), no bom começo de parceria com Catherine Deneuve estrelando.

A juventude convalescente e sem rumo em busca do ingresso social, além do tema da redução da maioridade ou o acompanhamento por mais anos pelo Estado, eis uma temática recorrente, polêmica e de soluções discutíveis pelo calor das opiniões antagônicas. Na recente realização canadense Vic+Flo Viram Um Urso (2013), o diretor Denis Côté trouxe para o debate o difícil processo da busca da ressocialização de duas ex-prisioneiras que acabaram de sair da cadeia. Já a estreante em longas, a paulista Caru Alves de Souza, abordou o mesmo tema com o viés da criança em De Menor (2013), com boa acolhida nos festivais internacionais, foi premiada com o troféu de melhor filme no Festival do Rio de Janeiro de 2013, dividindo as láureas com O Lobo Atrás da Porta (2013), de Fernando Coimbra.

De Cabeça Erguida é uma produção francesa que mergulha de corpo e alma no tema do menor infrator, suas consequências e a importância do contexto da família como causa para um efeito devastador, triste e doloroso, trazendo com amargura uma discussão antiga e pouco eficiente nos dias atuais, no aspecto prático, no mundo globalizado e em crise econômica, moral e ética. Bercot centraliza na juíza da Vara da Infância Florence Blaque (Catherine Deneuve- discreta e sóbria) que conhece numa audiência o jovem infrator Malony (Rod Paradot- de muito boa atuação) com várias passagens por delegacias, iniciando sua trajetória de delinquência quando tinha apenas seis anos. Rouba e dirige sem carteira os carros, agride as vítimas e os transeuntes, tanto verbal quanto fisicamente. Diante deste histórico, há uma convincente exploração das explosões de raiva do protagonista em conflito contumaz com o sistema de reabilitação.

A cineasta é feliz e demonstra conhecimento de causa, embora não critique com contundência as instituições de seu país, deixando-se levar mais para uma análise mais velada. Aborda o microcosmo familiar em ebulição, personificado na figura da mãe negligente (Sara Forestier) que foge do filho, abstendo-se de maiores cuidados, além da perda do pai pelo adolescente aos quatro anos. O encaminhamento para um centro recuperatório faz com que tenha no educador Yann (Benoît Magimel- impecável no papel) um apoio moral, como substituição tácita da figura paterna ausente, embora haja alguns percalços pelo caminho, como o estremecimento de vínculos, mas quase sempre pela intromissão materna de forma infantil e descompromissada. Malony tem surtos e recaídas contrárias às regras impostas para manter a liberdade, ainda que surjam algumas situações de intransigência de parte a parte, o desfecho é lançado como um olhar para um futuro esperançoso, pelo amor com a namorada e o fruto intempestivo e indesejado num primeiro momento, traz tintas de superação para uma nova realidade.

Um filme com uma sombria história de um infrator problemático pela instabilidade emocional e de personalidade impulsiva, cercado por garotos que cometem pequenas infrações, logo se verá numa cadeia de adultos, sentirá o preconceito racial e a xenofobia escancarados, sem meias palavras. Tudo é um aprendizado ou uma lição paradoxal do que imaginava como um dilema intransponível. Surgem dúvidas e inseguranças como marcas registradas de uma infância ingressando na adolescência, vindo à tona as dificuldades de uma crise de identidade da criança para a fase adulta recheada de incertezas. É bem retratado com as nuances para uma reflexão desapaixonada, como visto na recente realização colombiana La Playa (2012), de Juan Andrés Arango Garcia.

Há um questionamento com boa margem de desapego para quem cometeu pequenos ilícitos, como demonstrado pela intolerância acentuada da falta de visão panorâmica do promotor público, um típico mão de ferro e nada afeito a concessões, que irá encontrar respeito à igualdade do direito de cada um pelo sentimento justo das causas e intenções na comedida magistrada, uma pessoa mais afável e conhecedora da causa dos desajustes infantis, embora sem perder o senso do limite jurídico e protetivo previsto nas leis que regem os menores. A punição entra em choque com os ensinamentos da corriqueira lição dos métodos restritivos da liberdade como forma de aprender as regras da vida. Um debate com visões diferentes é lançado aos espectadores.

Bercot aborda o tema com equilíbrio e equidistância razoável os transgressores, sem deixar de pinçar a importância fundamental do âmbito familiar como fator de desagregação nas tristes consequências da deliquência infantil, com a dose certa da alucinada trilha sonora no ritmo do vigor juvenil. A fotografia capta com esmero a emoção e as desavenças dos personagens para um roteiro enxuto que aos poucos vai elucidando os fatos por uma narrativa segura e objetiva, com poucos rodeios e distante de sofismas e alegorias baratas para atingir no âmago o espectador atento que observa o enredo de soluções adequadas aos que cometem desatinos ilícitos. Sem ser definitivo, o bom drama social não propõe conclusões terminantes, mas deixa o dilema aberto como uma ferida perigosa rumo à infecção disseminada, ao provocar e instigar.

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