quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Chico- Artista Brasileiro

















Intimidade de um Gênio

Um filme de diálogos do protagonista com a plateia e vários depoimentos que normalmente são para endeusar o homenageado, pode parecer uma realização chapa branca, mas não é o caso de Chico- Artista Brasileiro. O documentário passa em revista a vida pessoal, artística e a vasta obra do renomado compositor, cantor e escritor Chico Buarque de Hollanda. É apresentado pelo próprio personagem central, mescla relatos do artista com os de outros nomes da música brasileira, além de encenações com intérpretes das canções mais famosas de sua trajetória. Dirigido com eficiência e competência por Miguel Farias Jr., que também filmou Vinícius (2005) há dez anos, com um público de 300 mil espectadores, recontando cronologicamente a vida de Vinícius de Moraes (1913-1980), popularmente conhecido como poetinha.

Na mesma esteira documental, o veterano Nelson Pereira dos Santos, que dividiu a direção com a neta de Tom Jobim, Dora Jobim, realizou com brilhatura A Música Segundo Tom Jobim (2012), optando pela boa música e o acervo fotográfico da carreira deste extraordinário cantor e compositor brasileiro que conquistou o mundo musical e consagrou-se como um dos ícones de todos os tempos, cantando em português e muitas vezes também em inglês, num formato de videoclipe essencialmente com música nas diferentes vozes e interpretações em vários idiomas, entre eles o italiano, o francês e o inglês. Farias Jr. deixa como fio condutor o próprio Chico contar sua vida na primeira pessoa. Instalado em seu belo apartamento no Leblon, diferente em Vinícius, até porque um está vivo e o outro foi uma homenagem póstuma, situações análogas de seus dois amigos na vida privada. Comovente a cena que menciona como seu grande amor, Marieta Severo, a única mulher com quem conviveu por mais de 20 anos, depois disto nunca mais dividiu seu espaço com ninguém, não só por ser mãe de suas três filhas e dos netos que vieram por consequência.

Sempre acompanhadas de músicas interpretadas pelo próprio compositor ou por outros cantores, além de imagens do acervo fotográfico, mostra um visão artística e pessoal de um dos célebres resistentes da época da ditadura militar de 1964, que menciona seus problemas com a censura implacável. Como na cena que mostra o ridículo dos censores com uma de suas letras que tinha na estrofe: “barriga na miséria do brasileiro...” não podia, teve que alterar para “barriga na miséria do batuqueiro”, aceita sem hesitação. Roda Viva (1967) foi sua primeira incursão na área da dramaturgia teatral, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa, foi censurada sem grandes rodeiros; bem como com a peça musicada Calabar (1973) escrita em parceria com Ruy Guerra. Um roteiro vinculado às excelentes composições, com falas e menções de amigos, logo se afasta do oba-oba que pudesse atrapalhar a continuidade e o objetivo da história. Retrata com desenvoltura a volta de Chico à Alemanha para descobrir por imagens o irmão e ator alemão, sendo marcado por uma certa tristeza não poder conhecê-lo em vida. Há um bom humor com sinais evidentes de sentimento de vaga e doce amargura, ao falar da existência e do fim que se aproxima com o avanço da idade. “Para onde vamos?”, indaga em tom melancólico.

Um documentário que conta os 50 anos da obra do intelectual em 1h50min extraídos de 30 horas de entrevista. Começa com uma de suas canções cantadas por ele mesmo; flutua por Milton Nascimento e a fadista portuguesa Carminho num belo dueto; encanta com Adriana Calcanhoto, Mart’Nália, Milton Nascimento, Péricles, Roberta Sá, Ney Matogrosso, Maria Bethânia e Caetano Veloso com eloquência neste primor de resgate do tempo, sem faltar o rápido depoimento da irmã Miúcha. O grande sucesso da carreira A Banda (1966) terá papel preponderante para lhe dar alegria inesperada na procura do irmão desconhecico, interligado com as lembranças da infância e do pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda. O longa mostra os artistas musicais sendo muito visados num período de exceção de direitos, como também eram os cineastas como Glauber Rocha, idealizador do Cinema Novo.

Chico- Artista Brasileiro é um filme para todas as gerações, tendo como marco histórico a música servindo de fresta para a libertação das amarras de uma juventude anestesiada por uma tirania antidemocrática que assolou os brasileiros naqueles anos de chumbo, fica na tela como reflexão mais aprofundada de uma época. Não é um documentário somente para os fãs do compositor, mas para todos os apreciadores de música de qualidade, sem gritos e histerias, apelações ou baixarias. As interpretações soam como sussurros nos ouvidos. É proibido levantar o volume da voz. Para os que não gostam dele, ao assistir poderão ter a grande chance de mudar alguns conceitos equivocados. Sobre os que estão em dúvida se gostam ou não, dificilmente deixarão de aderir e cantarolar. Não vai sair ganhando festivais por aí, talvez nem ousasse tal intenção, mas ficará registrado na memória todo seu inesgotável poder de criação, pois os gênios nunca deixam secar a fonte e estão sempre presentes para seus admiradores contumazes e os detratores. Para ser lembrado e sorvido com sensibilidade as sutilezas sugeridas, lavar a alma e deixar os ombros mais leves, fechar os olhos e sorver as doces e saborosas melodias com o gosto e a marca brasileira, além do resumo sobre o anacrônico regime ditatorial que passou sem deixar saudades.

2 comentários:

CRISTINA ANDRÉIA DE BORBA FIGUEIRÓ - Advogada disse...

Chico Buarque: um ícone. Gostei da crítica. Vou assistir.

Roni Figueiró disse...

Não perca este ótimo filme com o Chico Buarque.