Mistérios dos
Vinhedos
Exibido em 2014 na Mostra de Cinema de São Paulo, só agora
chega comercialmente às nossas salas de cinemas a comédia dramática mesclada
com suspense policial O Vinho Perfeito,
do diretor italiano Ferdinando Vicentini Orgnani, inspirado no romance O Mestre Margarida, do autor russo
Mikhail Bulgakov. O cineasta é reconhecido em seus país por Ilaria Alpi- O Mais Cruel dos Dias
(2003), um longa-metragem contundente baseado em fatos reais, numa abordagem
transposta para a ficção sobre dois jornalistas da Itália mortos estupidamente
na Somália.
Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, Orgnani admite como
referência e inspiração o longa Barry
Lindon (1975), de Stanley Kublick, embora esteja bem distante como produto
final do clássico mencionado. Também explica que preferiu como locação para
rodar seu filme em Trentino, na Província de Trento, no nordeste da Itália,
tendo em vista que esta é a região produtora do famoso vinho Marzemino, citado
por Mozart na ópera Don Giovanni. O realizador
deixa para trás o filme de denúncia para embarcar e flutuar nas ondas de uma trama
que oscila entre um realismo obsessivo dos encantos etílicos para um mundo
imaginário transcendental de pessoas afastadas dos mortais, já em outra esfera
do pós-vida.
O enredo do longa do diretor está voltado diretamente para uma
história em relação aos regozijos dos vinhos, como em Sideways- Entre Umas
e Outras (2004), de
Alexander Payne, ao narrar a intimidade de dois amigos pelas vinícolas da Califórnia como despedida de solteiro de um deles como forma de
refúgio de todos os problemas: separação, trabalho, mulher e amor; já em Um
Bom Ano (2006), de
Ridley Scott, o protagonista é obrigado a voltar para França, onde foi educado
na arte da elaboração para classificar as uvas por um tio, dono de um vinhedo
no país, por conta de seu falecimento; ou no instigante Sobre Amigos, Amor e Vinhos (2014), de Éric Lavaine, que agrada pela elegância simples da empatia
dos personagens com a plateia, bem como pela maneira como é focada as difíceis
relações humanas, principalmente tentar ser agradável com todos, pode soar
falso, e até estourar como uma bolha inflada.
O roteiro é linear e fragiliza-se na essência pura do cinema,
ao se debruçar num homem fascinado por vinhos raros, com fama de galanteador
inveterado e irresistível. Ao sentir o primeiro gole da bebida, a vida de
Giovanni Cuttin (Vincenzo Amato) mudou para sempre. De um tímido bancário que
recebe propinas, logo abandona a carreira para ser um profissional que vai
atrás de safras exclusivas para comprar unidades raras em leilões e transformar-se
completamente em três anos, sendo ovacionado como um especialista e
renomado sobre a matéria. Sua vida agora se divide entre degustações públicas,
conferências e apresentações de seu livro autobiográfico, até surgir na sua
vida a bela mulher de um passado enigmático (Daniela Virgilio) que trará
algumas tímidas reviravoltas no enredo, mas com pouca profundidade no contexto.
Há uma densidade tenra e um tensionamento inexistente numa
realização que poderia ser melhor elaborada para o estilo policial noir, caso houvesse construções de
personagens mais consistentes no aspecto psicológico, embora haja uma proposta típica
de uma direção autoral. Basicamente a trama gira sobre a vida do sommelier e a
acusação inesperada de ter assassinado a esposa (Giovanna Mazzogiorno). Durante
as investigações do crime pelo comissário (Pietro Sermonti), a polícia
investiga os reais motivos por trás dos atributos compulsivos de Giovanni pelas
espécies incomuns engarrafadas, diante do surgimento repentino do personagem O Professor
(Lambert Wilson) no pífio interrogatório. Confessa que teve a sensibilidade
apurada ao se aproximar do personagem misterioso e que passou a conhecer
qualquer vinho no mundo, por um dom vindo do além.
A competição, o ciúme, a soberba, a ganância e a inveja
estão presentes no processo construtivo do protagonista, principalmente ao ser pressionado,
razão pela qual começa a refletir sobre as decisões que tomou nos últimos anos
de sua existência. Há uma similitude com o personagem central da saborosa agridoce
comédia intimista francesa Sobre Amigos,
Amor e Vinhos. Só que o diretor francês foi mais hábil e direto ao ponto, porém
Orgnani descamba para imaginações pouco férteis do plano surreal empírico, com
um desfecho previsível e distante de um clímax narrativo de um thriller com estofo
pelo bom suspense, ingredientes ausentes em O Vinho Perfeito , embora se ressalte o esforço dos
mistérios sugeridos oriundos dos prazeres dos vinhedos, mas aborda com pouco
convencimento a fusão dos gêneros policial noir
com comédia.
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