segunda-feira, 13 de junho de 2016

Festival Varilux Cinema Francês (Meu Rei)


Segundas Oportunidades

Uma das grandes promessas do Festival Varilux era o aguardado Meu Rei, da jovem e promissora cineasta francesa Maïwenn, na abordagem de um drama familiar sobre segundas oportunidades com bons argumentos de pessoas magoadas, em especial uma mulher atingida pelo destino da vida que lhe aplicou golpes baixos nas andanças do dia a dia. Mas a superação e a amizade estão presentes na ajuda mútua para continuar vivendo com dignidade e superar os traumas no isolamento que se encontra para ingressar novamente na sociedade competitiva, tanto profissional como nas relações amorosas decorrentes do meio social. A realizadora é conhecida no Brasil por O Baile das Atrizes (2007) e o cultuado Polissia (2011).

A trama é contada em flashbacks, a partir do momento do grave acidente de esqui em que Tony (Emmanuelle Bercot- ótima no papel que lhe deu a premiação de melhor atriz em Cannes, dividindo a láurea com Rooney Mara) quase perdeu a vida e acaba internada numa clínica de reabilitação, com intermináveis sessões de fisioterapia pra adquirir massa muscular e voltar a caminhar normalmente como qualquer mortal. Está numa posição desconfortável de dependência médica, se relaciona bem com os outros pacientes negros e muçulmanos, sem que haja um aprofundamento do tema do preconceito e da xenofobia, porém há uma contribuição útil. Diante do atual quadro, aproveita o vazio do tempo para refletir sobre seu turbulento relacionamento com as histórias do passado que envolvem o pai do seu filho, Georgio (Vincent Cassel- numa atuação impecável), principal foco de uma relação apaixonada e ao mesmo tempo doentia na essência. O casal viveu com intensidade um amor sufocante que lhe custou caro, inclusive ferindo com chamas explosivas e devastadores sua dignidade de mulher. Uma questão é colocada em xeque: o que fazer para se libertar desse imbróglio sentimental dolorido com sobras de marcantes fissuras? As feridas teimam em não cicatrizar à medida que a protagonista recupera-se fisicamente, mas há uma luta interna difícil para arranjar forças e pôr fim nos sentimentos emocionais abalados de muitos anos de um vínculo destrutivo e sem perspectiva de se restabelecer pelas fraturas deixadas pelo caminho.

Meu Rei é um drama familiar típico de uma grande história de amor e desamor neurotizado concomitantemente, advindo de uma entrega amorosa que começa aos solavancos num encontro fortuito numa danceteria, e a tendência é ir afundando cada vez mais. A diretora arma a trama com delicadeza e um olhar feminino com momentos de bom humor e graça para alimentar uma trajetória espinhosa. Parte do namoro, passa pelo casamento, separação e o filho que nasce pela súplica do marido apaixonado e bom pai, um Don Juan em alguns momentos críticos, carinhoso, estranho e envolvido fundamentalmente com seu círculo de amizade da juventude. Como um adolescente eterno que não amadureceu e, para atritar ainda mais, tem uma ex-namorada de quem não desgruda, sob alegação pífia de se suicidar, embora não demonstre sinais para tal desatino. Logo surgirão as hipóteses do vício de drogas no seio familiar como suposto pretexto para evadir-se e desaparecer momentaneamente. A protagonista é uma advogada criminalista que parece perder a noção e a sensatez, deixando de lado o aspecto da lucidez pela pura emoção tomando conta e destruindo seu equilíbrio para provocar-lhe danos materiais e psicológicos, que conta com a solidariedade do irmão (Louis Garrel). Os poucos momentos de felicidade são suplantados pela infelicidade num ciclo desgastante do casal desatinado.

O filme foge em parte dos clichês habituais que pululam nossas salas de cinema, embora simples na estética, deixa as metáforas afastadas do enredo e vai direto ao ponto. Não há vítimas, nem réus, embora a tendência da vilania recaia sutilmente sobre Georgio, num enredo sem grandes surpresas, diante da imparcial narrativa construída por personagens de carne e osso não robotizados e bem elaborados no aspecto psicológico, para deixar ao espectador fazer sua avaliação neste drama de muita loucura, confusão, idas e vindas, num atritado romance doentio de um matrimônio em vias de rompimento iminente. A diretora aborda não apenas a violência física do marido possessivo, mas em especial o aspecto emocional, diante da teimosia da esposa e mãe em manter a relação para não prejudicar o futuro do filho, numa alegação um tanto estapafúrdia para os dias de hoje. O desfecho dará mostras da árdua luta, bem como a condução em final aberto, que amplia para uma solução pessimista neste bom drama desta temática recorrente, mas sempre com novos recheios dos ingredientes para uma reflexão sobre as relações estremecidas dos casais e suas idiossincrasias que surgem durante o itinerário dos anos.

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