O Racismo
O aguardado filme que não decepcionou no Festival Varilux de
Cinema Francês foi este drama biográfico Chocolate,
dirigido por Roschdy Zem, um realizador que já tem três filmes em sua
filmografia: Mauvaise Foi (2006), Omar M’a Tuer (2010) e Bodybuilder (2013), todos inéditos no
circuito comercial no Brasil. O cineasta foi ao encontro de uma história
baseada em fatos reais, ou seja, a ascensão do circo para o teatro do palhaço
Chocolat, primeiro artista circense negro com sucesso na França. Do anonimato à
glória, a incrível trajetória e a surpreendente queda desta famosa estrela que alcançou
um estrondoso sucesso popular na festejada Paris da Belle Époque.
A trama centra a narrativa na dupla inédita formada por
Chocolat -interpretado por Omar Sy, que migrou há mais de 10 anos do Senegal, o
primeiro afro a ganhar o troféu César (o Oscar francês) de melhor ator por Intocáveis (2011), de Eric Toledano e
Olivier Nakache, que viriam formar dobradinha novamente em Samba (2014)- que leva chutes no traseiro de Footit (estrelado
pelo neto de Chaplin, James Thiérrée) e patrocinam uma impagável dupla que
diverte a conservadora aristocracia francesa, diante das circunstâncias
favoráveis para o prazer da imbecilidade. Enquanto o negro apanha do branco sem
se rebelar, é considerado burro e quase que irracional, razão pela qual leva ao
delírio uma plateia dissociada da dignidade. Mas a ascensão vertiginosa do
artista o leva ao ápice da carreira pela fama, com dinheiro entrando fácil, muita
jogatina no cassino, mulheres em profusão a escolher, bebedeiras homéricas, até
surgir as discriminações diante da insistência do personagem central tentar
ingressar no teatro para encarnar Otelo,
de William Shakespeare, acarretando um
desgaste na amizade dos parceiros inseparáveis para fulminar a carreira
de ambos como um míssil.
Zem conta a triste história com detalhes didáticos, através
de uma narrativa linear a vida do jovem negro Rafael Padilha, nascido em Cuba no ano de 1868, e vendido quando ainda era adolescente. Irresignado com a situação do
escravagismo que imperava em meados dos anos de 1900, conseguiu com um esforço
incomum, anos depois, fugir para trabalhar nas docas portuárias ladeada de
muros e o cais. É descoberto por acaso por Footit para tornar-se um palhaço que
irá contracenar com seu criador artístico numa pequena cidade interiorana no
Norte da França. Como Padilha não soava à altura do esperado, ganhou o batismo artístico
de Chocolat, que empresta o nome ao título do filme, virou uma celebridade no
final do século XIX, terá problemas de documentação e será considerado ilegal
no país até ser preso. Mas o caprichoso destino determina o encontro fortuito
com a enfermeira viúva Marie (Clotilde Hesme) que cuida de crianças em um
hospital infantil, será uma companheira de todas as horas, sofrendo humilhações
por se relacionar com um homem de cor diferente, independente de ele estar no
auge ou na miséria com tuberculose, morando em situação deplorável, resistirá
como uma autêntica mulher de fibra. Um destino cruel é o castigo por não ser
branco, embora sempre à procura de subsistência no mercado dos sonhos, terá uma
nova realidade, quase sempre decepcionante, triste e trágica, como no epílogo
da melancólica alegoria do céu estrelado que irá aos poucos se apagando.
Chocolate retrata um
momento difícil para a raça negra na época da aristocracia francesa, que nutria
repugnância de quem não fosse branco. Toledano e Nakache abordaram em Intocáveis um tema universal que é o
reingresso na sociedade de um ex-apenado, tendo agravada a situação por ser um
negro naturalizado, oriundo de um país africano e ex-colônia francesa; já em Samba o tom é mais leve e provocativo
concomitantemente, sendo a inclusão social para um trabalho digno de um imigrante
o foco da trama. O filme de Zem é simples na estética, deixando as metáforas
afastadas do enredo, indo direto ao cerne do conflito pelo choque racial na
Cidade Luz da Belle Époque. Não há
grandes rodeios ou simbologias pelas desgraças sociais com a perda objetiva da
identidade de um imigrante refugiado que é visto como um parasita. As piadas
são razoáveis, às vezes beira a tênue linha divisória do pastelão para uma
sutileza mais apropriada, sem estigmatizar pela rudeza, mas no contexto
funciona como um elemento de descontração e bom humor para analisar um triste e
doloroso contexto enfrentado pelos oriundos da raça afro.
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