terça-feira, 4 de maio de 2010
As Melhores Coisas do Mundo
Reflexões da Adolescência
Laís Bodanzky é um diretora atenta às circunstâncias e às reflexões de todas as idades e os preconceitos da civilização. Assim foi com o ótimo Chega de Saudade (2008) que procurava retirar o peso da terceira idade, mas com muita sensibilidade e doçura demonstrava todos os seus problemas inerentes à velhice e o tempo que se esvai lentamente, deixando recordações mescladas com mágoas e lembranças saborosas da vida. Em Bicho de Sete Cabeças (2000), debruça-se sobre o sistema que devora a presa, corroendo todas as suas fragilidades e virtudes encobertas por nuvens negras refletidas das drogas, numa metáfora magnífica realizada no conflito de pai com o filho drogadizado.
Sua capacidade diretiva é colocada em xeque neste notável longa-metragem As Melhores Coisas do Mundo, realizado com um elenco de grande qualidade, destacando-se o ator juvenil estreante Francisco Miguez, no papel do adolescente de 15 anos Mano, irmão de Pedro (Fiuk-filho do Fábio Jr.), escoltado pela mãe Camila (Denise Fraga), o pai Horácio (Zé Carlos Machado), o professor Artur ( Caio Blat), o amigo e conselheiro Marcelo (Paulo Vilhena), que faz um papel similar de pai e a garota mais charmosa da escola Carol (Gabriela Rocha).
O longa trata sobre os prazeres e desprazeres da adolescência, tendo como mote o jovem Mano que vê seu pai se separar de sua mãe e assumir ser gay, motivo este que lhe trará enormes confusões no ambiente escolar, sofrerá o temível bullying dos colegas que têm atitudes agressivas pela violência explícita e hostis como o afastamento por um quase isolamento da turma, surgindo claramente o preconceito sexual como tema a ser explorado com bastante eficiência pela diretora, que mergulha na abordagem do universo juvenil das grandes paixões, os relacionamentos com as namoradinhas, os traumas da garotada e a difícil passagem para o mundo adulto repleto de preconceitos e complicações inerentes da transição. A aluna blogueira invasiva da privacidade é outro caso à parte, com suas matérias sensacionalistas, revela uma crítica poderosa aos jornais e revistas de fofocas, mostrando a relação das pessoas cada vez mais sem espaço e espremidas pela universalidade de informações descabidas com insinuações vazias contra o ser humano.
O roteiro tem múltiplas questões, que poderia ser perigoso, pois é fácil não se aprofundar em nenhum. Mas parece não ser o caso de As Melhores Coisas do Mundo, o fato do pai assumir a homossexualidade serve de gancho para os problemas encontrados no seio do colégio e com desdobramentos nas amizades. Umas mais sinceras; outras apenas artificiais; outras se inclinando para um amor mais profundo como de Mano e Carol, que de suas fraquezas interiores acabam por se descobrirem como almas gêmeas. O professor de violão tem um carinho especial por Mano, beirando à paternidade que parece fugir, com a ausência do pai em busca de seu rumoroso romance fora dos padrões comportamentais de uma sociedade doente. Suas palavras e seus ensinamentos são animadores e a relação se estreita.
O irmão de Mano, Pedro, com suas crises existenciais e a dificuldade em manter seu namoro e sua tendência suicida, lembra em muito o personagem do filme francês Em Paris (2006), de Christophe Honoré, naquele longa os irmãos moravam com o pai, pois a mãe os abandonara para viver uma vida livre, após a morte trágica da filha. Nas duas películas há uma visceral tendência pelo suicídio após o desfazimento dos namoros; em ambos o irmão mais novo é quem segura a barra quase que sozinho. Assim como em A Bela Junnie (2008), a garota de 16 anos apresenta problemas de relacionamento na escola, logo após a morte da mãe, com o suicídio aflorando novamente como solução dos problemas. Temos no bullying sofrido por Mano, outra temática forte, desta vez bem apresentada e questionada com profundidade no longa francês Entre os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, que entre outros temas, apreciou com primazia a tentativa de expulsão do professor da escola da periferia francesa, diante de seu comportamento austero e incisivo em sala de aula. Mas no longa de Laís, o professor Artur também sofre restrições do conselho de pais e mestres e sua proclamada expulsão se deve ao envolvimento involuntário com a aluna Carol.
É enorme a influência do diretor francês Christophe Honoré nesta película sobre relação e o núcleo familiar com os jovens na escola e seus problemas fluentes da tenra idade. Onde a perda da virgindade, a tentativa de se aproximar da mais bela e gostosa aluna são fatores que apenas servem de combustão para questionar situações mais abrangentes de profundidade como o preconceito e a violência explícita cada vez mais presente entre jovens pré-adolescentes nas suas tribos diante das arraigadas idiossincrasias. O vazio existencial dá lugar para as brincadeiras e os conflitos na busca da presidência do grêmio estudantil, chegando a debates com oratórias repletas de malícias, tendo por objetivo principal ser um vencedor no contexto geral, pois assim haverá todos os olhares para estes jovens que buscam insistentemente uma autoafirmação e uma identidade ainda debilitada.
A dramaticidade dos personagens está bem condensada neste roteiro múltiplo e eficiente, onde Laís busca inspiração em Honoré e Cantet, dois diretores notáveis da nova safra francesa, com temas sempre voltados para o núcleo familiar, buscando suprir as lacunas deixadas pelo pai, ou mãe, bem como os conflitos que se estendem quase sempre para o convívio entre os pares das escolas. A cineasta tem muita sensibilidade para abordar a temática das pessoas. Assim já o fizera em seus filmes anteriores: tanto no relacionamento de pai e filho com as drogas; como falar da terceira idade, sem criar clichês constrangedores, nem glamourizar numa retórica falsa de melhor idade, afastando-se desta mentira com sabedoria. Nesta abordagem sem estereótipos da juventude, com seus anseios à flor da pele, demonstra uma diretora madura neste singular longa-metragem que fará e levará seus principais alvos a refletirem sobre seus futuros logo ali como iminentes adultos.
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