Diário de Uma
Camareira
Outro aguardado lançamento neste Festival Varilux de Cinema
Francês era o drama Diário de Uma
Camareira, dirigido por Benoit Jacquot, reconhecido pela crítica internacional
por Uma Garota Solitária (1995),
depois se solidificou com O Sétimo Céu
(1997) e Tosca (2001), mas seu último
filme com repercussão foi Adeus, Minha Rainha
(2013), com sua nova musa Léa Seydoux, antes dirigira Isabelle Adjani, Isabelle
Huppert e Catherine Deneuve. Agora em seu último longa, o filme revisita o
universo do romance escrito em 1900, por Octave Mirbeau. A primeira transposição
para a tela ocorreu em 1946, por Jean Renoir, sendo batizado no Brasil com o
nome de Segredos de Alcova.
Coube, porém, a Luís Buñuel realizar a melhor adaptação, em
1964, fotografada em preto e branco, com o título original Diário de Uma Camareira abordou a forma como a protagonista manipulava
os homens que a deseja. Por vezes os provoca e quando estes fazem investidas,
os recusa. Assim, esta mulher sádica tem a forma bem buñuelesca, que brinca com
o fetiche e satiriza a sociedade francesa e seus delírios. Jeanne Moreau encarna
com perfeição a camareira para criticar a burguesia, ao trabalhar para a
família Monteil, que tem certas peculiaridades: a patroa é frígida, o marido
sempre caçando animais ou mulheres, o pai tem um fetiche por sapatos femininos
e há um trabalhador que se sente atraído pela moça, que contorna a situação e
faz amizade com um ex-oficial. Quando o pai de Madame Monteil falece, a
empregada deixa o emprego, pois pensava em voltar para Paris, mas logo altera
seus planos ao saber que uma meiga garotinha da região foi morta e estuprada. Acredita
que o criminoso seja o jardineiro, que ironicamente diz que quer se casar com
ela, logo vira seu noivo, mas há indícios que o incriminam.
Jacquot não foge muito da temática nesta adaptação que segue
uma linha já conhecida pelos cineastas que o antecederam com brilhantismo, em
especial Buñuel, um crítico social ácido pela singularidade que criou dentro de
um contexto exótico. Há uma sensação do déjà
vu desde o início do
drama, pelo cenário e a referência ao século XIX. Aborda novamente Célestine
(Léa Seydoux- de boa interpretação), uma jovem camareira que é muito desejada
pelos homens sedentos de prazer, tendo em vista ter uma radiante beleza, com um
glamour de uma parisiense recém-chegada, desperta um clima de moça festeira e
avançada para sua época. Há um rebuliço entre o público masculino e com um
frisson, contrastando com as dúvidas, apreensão e temor pelas mulheres
enciumadas pelas suas fragilidades e falta de encantos. Ou pela repressão
familiar, ou por uma maldade oriunda de uma crise latente de autoestima.
O drama avança lentamente, com a câmera acompanhando a
chegada da protagonista da Cidade Luz. Vem trabalhar para a família Lanlaire,
mas logo sofrerá um assédio do patrão com suas botas imundas, que a faz
retirá-las, já insinuando dias de tormento. Ao fugir dos avanços implacáveis do
senhor todo poderoso, esbarra na perseguição da mulher dele, a megera Madame
Lanlaire (Clotilde Mollet), uma patroa com uma ferrenha personalidade e de difícil
relacionamento, beirando um estado emocional doentio, que governa a casa com um
rigor excessivo e humilhante. Mas parece que nem tudo está perdido, pois logo
faz amizade com Joseph (Vincent Lindon), um misterioso jardineiro que se
apaixona por ela, promete casamento, mas tem uma condição, terá que se submeter
numa cidade portuária aos prazeres dos famintos marinheiros por sexo. Ou seja,
ele propõe uma parceria de prostituição explícita, desde que fujam dali para
bem longe.
O veterano diretor francês coloca alguns acontecimentos em
meio da trama, como um estupro seguido de morte, um assalto simulado na
residência do casal Lanlaire, deixando claro o antissemitismo exacerbado do
rude trabalhador e seu plano de fuga bem planejado. Não há um questionamento ou
reflexão sobre aversão cultural, étnica e social aos judeus, sequer há uma crítica
social pontual ou qualquer sátira à aristocracia francesa, na qual foi
exemplarmente registrado pelo mestre espanhol na versão de 1964, que também foi
fundo na visão dos empregados e seus problemas particulares. Jacquot ficou bem
distante de uma análise mais aprofundada, ao traçar um painel raso, pouco
eficiente e inconsistente. A fotografia tem destaque relevante no cenário pouco
inspirado, para um roteiro de situações recorrentes de clichês repetitivos.
Deixou de lado uma boa abordagem sobre o tema, caso avançasse para uma
adaptação mais criativa e crítica.
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