Roma Eterna
Eleito como melhor filme europeu do ano passado, vencedor do
Globo de Ouro de filme estrangeiro e um dos fortes candidatos a levar a
estatueta na mesma categoria no Oscar deste ano, embora tenha como inimigo o
fabuloso A Caça (2012), de Thomas
Vinterberg, eis A Grande Beleza, do diretor
Paulo Sorrentino, que se insere como uma grata surpresa e está levando muita
gente ao cinema. O cineasta obteve
reconhecimento internacional com Le conseguenze dell'amore (2004), ao vencer diversos prêmios e
concorrer ao Palma de Ouro, porém é mais conhecido por Il Divo (2008), uma apreciável
cinebiografia do ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti (1919- 2013).
Desde a apresentação em Cannes no ano passado, já havia
manifestações favoráveis ao magnífico drama de tributo à beleza estonteante e
os encantos de amor para Roma. A cidade eterna já fora protagonista em Roma de Fellini (1972) e A Doce Vida (1960), ambos de Federico
Fellini; assim como o fora em Para Roma,
com Amor (2012), de Woody Allen. O cenário é o terraço luxuoso com vista
para o Coliseu, onde a elite está reunida para falar de superficialidades: um
empresário que vende brinquedos para a China, a rica escritora engajada, um
colecionador de artes e uma editora anã. Falam deles mesmos e as conquistas
pessoais, os projetos e a situação do país, bem como a ironia aos visitantes,
onde um deles diz: "as melhores pessoas de Roma são os turistas".
Entre eles está Jep Gambardella (Toni Servillo), um escritor que acabara de
fazer 65 anos e desfruta da fama adquirida por um único livro concluído O Aparato Humano.
Servillo não é e nem se aproxima de um Marcello Mastroianni,
considerado o maior ator da Itália e um dos melhores de todos os tempos no
cenário mundial, onde sua interpretação no papel de um jornalista glamouroso e
sempre metido nas rodas de fofocas, esteve soberbo nas mãos de Fellini em A Doce Vida, filme que serviu de inspiração
para a construção de Jep, e por consequência o formato com a riqueza
psicológica de A Grande Beleza, assumido
por Sorrentino. Porém, mesmo sem o charme, a elegância e a empatia do galã do
passado, Servillo, com discrição e sem excessos, esteve convincente na estruturação
de seu personagem resgatado no universo felliniano. Há um passeio cultural pelos
museus, estátuas, o rio com a fascinante ponte nesta viagem de Sorrentino, com
o glamour ao melhor estilo do mestre inspirador.
Jep faz uma incursão constante no seu livro escrito há
décadas, buscando as razões para entender os outros e a si próprio. Reflete sobre
o presente e as entrevistas com estrelas, personalidades e o glamour dos
artistas sobre os quais escreve para uma revista de mexericos e banalidades,
dando grandes cenas, tais como: do mestre curandeiro injetando botox em pessoas
numa grande fila, cobrando de acordo com o perfil do cliente, torna-se
emblemática de uma sociedade esquizofrênica e com poucos valores; outra cena
reveladora é a do dono de uma casa noturna, grande amigo do escritor, que lhe
oferece a própria filha para que ela tenha o futuro garantido; mas talvez nada
supere as dicas do manual do funeral, onde é vedado chorar para não atrapalhar
os parentes do morto; também os milagres da decrépita freira santificada em
seus 104 anos, com o aparato da igreja no entorno, é como uma estocada direta
no catolicismo e seus dogmas contestados.
A abordagem do escritor está bem retratada no seu sorriso
cínico com a profundidade inerente de um homem fútil, quer vive numa alta
sociedade de aparências, hipocrisias, exibicionismo e sofisticações, o que não
impede de refletir sobre sua trajetória dentro de um vazio existencial de nuances
positivas e negativas. Mas a grande virada na sua vida se dá quando descobre
ter um grande amor na juventude, onde uma mulher viveu com o marido por mais de
40 anos, porém o viúvo relata desolado que encontrou num diário a descoberta
deste segredo. Reacende-se uma grande paixão por um fantasma, diante das
lembranças do presente remetendo para o passado, em que não foi percebido. A
agonia agora é pela descoberta da razão do rompimento. Onde errou? Por que ela
terminou? Uma espécie de redenção para uma autopunição diante de uma situação de
amor inocente que ficou para trás irremediavelmente. Seria uma boa razão para
mudar e sepultar em definitivo o superficialismo das ostentações em que sempre
esteve muito presente por opção, como na célebre frase: “além está além, e eu
não me ocupo do além”, diz o bon-vivant na trilha da eternidade pela
espiritualidade aflorada.
A Grande Beleza é
uma gratidão à Itália, com a Roma eterna, sagrada e profana mostrada, sob os
auspícios da espetacular trilha sonora erudita, com temas baseados em músicas
religiosas, passando pela contemporânea e desembocando num som eletrônico,
tendo as assinaturas de Arvo Pärt, Vladimir Mastynov, Zbigniew Preisner, John
Tavener e Henryk Górecki. Um retrato fiel do reencontro de um homem fútil com o
sentido prazeroso de viver, diante de suas divagações reflexivas após as
tentativas frustradas de concluir novos livros, pela decorrência das
dificuldades do escritor, mas que a sensibilidade o leva a absorver os
infortúnios e buscar a retomada do brilho e os encantos que a vida ainda
oferece, numa narrativa com tom de sátira sobre o painel das várias castas e as
situações surreais, porém comovente e arrebatador no aspecto psicológico
construído com primazia sobre o ser humano expurgando as angústias.
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