quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Estrada

















Terra Arrasada

O diretor australiano John Hillcoat tem alguns méritos e outros desacertos fundamentais neste longa-metragem A Estrada, adaptado do romance de Cormac McCarthy, vencedor do prêmio Pulitzer de 2007, autor do livro que inspirou o magistral Onde os Fracos Não Tem Vez (2007), dos irmãos Coen, ganhador na categoria do Oscar de melhor filme. Tem no roteiro enxuto tudo para dar certo, como a épica busca de uma ajuda de sobrevivência de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee), num mundo devastado por um cataclismo, como se fosse uma previsão bíblica de um apocalipse.

A viagem sem horizontes pela América de pai e filho é comovedora pelos seus aspectos humanos e a busca incansável da sobrevivência, após o inconsequente e inexplicável abandono da esposa e mãe (Charlize Theron), deixando apenas lembranças coloridas de uma relação aparentemente saudável, logo após a devastação completa do planeta terra, deixando sem energia, água e alimentos os dois sobreviventes e abandonados terráqueos. O canibalismo é visto como um outro inimigo poderoso, diante da iminência da fome desesperadora e a miséria que se instalam como subprodutos do pós-civilização, naquele trajeto de uma estrada em ruínas serpenteado pela desolação num cenário de dor e morte.

Hillcoat se deixa trair ao enfatizar nos diálogos de pai e filho, sobre a existência do bem e do mal, deixando o velho e adorado maniqueísmo americano se alastrar zombeteiramente, voltando ao passado com a flechada do índio como símbolo do mal, como nos velhos filmes de faroeste protagonizados pelo mocinho John Wayne caçando os peles-vermelhas, com a veneração do homem branco. A simbologia da tez clara como sempre sendo o protótipo do bem chega a ser irritante e joga o roteiro praticamente fora, quando o amadurecimento e a superação deveriam ser exaltados como universais, sem distinção ou tendências discriminatórias, tais quais acontece sutilmente no início e deveriam tomar corpo na abordagem principal, mas é alijado o enfoque da igualdade no transcorrer da película.

Estes filmes de desastres, invasões e devastações da terra são uma constante na filmografia americana, assim foi em Gozdzilla (1998); também explorado recentemente pelo 2012- O Fim do Mundo (2009); com analogia bem próxima de A Estrada, houve para sustentação do império do Tio Sam o horroroso O Dia Depois de Amanhã (2004); mas restava ainda o intragável Independece Day (1996), sendo que o diretor predileto para estas aberrações sempre escalado se notabilizou o medíocre Roland Emmerich, realizando vários desses filmecos comerciais sem nenhuma contribuição cultural ou reflexiva mais profunda.

A Estrada poderia possibilitar uma reflexão maior sobre os obstáculos da vida para a dupla de sobreviventes, como as adversidades da temperatura e do clima, a fome e seus implicamentos com a sobrevivência, investigar melhor a gangue composta por canibais que caçam pessoas, mas passa longe de uma análise aprofundada, distanciando-se numa clara evidência de total falta de visão global de uma situação adversa e inusitada do ser humano. Ficar colocando a cada plano o bem e o mal, desvia o foco da questão e leva o filme para um arremedo, embora seus propósitos iniciais vislumbrem alguns méritos, deixando como elipses no roteiro o clímax da explosão devastadora.

Sobra um cenário cinza de desolação como fator positivo neste contraste de ideias, que busca uma redenção no nevoeiro final, surgindo fantasmas da escuridão ao encontro do garoto, numa recomposição simbólica de novos tempos e um futuro promissor, após a devassa e as perdas que ficaram pelo caminho, existindo ainda animais pela orla marítima, num vislumbre tão chocante quanto ameaçador. Serão pessoas boas ou más? Esta é a indagação incansável do diretor, embora fosse dispensável no epílogo das transformações ambientais e na busca de valores simbólicos de um novo amanhã apontando para o fim da crise. Nada é sólido, tudo parece movediço nesta estampa em que o mar vem para purificar as almas e os indivíduos maus, por que não? Eis que tudo indicava um bom filme, mas resta um melancólico e arrastado final típico americano sempre atento aos forasteiros do mal.

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