O Nefasto Alzheimer
Outro dos aguardados lançamentos neste Festival Varilux de
Cinema Francês era a comédia dramática Flórida, batizada no Brasil como A Viagem de Meu Pai, dirigida com sobriedade e sensibilidade pelo competente Philippe Le Guay, que
tem outros dois filmes de boas passagens pelos nossos cinemas: As Mulheres do Sexto Andar (2011) e o festejado
Pedalando com Molière (2013). Seu
último longa é uma viagem ao imaginário de um idoso que começa a perder a
lucidez e mergulhar no mundo da fantasia, distanciando-se do cotidiano para
oscilar entre a triste realidade e o sonho de um mundo de outrora e de
reminiscências de um passado bem longínquo, mas que irá causar desconforto e perplexidade
entre os mais próximos, como seus parentes atordoados com uma situação delicada
num ambiente no qual se questiona pela dúvida lançada sem o ingrediente da
zombaria.
A história é aparentemente simples, mas a complexidade do
enredo está mais para uma reflexão dolorida do que para as diabruras do
velhinho Claude Lherminier (Jean Rochefort- boa atuação) que aos 80 anos ainda
conserva sua imponência de um lorde, apesar dos constantes ataques de confusão
e esquecimento mental, mas que se recusa terminantemente a admitir. Já não é
mais o famoso industrial respeitado pela credibilidade, foi obrigado a se
aposentar por força da saúde dando mostras de um estágio debilitado. Como uma
bomba que cai no colo, a filha Carole (Sandrine Kiberlain- impecável na
interpretação com doação) travará uma batalha diária inglória e desgastante
para cuidar do pai e evitar maiores dissabores com acidentes domésticos, pois
ele não consegue viver sem a ajuda de enfermeiras, mas mesmo assim insiste em
morar sozinho em sua bela mansão com suas obsessões e manias adquiridas, botando
a correr todas suas zelosas cuidadoras, exceto a romena (Anamaria Marinca) que
dará o pulo do gato.
Le Guay constrói um universo perverso advindo do tempo que
passa, mas não deixa cair no melodrama fácil, deixando o bom humor e a
sensibilidade das situações cômicas ingressarem como um doce amargor decorrente
de uma acidez involuntária de uma vida que se esvai lentamente. Assim é o
avanço da idade e os cuidados especiais que requerem, com a sugestão implícita
do acometimento do nefasto Mal de Alzheimer através dos ocorrentes lapsos incuráveis
de memória que se agravam ao longo do tempo, mas pode e deve ser tratado. O
desenrolar do drama vivenciado pelo idoso através de sua visão, dará um ângulo
correto pela distorção da enfermidade, criando fantasias como a viagem aos EUA
para encontrar a filha caçula que morreu há mais de 10 anos; ou quando se
arruma de maneira impecável para passar em revista sua antiga fábrica,
sentando-se na mesa em que fora por muitos anos o dirigente máximo ali.
Como um novelo que se desenrola, o diretor vai lançando as
situações diárias típicas de conflitos com as empregadas, o choque de frente com
a filha e o atual namorado agredido várias vezes, tanto no psicológico como pelas
vias de fato. O filme tem o viés da reflexão sobre a terceira idade e as
peraltices causadas pela vítima da doença que aflora sem piedade e não como um
elemento agressivo de quem tem as faculdades mentais sadias. Como referências
de subsídios foram realizados dois outros notáveis filmes similares: Nebraska (2013), do independente diretor
norte-americano Alexander Payne que brilhou ao contar uma peripécia semelhante,
em que um idoso alcoólatra está convicto de que recebeu um bilhete premiado com
prazo limitado para resgatar a fortuna, já com as ideias embaralhadas dando
sinais de demência; o outro filme, bem mais próximo de Flórida, vem do Uruguai pelas mãos de Álvaro Brechner, o
perturbador Sr. Kaplan (2012), com a
leveza e a suavidade característica do autocrítico humor judaico, retrata com
finesse cômica um senil ancião que acredita que há um alemão foragido nas
praias uruguaias, vendendo refrigerante e peixes para a população. Mas há também
outros cineastas preocupados com questões relacionadas à velhice, como nos
magníficos longas argentinos Elsa &
Fed (2005), de Marcos Carnevale, e Dois
Irmãos (2009), de Daniel Burman.
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