quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Álbum de Família
















Destroços Familiares

O diretor John Wells de A Grande Virada (2010) surpreende com esta instigante comédia dramática com sabor amargo Álbum de Família, no bom roteiro adaptado da peça August: Osage Country, pelo próprio dramaturgo norte-americano Tracy Letts, que venceu os prêmios Pulitzer e Tony. Conta a história das três irmãs da família Weston, que após um período significativo sem se verem, diante do inusitado desaparecimento do pai delas (Sam Shepard), são obrigadas a se reencontrarem na casa em que viveram suas infâncias, com o intuito de definir o futuro da mãe, Violet (Meryl Streep), viciada em medicamentos fortes e com câncer de boca.

Do reencontro das irmãs Barbara (Julia Roberts), Ivy (Julianne Nicholson) e Karen (Juliette Lewis), surgem diversos conflitos, virando uma grande lavanderia de roupas sujas. As filhas do clã têm uma tarefa dificílima, em como dominar a matriarca, uma mulher de língua ferina, carismática, de comportamento hostil para com todos os mais próximos, tendo no sarcasmo e na ironia seu ponto forte e fulminante. Chega ser irascível algumas vezes, em outros momentos está sempre atilada e pronta para disparar sua metralhadora giratória direcionada para quem tentar bater de frente ou discordar das ordens decretadas. Meryl brilha no papel de Violet e é forte candidata ao prêmio de melhor atriz no Oscar deste ano, embora tenha como concorrente no mesmo nível Cate Blanchett de Blue Jasmine (2013), de Woody Allen; também concorre no Globo de Ouro.

A comédia mostra diversos atritos, entre eles Barbara que além de lidar com a mãe, ainda terá que conviver com os problemas pessoais, como a complicada relação com o ex-marido (Ewan McGregor) e com a filha adolescente (Abigail Breslin). Ela é a única que não tem medo de enfrentar a matriarca em condições iguais e vai para o confronto direto, com uma atuação impecável da desglamourizada Julia, sem pintura e maquiagem, está perfeita no papel da filha que afronta sem concessões, o que lhe rendeu a indicação ao prêmio de atriz coadjuvante no Globo de Ouro e no Sindicato de Atores dos EUA.

Durante a trajetória do longa há revelações bombásticas e traições afloram, sem escapar do olhar de Violet, que tudo sabe e faz de conta que não vê. O motivo que vem à tona do abandono do lar pelo pai é pela absoluta falta de compatibilidade e afinidade com a esposa, bem como um segredo do passado coloca em xeque Ivy e o relacionamento com seu primo, um amor proibido por força das circunstâncias guardadas como intransponível para a celebração desejada. Naquele acerto de contas, em decorrência da pequena convivência na casa em que conviveram quando crianças, também não escapa a tentativa de sedução de um tio com uma sobrinha, o que leva a piorar a situação incômoda dos inúmeros desajustes sem omitir a culpa e a responsabilidade. Não falta o uso de drogas entre alguns membros da família, embora a discussão não se aprofunde, ficam resquícios escancarados de ressentimentos e feridas abertas sem cicatrizações.

Álbum de Família tem alguma similitude com a comédia francesa Aconteceu em Saint-Tropez (2013), dirigida por Danièle Thompson, que lançara um olhar amargo e ao mesmo tempo doce sobre o universo familiar, sem deixar de alfinetar com clareza e sem subterfúgios as hipocrisias decorrentes das relações deterioradas pelo tempo, a partir dos eventos casamento e morte criou um estopim que estava faltando e uma plêiade de acontecimentos caóticos que minam os laços afetivos. Já Wells aborda as frustrações e o cinismo enrustido de segredos devastadores colocados sob o tapete.

O microcosmo da família é fartamente desfiado nesta excelente comédia sobre as aparências, idiossincrasias, mentiras e traições, com uma boa e equilibrada dose de reflexão num resultado acima da média e distante de enredos nauseantes sobre o tema que pululam nos cinemas. Há um marco para o destino que cada um tomará de forma definitiva e o isolamento total da protagonista é fruto da falta de pudor mesclado com a ausência de humanismo, restando como herança os destroços na cena final como resultado da intransigência e da desarmonia pelos vínculos rompidos.

Nenhum comentário: