terça-feira, 20 de outubro de 2015

O Vinho Perfeito

















Mistérios dos Vinhedos

Exibido em 2014 na Mostra de Cinema de São Paulo, só agora chega comercialmente às nossas salas de cinemas a comédia dramática mesclada com suspense policial O Vinho Perfeito, do diretor italiano Ferdinando Vicentini Orgnani, inspirado no romance O Mestre Margarida, do autor russo Mikhail Bulgakov. O cineasta é reconhecido em seus país por Ilaria Alpi- O Mais Cruel dos Dias (2003), um longa-metragem contundente baseado em fatos reais, numa abordagem transposta para a ficção sobre dois jornalistas da Itália mortos estupidamente na Somália.

Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, Orgnani admite como referência e inspiração o longa Barry Lindon (1975), de Stanley Kublick, embora esteja bem distante como produto final do clássico mencionado. Também explica que preferiu como locação para rodar seu filme em Trentino, na Província de Trento, no nordeste da Itália, tendo em vista que esta é a região produtora do famoso vinho Marzemino, citado por Mozart na ópera Don Giovanni. O realizador deixa para trás o filme de denúncia para embarcar e flutuar nas ondas de uma trama que oscila entre um realismo obsessivo dos encantos etílicos para um mundo imaginário transcendental de pessoas afastadas dos mortais, já em outra esfera do pós-vida.

O enredo do longa do diretor está voltado diretamente para uma história em relação aos regozijos dos vinhos, como em Sideways- Entre Umas e Outras (2004), de Alexander Payne, ao narrar a intimidade de dois amigos pelas vinícolas da Califórnia como despedida de solteiro de um deles como forma de refúgio de todos os problemas: separação, trabalho, mulher e amor; já em Um Bom Ano (2006), de Ridley Scott, o protagonista é obrigado a voltar para França, onde foi educado na arte da elaboração para classificar as uvas por um tio, dono de um vinhedo no país, por conta de seu falecimento; ou no instigante Sobre Amigos, Amor e Vinhos (2014), de Éric Lavaine, que agrada pela elegância simples da empatia dos personagens com a plateia, bem como pela maneira como é focada as difíceis relações humanas, principalmente tentar ser agradável com todos, pode soar falso, e até estourar como uma bolha inflada.

O roteiro é linear e fragiliza-se na essência pura do cinema, ao se debruçar num homem fascinado por vinhos raros, com fama de galanteador inveterado e irresistível. Ao sentir o primeiro gole da bebida, a vida de Giovanni Cuttin (Vincenzo Amato) mudou para sempre. De um tímido bancário que recebe propinas, logo abandona a carreira para ser um profissional que vai atrás de safras exclusivas para comprar unidades raras em leilões e transformar-se completamente em três anos, sendo ovacionado como um especialista e renomado sobre a matéria. Sua vida agora se divide entre degustações públicas, conferências e apresentações de seu livro autobiográfico, até surgir na sua vida a bela mulher de um passado enigmático (Daniela Virgilio) que trará algumas tímidas reviravoltas no enredo, mas com pouca profundidade no contexto.

Há uma densidade tenra e um tensionamento inexistente numa realização que poderia ser melhor elaborada para o estilo policial noir, caso houvesse construções de personagens mais consistentes no aspecto psicológico, embora haja uma proposta típica de uma direção autoral. Basicamente a trama gira sobre a vida do sommelier e a acusação inesperada de ter assassinado a esposa (Giovanna Mazzogiorno). Durante as investigações do crime pelo comissário (Pietro Sermonti), a polícia investiga os reais motivos por trás dos atributos compulsivos de Giovanni pelas espécies incomuns engarrafadas, diante do surgimento repentino do personagem O Professor (Lambert Wilson) no pífio interrogatório. Confessa que teve a sensibilidade apurada ao se aproximar do personagem misterioso e que passou a conhecer qualquer vinho no mundo, por um dom vindo do além.

A competição, o ciúme, a soberba, a ganância e a inveja estão presentes no processo construtivo do protagonista, principalmente ao ser pressionado, razão pela qual começa a refletir sobre as decisões que tomou nos últimos anos de sua existência. Há uma similitude com o personagem central da saborosa agridoce comédia intimista francesa Sobre Amigos, Amor e Vinhos. Só que o diretor francês foi mais hábil e direto ao ponto, porém Orgnani descamba para imaginações pouco férteis do plano surreal empírico, com um desfecho previsível e distante de um clímax narrativo de um thriller com estofo pelo bom suspense, ingredientes ausentes em O Vinho Perfeito, embora se ressalte o esforço dos mistérios sugeridos oriundos dos prazeres dos vinhedos, mas aborda com pouco convencimento a fusão dos gêneros policial noir com comédia.

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