quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dheepan- O Refúgio


Imigrantes Marginalizados

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes de 2015, Dheepan- O Refúgio é um drama de muita ação numa abordagem seca do multiculturalismo e da triste sina dos imigrantes na velha Europa invadida por causa dos conflitos internos de países do terceiro Mundo dominados pelas execráveis ditaduras. O diretor francês Jacques Audiard ambienta sua trama num condomínio de classe baixa da periferia dominado pelos traficantes numa gris e sorumbática Paris, contrapondo com as belezas naturais, dos glamourosos cafés, bistrôs e do romantismo da Cidade Luz. Já no prólogo, o protagonista entrega as armas diante da derrota das milícias minoritária tâmil na guerra civil do Sri Lanka, sua terra natal.

O personagem-título é interpretado por Antonythasan Jesuthasan, de excelente atuação, que foi na vida civil um soldado, mas que superou as dificuldades e hoje é escritor. Seu papel é de um guerrilheiro derrotado dos Tigres do Tâmil que quer recomeçar a vida, para isto monta uma farsa de uma união inexistente de laços e vínculos, decorrente das mortes de todos seus membros familiares.Yalini (Kalieaswari Srinivasan) finge ser a esposa e mãe da pequena Illayaal (Claudine Vinasithamby). Para isto assumem identidades falsas para fugir da guerra imposta pelo governo cingalês. Eles não se conhecem e, diante da iniciativa, precisam conviver como se fosse um verdadeiro núcleo familiar de refugiados que ingressam na França. Sem o domínio e o conhecimento da língua local, Dheepan consegue emprego como zelador; Yalini passa a trabalhar como empregada doméstica na casa de um idoso com problemas de saúde, frequentado por um temido gângster local; enquanto que a suposta filha sofre para se adequar aos hábitos do cotidiano de uma escola com colegas que só falam o francês e demonstram racismo e hostilidade.

Um retrato da solidariedade e da amizade entre os imigrantes para obterem trabalho com uma vida de mínima dignidade, vindos como animais repugnantes e jogados em solo perigoso, diante da burocracia e da xenofobia estampadas para se regularizarem. Há uma frieza nas relações para com os evadidos, em estado de desamparo na busca da liberdade de dias mais promissores. São situações clássicas abordadas na imigração por um olhar atento do cineasta que tem em sua filmografia os razoáveis Nos Meus Lábios (2001), De Tanto Bater o Meu Coração Parou (2005), além do perturbador O Profeta (2009), em uma abordagem profunda dos grupos mafiosos e da criminalidade escancarada dos guetos islâmicos que fervilhavam naquele ano, bem como o preconceito com o mundo árabe. É dele também o instigante Ferrugem e Osso (2012), tendo como mote o corpo mutilado de uma treinadora de orcas para aprofundar uma reflexão sobre as lutas de uma selvagem violência de classes sociais tensionadas pelos estigmas entre pares excluídos da sociedade.

Dheepan- O Refúgio é uma realização com tema atual e de boa repercussão pelos acontecimentos trágicos que norteiam o velho continente. Por vezes violento e incisivo, navega nas águas pelas semelhanças próprias com Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret, que focava a política das imigrações, através de um garoto curdo refugiado da guerra do Iraque, na tentativa incessante de ver a namorada na Inglaterra, tendo se estabelecido temporária e ilegalmente em Calais, na França, com todo o tipo de intolerância. Audiard coloca a relação de uma família de mentira asilada em busca da reconstrução em solo estrangeiro, embora o banho de sangue numa situação de extremo limite do protagonista em cenas de registros impressionistas, ainda assim tem uma visão mais otimista que Claire Denis no sombrio Minha Terra, África (2009); ou do arrasador O Segredo Grão (2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; do profundo O Porto (2011), do finlandês Aki Karismäki, que apresenta o sofrimento e a ojeriza de uma casta que vira as costas, mostra misericórdia e esperança; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke; ou na comédia dramática de humor cáustico Samba (2014), de Eric Toledano e Olivier Nakache; sem esquecer de O Visitante (2006), de Tom McCarthy, sobre a situação dos forasteiros ilegais, também questionava a política xenofóbica aplicada institucionalmente nos EUA, derivando daí o ódio entre as raças.

Os filmes que abordam a temática polêmica da imigração, portanto, são vários, mas em Dheepan- O Refúgio sustenta o drama cruel de um povo desiludido da raça humana, pois o ex-guerrilheiro também é constantemente insultado nas suas tarefas atuais de laborar dignamente, embora seu trabalho seja sério, honesto e humilde. O que lhe dá força moral é a parceria de uma mulher que abraça a causa e, de uma garota acolhida como filha, que não dispensa a cooperação, a ternura e o carinho sempre que solicitada. A redenção vem da violência trágica do passado de uma insana luta entre irmãos de sangue.

O longa retrata um ambiente carregado de certa forma, até porque moram num local conflitado que serve de rota de tráfico por uma rede solidária clandestina. Uma alegoria da vida em risco e a falta de uma política de governo para atender os refugiados esperançosos em viver com algum prazer que a vida possa oferecer. Ou seja, ficar bem longe dos campos de guerra espúrios mostrados, numa premissa otimista, mas sem deixar de apontar e insistir sobre a ausência de vontade, neste manifesto crítico de um libelo contra a intransigência dos povos ditos de primeiro mundo, ainda que tenha na mentira do seu personagem central a forma ilícita para salvar sua pele e de seus novos integrantes familiares, protegendo-os da sanha irascível preconceituosa e abominável aos imigrantes que deve ser refletida à exaustão.

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