Lucros sem Limites
Adaptado do livro de memórias de Jordan Belfort, o filme O Lobo de Wall Street aborda a autobiografia
homônima do canastrão e sedutor jovem aspirante a corretor da bolsa de Nova
Iorque, que faturou bilhões de dólares em golpes financeiros. O protagonista
(Leonardo DiCaprio) manipula com seus discursos eletrizantes e que levou muitos
investidores à bancarrota, embora filho de pessoas pobres no Bronx, chegou ao
auge da fama por ensinamentos e gabolices decorrentes de uma oratória
convincente, atraindo vendedores iniciantes, incutindo-lhes o sonho de ser
rico. Construiu um império pelas especulações com falcatruas fantásticas embasadas
por trapaças e articulações nos anos 1980 e 1990, num cenário de iates e lindas
mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nas festas e encontros que se
tornavam um transe beirando à Sodoma e Gomorra.
DiCaprio, que venceu o Globo de Ouro e é um candidato forte
ao Oscar deste ano na categoria de melhor ator, está impecável e cada vez
melhor e mais maduro, com desempenho em alto estilo, deve ser creditados os
méritos também para o diretor Martin Scorsese nesta quinta parceria. Anteriormente estiveram
juntos em Gangues de Nova Iorque
(2002), O Aviador (2004), Os Infiltrados (2006) e Ilha do Medo (2010). Outro destaque do
elenco é o engraçado personagem Donnie Azoff, segundo na hierarquia, com ótimo
desempenho de Jonah Hill; bem como a esposa do “Lobo” na surpreendente e
inspirada atuação da linda atriz australiana Margot Robbie.
Os crimes do colarinho banco são enfocados de forma cômica e
extravagante numa história com componentes de drogas campeando por todos os
lados, especialmente a cocaína; sexo com perversão extrapolando todos os
limites de regras normativas; e muita pilantragem para sonegar impostos nos
Estados Unidos. A narrativa é frenética e se confunde muitas vezes com uma
animação infantil, com um humor nada sutil e distante de um refinamento de um
Woody Allen, no magnífico Blue Jasmine
(2013); ou em Depois de Horas (1985),
do próprio cineasta. Não há tempo para o público bocejar, pensar e tirar suas
conclusões, ou refletir sobre os problemas sociais. Scorsese está elétrico
demais e passa do ponto harmônico, deixando que tudo se torne exagerado, como uma
gritaria atordoante na bolsa e festas estourando os tímpanos dos espectadores,
em quase todo o desenrolar do longa de três horas. Torna-se massificante a
trama, que bem poderia ser reduzida para no máximo cem minutos, num erro crasso
e imperdoável de edição.
A ambição como mola propulsora da queda fulminante do
protagonista Belfort e a iminente decadência são retratadas de forma satírica e
com glamour, embora ele lute com garra para manter a fleuma e não se vergar. A
canalhice e seus excessos verborrágicos para atingir os novos e futuros investidores
são demonstrados despudoradamente, sem se deixar levar pelo moralismo
conservador, o que é um ponto positivo. Tudo dentro de um anticlímax de
evasivas num ambiente irreal, coberto por sentimentos de desdouros. Mas
Scorsese derrapa novamente no uso proposital e desmedido de palavrões,
inclusive a revista Variety classificou o longa como campeão de palavras
chulas.
Scorsese faz a crítica ao materialismo do homem ganancioso e
sem limites pelo descontrole abissal nesta irregular comédia dramática. Mas não
há o vigor e nem a contundência do genial Costa-Gavras em O Capital (2012), com calibrado poder de fogo, afiado sobre um
executivo que passou por várias instituições financeiras fortes e dominadoras da
Europa, com os relatos instigantes sobre os movimentos bancários e os jogos de
poder e fama beirando a inverossimilhança, mas que são reais e cruéis. Doa a
quem doer as armações políticas abjetas e nefastas de seu protagonista sem
escrúpulo num mergulho no mundo voraz de um capitalismo selvagem e desenfreado.
Ou no ataque ao capitalismo de David Cronenberg em Cosmópolis (2012), através do passeio pelas ruas pelo esquisito
personagem acima dos mortais, trancafiado dentro de sua limusine blindada, uma
espécie de bunker.
A estrutura de O Lobo
de Wall Street é muito semelhante, para não dizer igual, ao filme Cassino (1995), como se o cineasta
realizasse uma remasterização do tema numa refilmagem com cenários diferentes.
Mesmo que tente, pouco inova seus personagens no universo da safadeza dentro da
ilegalidade, deixando seus heróis ou anti-heróis soltos e por vezes tornam-se
conhecidos, dando mostras da sensação de estar diante do déjà vu. Ou ainda, bem nos padrões de Hollywood. Embora tenha no
amoralismo seu ponto forte, está longe de uma obra completa e eloquente, mesmo
que se considere como provocador, escrachado, insano e ganancioso o
protagonista, há evidente falta de consistência na construção e uma tênue
desenvoltura do enredo, tendo em vista que o diretor não domina a comicidade,
seu forte é o drama. Deixou que os excessos esvaíssem a trama de um golpista abjeto
num painel de imagens alucinantes, causando um vácuo vazio e sem um ritmo de
equilíbrio.
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