terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Mia Madre


A Dolorida Perda

O festejado Nanni Moretti flutua entre os dramas familiares e filmes políticos e sociais como O Crocodilo (2006), quando sobrou para o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão pelas críticas do diretor; questionou a escolha do papa em Habemus Papam (2011) com boa dose de humor e ironia fina, ao abordar a eleição do Sumo Pontífice realizada entre os cardeais, sendo escolhido o vacilante Melville, como já o fizera em A Missa Acabou (1985), ao satirizar a igreja através de um complicado padre na periferia de Roma. Mas sua obra maior talvez seja o premiado com a Palma de Ouro em Cannes, O Quarto do Filho (2001), sobre o drama de um psicanalista que reside e trabalha na cidade de Ancona, tem dois filhos, até que uma tragédia o transtorna completamente, ao deixar de acompanhar o filho à praia e nesse passeio o rapaz morre afogado.

Ganhador do Prêmio do Júri deste ano em Cannes, Mia Madre é o retorno às origens de abordagens profundas pela reflexão sobre a morte e a forte sensação da perda pelas lembranças do passado, bem como o que poderia ter feito e não fez para quem partiu, quase um remorso instintivo dos que ficaram, numa análise sincera e despojada das picuinhas que remanesceram da existência e sua complexidade, como no drama O Quarto do Filho. Moretti gosta de usar situações que vivenciou para incrementar suas realizações de cunho pessoal, assim fora em Caro Diário (1993) e Aprile (1998), agora retoma com o drama pelo qual passou durante as filmagens de Habemus Papan, quando faleceu sua mãe, também professora de latim, tal qual a personagem em questão deste seu último longa.

O cineasta andava mais focado nos filmes sobre as reivindicações sociais e a crítica corrosiva da política. Agora conseguiu com méritos de sobra abordar os dois temas prediletos de sua filmografia em Mia Madre. Margherita (Margherita Buy) é o alter ego admitido pelo próprio Moretti, uma diretora de cinema angustiada e em conflito com o trabalho paralelo que precisa lidar, diante de várias circunstâncias do cotidiano: recém saiu de um namoro que não deu certo com um colega, vem de uma separação em que a filha adolescente foi morar com pai e, ainda, tem a moléstia grave da mãe, Ada (Giulia Lazzarini), internada no hospital com o diagnóstico de irreversibilidade da doença. Mas a vida não pode parar, apesar dos infortúnios, inicia as filmagens de seu novo longa-metragem que mostra as reivindicações pela greve de trabalhadores numa fábrica, que será o personagem central pelo astro internacional Barry Hughins (John Turturro- perfeito na construção histriônica), um ator arrogante, narcisista, que não decora os textos e se acha o máximo como galã, mas que deixa fluir um humor leve para contrastar com a dor da trama principal.

Margherita pode contar apenas com o irmão, Giovanni (Moretti), um insatisfeito engenheiro demissionário prestes a largar tudo e se dedicar mais nos últimos dias que restam na companhia da mãe, pois ele é uma extensão da irmã sofrida e necessita passar uma certa tranquilidade para um momento tão delicado como a perda irreversível. Uma narrativa dolorida com flashbacks da relação mãe e filha, como a reveladora e chocante cena do automóvel de Ada sendo destruído contra a parede. Alterna com episódios do hospital e a tumultuada e tensa filmagem realizada pela protagonista que terá que enfrentar o luto, a solidão e as frustrações como mulher, também encontrados no ótimo documentário Elena (2012), da diretora mineira Petra Costa, num relato lúcido sobre a desilusão do fracasso diante da derrota que fez uma vítima precocemente.

Moretti passa a sutileza e a sensibilidade à flor da pele como ingredientes delicados e demolidores no desfecho. Um retrato com realismo sem metáforas para tentar entender a subtração marcante de um familiar próximo, no caso a mãe que definha enquanto o casal de irmãos dá o apoio e resgata momentos que ficarão registrados para sempre no pós-vida. Dilacera e mergulha no momento mágico da finitude em que ninguém está preparado para uma circunstância universal do ser humano e seus descendentes que permanecerão como um sopro de esperança e vida de continuidade e renascimento. O diretor dá o recado ao mostrar a neta se interessando pelo estudo do latim como herança infinita de valor deixada pela avó.

Um drama com tintas autobiográficas que tem a morte como tema principal, em que a perda traz reflexos sombrios e devastadores para os enlutados. Mia Madre é um filme em que as imagens pelo olhar da protagonista suplantam os ótimos e indispensáveis diálogos. Reflete toda a tristeza e a melancolia do epílogo da vida pelos olhos doloridos da atriz Margherita Buy, de ótima atuação num papel difícil, mas irretocável no todo, passa e divide suas lágrimas para o espectador atento. Impactante pela complexidade como foi Amor (2012), de Michael Haneke, e nos remete para subtemas como solidão, doença e velhice explorados com a genialidade de Ingmar Bergman em Morangos Silvestres (1957) e na incomparável e inigualável obra-prima Gritos e Sussurros (1972); ou ainda em Viver (1952), de Akira Kurosawa. Mas a narrativa de Moretti tem o naturalismo exposto como vísceras pela decadência humana intensa, embora bergmaniano na abordagem proposta, tem na forma e na estética criativa os traços singulares da marca registrada do cultuado cineasta italiano nesta reflexão estupenda.

2 comentários:

CRISTINA ANDRÉIA DE BORBA FIGUEIRÓ - Advogada disse...

O ator e Ricardo Darin?

Roni Figueiró disse...

O filme é italiano. Não é o Ricardo Darín, mas o ótimo Nanni Moretti.