segunda-feira, 3 de maio de 2010
Coração Louco
Decadência Humana
O grande injustiçado da categoria de melhor filme do Oscar de 2010 foi, sem nenhuma dúvida, Coração Louco, na ótima direção de Scott Cooper. Só faltava Jeff Bridges não ter ganho como melhor ator, bem aí seria incompetência demais. Sua atuação é magistral e a estatueta veio em boa hora, pois atingiu o ponto alto de sua longa carreira, agora aos 61 anos.
O longa trata da trajetória clássica de derrotas do cantor country Bad Blake (Jeff Bridges), com uma vida desregrada pelo alcoolismo, bebendo uísque como se fosse água; mulherengo inveterado, mas sempre sozinho pelo mundo; faz shows em tabernas e lugares de reputação duvidosa, deixando seus amores perdidos pelo caminho. Sua decadência é iminente, descendo ladeira abaixo, tendo como patrimônio uma surrada guitarra e um velha camioneta caindo aos pedaços, lembra o drama clássico americano Farrapo Humano (1945), com a qualificada direção de extrema competência e sensibilidade pelo mestre Billy Wilder; Ray Milland protagonizou aquele triste espetáculo dantesco de uma pessoa desmoronando.
Viajar é a sua válvula de escape e se apresentar em botecos imundos e fedorentos, tendo como fãs mulheres com traços tão desleixados como reflexo da imagem que soçobra daquele velho ídolo romântico que encantava pelas belas canções country de outrora. Tem a dolorosa rejeição do filho que conhece já adulto, pois vira pela última vez como um promissor bebê, um golpe que custa para entender ou assimilar num processo de reciclagem, como num todo que vai se acumulando como células cancerígenas que se espalham pelo corpo, lembra o recente documentário brasileiro, dirigido por Patrícia Pilar, com boa dose de carinho e classe em Waldick- Sempre no Meu Coração (2007), em situação semelhante de afastamento de filho e pai. Seus melhores amigos são dois apenas: o empresário (James Keane) que se relaciona ou contata apenas por telefone, mais preocupado em ganhar dinheiro; já o outro é o dono de um boteco decadente (Robert Duvall) que se encontra esporadicamente para alguma apresentação rotineira, ou algum conselho que pouco ouve ou sequer registra.
Até que surge em sua vida uma bela e jovem jornalista (Maggie Gyllenhaal) que está fazendo um trabalho para uma revista, que vê nesta figura corroída pelo tempo e em estado quase de decomposição humana, que já fora seu ídolo, o mote para alavancar sua carreira pouco convincente. O estado de penúria é comovedor e chocante, pois ao dizer à jornalista como num brado de revolta "você é tão bonita que me faz ter vergonha deste quarto sujo", revela toda sua derrota e a perda da dignidade humana naquele ambiente de beira de estrada parecido com uma pocilga, mas que surge como uma redenção e a tomada de consciência para um futuro que está se esvaindo pelos seus vícios frenéticos e continuados de quem está preso e dependente ao álcool, assim como foi bem retratado em O Ébrio (1946), drama brasileiro do cinema novo, dirigido por Gilda de Abreu, tendo Vicente Celestino no papel principal do homem derrotado.
Parece que o mundo está desmoronando, mas há a aparição do emergente cantor e seu discípulo Tommy Sweet (Colin Farrell) que o convida para se apresentar não como o astro principal, mas como suporte de shows, servindo de escada para aquele que foi um rei e hoje é apenas um mero coadjuvante. Blake tem no rosto a marca pelos sulcos de toda sua história de músicas e letras prodigiosas, com um conteúdo bem mais durável que aquele jovem cantor bonito que atrai as jovens fãs de pouca ou nenhuma consistência intelectual. Mas Sweet tem na simpatia contagiante sua arma poderosa, porém sem os horizontes infinitos de conhecimentos que o velho ídolo arrebatou pelas infindáveis noites de aparições ao grande público.Parece ser um casamento perfeito, mas o que se vê na realidade é uma relação num terreno de areia movediça.
A relação da jornalista com Sweet também começa a se esboroar, diante das dificuldades do velho cantor em recompor sua vida e o esquecimento do filho menor num bar evidencia a perda da confiança mútua, restando o fenecimento de um relacionamento que dá sinais de fragilidade. Parece que tudo conspira para uma solução previsível em Coração Louco, mas o roteiro dá voltas e o encontro sem mágoas e ressentimentos livra o longa de evidências que poderiam ser consideradas inclinantes para um moralismo conservador. A luta e a persistência do personagem para se soltar das amarras que está envolto são aceitáveis e clarividentes de alguém que está no fundo do poço e busca uma inspiração para se libertar.
Eis uma obra injustiçada na premiação da Academia Americana de Cinema dos EUA, mas isto não é novidade, pois os grandes filmes sempre se notabilizaram justamente por esta depreciação dos seus acadêmicos para com títulos reflexivos e com temas importantes e universais.
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