terça-feira, 18 de maio de 2010

Mademoiselle Chambon



Conflito Existencial

Surpreendentemente o filme Mademoiselle Chambon revela-se um belo exercício da existência humana no cotidiano, abordando os conflitos familiares e as perspectivas futuras na vida de um metódico pedreiro. Bem dirigido por Stéphane Brigé, com atuações corretíssimas de Véronique (Sandrine Kiberlain) e Jean (Vincent Lindan), que já havia se notabilizado como um ator magnífico no longa francês Bem-Vindo, com direção de Philippe Lioret.

As conturbadas relações familiares começam já nas primeiras cenas, quando Jean lava os pés do pai numa cadeira, próximo de completar seus 80 anos, explode de raiva em seguida com sua mulher que quer mudar o combinado da festa e agride fisicamente um colega de trabalho. Mas seu destempero tem uma inequívoca causa: a paixão pela professora de seu filho com a consequente revelação da esposa de nova gravidez. Seus sonhos parecem ser sepultados definitivamente. A música que a professora Véronique toca está registrada em seu cérebro com a busca por uma nova vida, mas o fim da rotina cansativa se esvai e a derradeira tentativa na estação ferroviária é como um brado de derrota com o pessimismo se colocando novamente como elemento de dor e revolta, simbolizados pela mala colocada de forma abrupta no canto da casa e o silêncio inevitável do reencontro com o passado da mesmice.

As lágrimas de Jean e Véronique no carro já revelam um final sem grandes perspectivas, bem elaboradas na cena do questionamento das crianças e a resposta seca do pedreiro quanto a base a e a solidez para se construir um alicerce, elemento que se caracteriza como metáfora de uma família sem sustentação e o estremecimento diante da derrota do amor que se perpetua num cotidiano de duas pessoas que estão juntas, mas há a fragilidade de um casamento que se deteriorou pela falta de inovação.

A festa de aniversário do octagenário é uma farsa que irá se concretizar, mas haverá revelações definitivas de uma reação corroída pelo tempo, mas embalada pela bela música do violino tocada por aquela pessoa capaz de demonstrar toda sua grandeza ao desprezar o convite para dirigir a escola, diante da constatação de que podia ser a causadora da discórdia maior. Sem ter nenhuma conotação com o moralismo, o filme dá uma guinada para uma solução até previsível, mas de certa forma sem saída para os personagens conflitantes. Suas irmãs não estão mais na província, sua mãe faleceu e o peso da cobrança só aumentou junto com a falta de perspectiva.

Mademoiselle Chambon é um belo exercício existencial de uma professora dos arredores de Paris com aquele pedreiro provinciano, meio tosco, pacato, simplório, bom pai de família, porém sensível e descobridor de um mundo diferente do seu ninho pequeno e de poucas luzes; o drama interior arrebata sua generosidade e seu equilíbrio, fazendo-o repensar seu modo de viver e aparecendo seus traços de rebeldia. Os longos momentos de silêncio dos personagens demonstram toda luta interior e os questionamentos arraigados numa relação de comprometimentos com a falta de ousadia.

Enfim, se não é um notável filme, é certamente uma bela reflexão sobre o cotidiano de uma rotina que embrutece e alavanca para uma inevitável e sombria dor que atinge a alma e se espalha pelo corpo, metamorfoseando até mesmo o indivíduo simbolizador da simploriedade, no caso o pedreiro amargurado e absorvido pela fantasia de uma visão além de seu alcance, mas que deixou marcas indeléveis que romperam suas atitudes de bom moço.

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