quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sempre Bela



Buñuel por Oliveira

O inesquecível A Bela da Tarde (1967) é revisitado no tributo de Manoel de Oliveira a Luís Buñuel, no seu estilo formal e clássico de fazer cinema, não faltando a habitual elegância no longa Sempre Bela. O filme traz Bulle Ogier no papel de Séverine Serizy- substituindo a deslumbrante e encantadora Catherine Deneuve- que mesmo demonstrando capacidade, jamais poderá fazer esquecer a musa de Buñuel, provavelmente no maior papel de sua vida como a "Bela". Destaque também para Michel Piccoli, que faz Henri Husson, o velho amigo do marido traído com instinto sádico ao provocar a adúltera, retoma seu papel original com galhardia. Coube a Ricardo Trêpa- o Macário de Singularidades de uma Rapariga Loura- interpretar o barman que tudo ouve e já ostenta uma bagagem respeitável, apesar de sua pouca idade.

Sempre Bela é inspirado no livro de Joseph Kessel, retomando os personagens do clássico A Bela da Tarde, de Buñuel, está o resgate de quarenta anos após o furor causado na época pela película inovadora e controvertida, dirigida pelo mestre espanhol. Há um reencontro tenso da burguesa Séverine, a "Bela", que traía o esposo como prova de amor com o seu melhor amigo. Embora casual, já na troca de olhares no teatro, após terem ouvido um belo concerto de música clássica, já percebe-se toda a eloquência do centenário Oliveira ao conduzir os personagens para o jantar no hotel onde está hospedado Henri, motivo para o qual o grande segredo será ou não revelado.

Séverine é atraída para aquele lugar, diante da dúvida da revelação de sua prostituição, pois aquele homem que ainda guarda uma certa magia do passado, embora a viúva possa demonstrar uma certa culpa, as cenas vão revelando os mistérios que envolveram aqueles dois personagens e o marido morto. O jogo de cena na refeição simétrica demonstra toda a capacidade do velho Oliveira em dirigir seus atores e a competência explícita a cada movimento, como a dos garçons servindo e se retirando posteriormente; o apagar das luzes, contrastando com as velas queimando e se derretendo lentamente; a câmera estática apanhando os personagens que cruzam por ela, como da porta do hotel e depois na loja, são evidências de um diretor de cena estática e de atores em movimento.

Embora seja um filme menor, percebe-se o dinamismo de um cinema eloquente, com o poder de síntese do velho mestre num roteiro enxuto, através de cenários meticulosos, presenteando com júbilo ao seu público fiel. A jovialidade é uma constante neste diretor com mais de 100 anos, mas sempre lúcido e coerente com o que faz e apresenta, até mesmo nesta homenagem ao outro mestre Buñuel, neste Sempre Bela, nos remete ao passado e a vontade de sair da sala e procurar em outra sessão A Bela da Tarde para matar a saudade que fica claramente explícita, como uma retórica imprescindível de uma arte vilipendida, por vezes.

Este filme de 2006, reflete a beleza digna das cenas revisitadas numa Paris atual, que serviu de cenário para o longa de Buñuel com Catherine Deneuve deixando saudades. Porém, Sempre Bela serve para confundir o espectador e a pergunta continuará sendo não uma realidade, mas apenas de elemento ficcional e caracterizada ao extremo pelo humanismo e sensibilidade neste filme menor, mas atualíssimo e revigorado nas mãos do maior cineasta português de todos os tempos, que parece ter esquecido de envelhecer, deixando como legado esta experiência coerente com sua dedicação e amor pela sétima arte.

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