Guerra Cruel
O competente cineasta canadense Denis Villeneuve propõe
explorar os limites amorais do ser humano no estupendo drama policial Sicário- Terra de Ninguém, apresentado
em primeira mão no último Festival de Cannes, sendo aclamado pela crítica e
pelo público. O realizador tem em sua filmografia outros dois longas
expressivos mostrados no Brasil, suspenses dignos da melhor qualidade
cinematográfica, como no drama Incêndios
(2010) e no thriller policial Os Suspeitos (2013). Brilha mais uma vez
na construção tensa do clímax necessário ao enredo pela intensidade, com o
auxílio precioso do roteiro enxuto escrito pelo estreante Taylor Sheridan e com
a não menos fascinante trilha sonora assinada por Roger Deakins, já várias
vezes indicado ao Oscar, que dá o tom singular no desenrolar da história.
A trama retrata a triste e dolorosa realidade de barbárie da
divisa dos EUA com o México, com cercas de arames como se fosse uma guerra
entre os dois países, expondo as vísceras de uma situação caótica e traumática
dos excluídos da sociedade, pelo prisma da CIA preparando uma audaciosa
operação para deter o grande líder de um cartel de drogas mexicano. Kate Macy
(Emily Blunt- convincente e correta no papel) é uma policial do FBI de um esquadrão
da Swat recrutada que decide participar da ação, mas logo descobre que terá de
testar todos os seus dilemas morais e éticos nesta missão que aos poucos vai se
desatando como um novelo de lã, como nas cenas macabras com corpos pendurados
em locais públicos e outros emparedados em estado de miserabilidade pelas
torturas medievais. São imagens poderosas e aterradoras que falam mais que os
próprios diálogos, sem o viés apelativo e demagógico. A resposta é definitiva:
o tráfico não perdoa naquele mundo sórdido, implacável e sem fronteiras, além
da flagrante corrupção que irá ter repercussões devastadoras a todos os
envolvidos.
Os efeitos maléficos do narcotráfico e da corrupção deixam
cicatrizes como marcas definitivas das mazelas nos personagens bombardeados por
uma nociva guerra suja entre poderosos e inocentes na terra de lobos. O
cineasta tem um atento olhar para uma sociedade esfacelada e envolvida pela
destruição de seus princípios vilipendiados por soluções burocráticas nada
inovadoras, como observado nas incursões violentas e despudoradas que levam a
lugar nenhum. Segue na mesma esteira do excelente filme Heli (2013), do espanhol Amat Escalante, na denúncia de um país
envolvido num clima nebuloso e catastrófico sob o ponto de vista do comércio
ilegal e da corrupção ativa, em que o diretor intencionalmente provoca mal-estar
no espectador, decorrente da violência explícita no enredo ao longo da história;
ou no comedido drama familiar La Playa (2012), do colombiano
Juan Andrés Arango Garcia, sob um contexto humano naquele cenário de uma cidade
violenta, num retrato sombrio de um país em ebulição, em que o tráfico também
se faz presente.
Sicário- Terra de
Ninguém é um extraordinário relato narrativo com equilíbrio pela potência
de um drama superior. É impossível ficar alheio à miséria de um mundo implacável
e sem piedade, contrastando com a ilusão utópica e maniqueísta advinda dos
americanos, sempre prometida e dissimulada como um sonho de conto de fadas. Mas
a empolgação da policial feminina encontrará uma destrutiva realidade dos
próprios colegas impiedosos, entre o quais em meio à corrupção passiva e ativa,
como do falso galã. Com um ótimo elenco, o filme reflete não só a vingança pelas
supostas mortes de familiares do misterioso e vingativo Alejandro (Benicio Del
Toro- interpretação excelente) com o auxílio do agente espião Matt Graver (Josh
Brolin), mas também dá tintas fortes de um descalabro nas fronteiras, com a
soberania violada em território mexicano, através de um painel cruel de uma
realidade dura dos cartéis em choque pelo espaço territorial, pesada, sem lei e
corrompida. A brutalidade é precipitada pela desgraça severa, sendo apresentada
num realismo cênico seco, mas o epílogo dá poucas esperanças para aquelas vidas
arruinadas pelo contexto enraizado de equívocos de um pessimista panorama real
pela impiedade de uma pífia política de contenção, ou ainda da falta de um
estudo aprofundado do universo das drogas.
Com o pretexto de colocar ordem através de um personagem que
se alimenta da vingança, por ser um matador de aluguel, mas que pousa como um
defensor do propalado bem contra o mal, tão difundido de forma sinistra pelos
norte-americanos, como bem retratado em A Hora Mais Escura (2012), de Kathryn Bigelow. A
violência da guerra ao tráfico é abordada de maneira incisiva e arrebatadora,
com requintes de crueza para estômagos fortes, o diretor deixa uma marca digna
de um filme raro dos estúdios de Hollywood, pela ótica da comiseração social e
dos consumidores que estão dentro de uma sanguinária máquina sem perspectiva de
uma luz no fim do túnel. Um longa-metragem político na essência, pela
complexidade do tema, pela contundência das imagens e pelos diálogos curtos e
certeiros, que credencia Sicário- Terra
de Ninguém como um dos dez melhores filmes de 2015.
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