Segundas Oportunidades
Uma das grandes promessas do Festival Varilux era o
aguardado Meu Rei, da jovem e
promissora cineasta francesa Maïwenn, na abordagem de um drama familiar sobre
segundas oportunidades com bons argumentos de pessoas magoadas, em especial uma
mulher atingida pelo destino da vida que lhe aplicou golpes baixos nas andanças
do dia a dia. Mas a superação e a amizade estão presentes na ajuda mútua para
continuar vivendo com dignidade e superar os traumas no isolamento que se
encontra para ingressar novamente na sociedade competitiva, tanto profissional
como nas relações amorosas decorrentes do meio social. A realizadora é conhecida
no Brasil por O Baile das Atrizes
(2007) e o cultuado Polissia (2011).
A trama é contada em flashbacks, a partir do momento do
grave acidente de esqui em que Tony (Emmanuelle Bercot- ótima no papel que lhe
deu a premiação de melhor atriz em Cannes, dividindo a láurea com Rooney Mara) quase
perdeu a vida e acaba internada numa clínica de reabilitação, com intermináveis
sessões de fisioterapia pra adquirir massa muscular e voltar a caminhar
normalmente como qualquer mortal. Está numa posição desconfortável de
dependência médica, se relaciona bem com os outros pacientes negros e
muçulmanos, sem que haja um aprofundamento do tema do preconceito e da
xenofobia, porém há uma contribuição útil. Diante do atual quadro, aproveita o
vazio do tempo para refletir sobre seu turbulento relacionamento com as
histórias do passado que envolvem o pai do seu filho, Georgio (Vincent Cassel-
numa atuação impecável), principal foco de uma relação apaixonada e ao mesmo
tempo doentia na essência. O casal viveu com intensidade um amor sufocante que
lhe custou caro, inclusive ferindo com chamas explosivas e devastadores sua
dignidade de mulher. Uma questão é colocada em xeque: o que fazer para se
libertar desse imbróglio sentimental dolorido com sobras de marcantes fissuras?
As feridas teimam em não cicatrizar à medida que a protagonista recupera-se
fisicamente, mas há uma luta interna difícil para arranjar forças e pôr fim nos
sentimentos emocionais abalados de muitos anos de um vínculo destrutivo e sem
perspectiva de se restabelecer pelas fraturas deixadas pelo caminho.
Meu Rei é um drama
familiar típico de uma grande história de amor e desamor neurotizado
concomitantemente, advindo de uma entrega amorosa que começa aos solavancos num
encontro fortuito numa danceteria, e a tendência é ir afundando cada vez mais.
A diretora arma a trama com delicadeza e um olhar feminino com momentos de bom
humor e graça para alimentar uma trajetória espinhosa. Parte do namoro, passa
pelo casamento, separação e o filho que nasce pela súplica do marido apaixonado
e bom pai, um Don Juan em alguns momentos críticos, carinhoso, estranho e
envolvido fundamentalmente com seu círculo de amizade da juventude. Como um
adolescente eterno que não amadureceu e, para atritar ainda mais, tem uma
ex-namorada de quem não desgruda, sob alegação pífia de se suicidar, embora não
demonstre sinais para tal desatino. Logo surgirão as hipóteses do vício de
drogas no seio familiar como suposto pretexto para evadir-se e desaparecer
momentaneamente. A protagonista é uma advogada criminalista que parece perder a
noção e a sensatez, deixando de lado o aspecto da lucidez pela pura emoção
tomando conta e destruindo seu equilíbrio para provocar-lhe danos materiais e psicológicos,
que conta com a solidariedade do irmão (Louis Garrel). Os poucos momentos de
felicidade são suplantados pela infelicidade num ciclo desgastante do casal
desatinado.
O filme foge em parte dos clichês habituais que pululam
nossas salas de cinema, embora simples na estética, deixa as metáforas
afastadas do enredo e vai direto ao ponto. Não há vítimas, nem réus, embora a
tendência da vilania recaia sutilmente sobre Georgio, num enredo sem grandes
surpresas, diante da imparcial narrativa construída por personagens de carne e
osso não robotizados e bem elaborados no aspecto psicológico, para deixar ao
espectador fazer sua avaliação neste drama de muita loucura, confusão, idas e
vindas, num atritado romance doentio de um matrimônio em vias de rompimento
iminente. A diretora aborda não apenas a violência física do marido possessivo,
mas em especial o aspecto emocional, diante da teimosia da esposa e mãe em manter
a relação para não prejudicar o futuro do filho, numa alegação um tanto
estapafúrdia para os dias de hoje. O desfecho dará mostras da árdua luta, bem
como a condução em final aberto, que amplia para uma solução pessimista neste
bom drama desta temática recorrente, mas sempre com novos recheios dos ingredientes
para uma reflexão sobre as relações estremecidas dos casais e suas
idiossincrasias que surgem durante o itinerário dos anos.
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