quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street


Lucros sem Limites

Adaptado do livro de memórias de Jordan Belfort, o filme O Lobo de Wall Street aborda a autobiografia homônima do canastrão e sedutor jovem aspirante a corretor da bolsa de Nova Iorque, que faturou bilhões de dólares em golpes financeiros. O protagonista (Leonardo DiCaprio) manipula com seus discursos eletrizantes e que levou muitos investidores à bancarrota, embora filho de pessoas pobres no Bronx, chegou ao auge da fama por ensinamentos e gabolices decorrentes de uma oratória convincente, atraindo vendedores iniciantes, incutindo-lhes o sonho de ser rico. Construiu um império pelas especulações com falcatruas fantásticas embasadas por trapaças e articulações nos anos 1980 e 1990, num cenário de iates e lindas mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nas festas e encontros que se tornavam um transe beirando à Sodoma e Gomorra.

DiCaprio, que venceu o Globo de Ouro e é um candidato forte ao Oscar deste ano na categoria de melhor ator, está impecável e cada vez melhor e mais maduro, com desempenho em alto estilo, deve ser creditados os méritos também para o diretor Martin Scorsese nesta quinta parceria. Anteriormente estiveram juntos em Gangues de Nova Iorque (2002), O Aviador (2004), Os Infiltrados (2006) e Ilha do Medo (2010). Outro destaque do elenco é o engraçado personagem Donnie Azoff, segundo na hierarquia, com ótimo desempenho de Jonah Hill; bem como a esposa do “Lobo” na surpreendente e inspirada atuação da linda atriz australiana Margot Robbie.

Os crimes do colarinho banco são enfocados de forma cômica e extravagante numa história com componentes de drogas campeando por todos os lados, especialmente a cocaína; sexo com perversão extrapolando todos os limites de regras normativas; e muita pilantragem para sonegar impostos nos Estados Unidos. A narrativa é frenética e se confunde muitas vezes com uma animação infantil, com um humor nada sutil e distante de um refinamento de um Woody Allen, no magnífico Blue Jasmine (2013); ou em Depois de Horas (1985), do próprio cineasta. Não há tempo para o público bocejar, pensar e tirar suas conclusões, ou refletir sobre os problemas sociais. Scorsese está elétrico demais e passa do ponto harmônico, deixando que tudo se torne exagerado, como uma gritaria atordoante na bolsa e festas estourando os tímpanos dos espectadores, em quase todo o desenrolar do longa de três horas. Torna-se massificante a trama, que bem poderia ser reduzida para no máximo cem minutos, num erro crasso e imperdoável de edição.

A ambição como mola propulsora da queda fulminante do protagonista Belfort e a iminente decadência são retratadas de forma satírica e com glamour, embora ele lute com garra para manter a fleuma e não se vergar. A canalhice e seus excessos verborrágicos para atingir os novos e futuros investidores são demonstrados despudoradamente, sem se deixar levar pelo moralismo conservador, o que é um ponto positivo. Tudo dentro de um anticlímax de evasivas num ambiente irreal, coberto por sentimentos de desdouros. Mas Scorsese derrapa novamente no uso proposital e desmedido de palavrões, inclusive a revista Variety classificou o longa como campeão de palavras chulas.

Scorsese faz a crítica ao materialismo do homem ganancioso e sem limites pelo descontrole abissal nesta irregular comédia dramática. Mas não há o vigor e nem a contundência do genial Costa-Gavras em O Capital (2012), com calibrado poder de fogo, afiado sobre um executivo que passou por várias instituições financeiras fortes e dominadoras da Europa, com os relatos instigantes sobre os movimentos bancários e os jogos de poder e fama beirando a inverossimilhança, mas que são reais e cruéis. Doa a quem doer as armações políticas abjetas e nefastas de seu protagonista sem escrúpulo num mergulho no mundo voraz de um capitalismo selvagem e desenfreado. Ou no ataque ao capitalismo de David Cronenberg em Cosmópolis (2012), através do passeio pelas ruas pelo esquisito personagem acima dos mortais, trancafiado dentro de sua limusine blindada, uma espécie de bunker.

A estrutura de O Lobo de Wall Street é muito semelhante, para não dizer igual, ao filme Cassino (1995), como se o cineasta realizasse uma remasterização do tema numa refilmagem com cenários diferentes. Mesmo que tente, pouco inova seus personagens no universo da safadeza dentro da ilegalidade, deixando seus heróis ou anti-heróis soltos e por vezes tornam-se conhecidos, dando mostras da sensação de estar diante do déjà vu. Ou ainda, bem nos padrões de Hollywood. Embora tenha no amoralismo seu ponto forte, está longe de uma obra completa e eloquente, mesmo que se considere como provocador, escrachado, insano e ganancioso o protagonista, há evidente falta de consistência na construção e uma tênue desenvoltura do enredo, tendo em vista que o diretor não domina a comicidade, seu forte é o drama. Deixou que os excessos esvaíssem a trama de um golpista abjeto num painel de imagens alucinantes, causando um vácuo vazio e sem um ritmo de equilíbrio.

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