Família Macabra
Pablo Trapero está de volta com mais um típico filme
perturbador em seu qualificado currículo cinematográfico. O Clã é o triste e vergonhoso relato de uma das gangues mais
conhecidas da Argentina, sob o comando da família Puccio. Estamos diante de uma
narrativa vigorosa sobre a relação e o vínculo dos membros familiares em uma
casa no bairro de classe média alta San Isidro, em Buenos Aires , na
década de 1980, pelo sequestro de várias pessoas com algum envolvimento
político contrário ao regime militar, ou por simplesmente estar numa situação
mais confortável financeiramente, desfrutando de uma vida com algum luxo e
causando inveja para os falsos defensores da pátria derrotada na Guerra das
Malvinas, sob o comando do general Leopoldo Galtieri, ex-presidente militar do país vizinho.
O longa rendeu ao seu realizador o Leão de Prata de melhor
direção no Festival de Veneza deste ano; também foi escolhido para representar
seu país no Oscar de 2016, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Foi
coproduzido com a Espanha pela produtora dos irmãos Agustín e Pedro Almodóvar.
Alcançou a expressiva marca de 1,5 milhão de espectadores nos dez primeiros
dias nas bilheterias argentinas, ficou atrás apenas de Relatos Selvagens (2014). Com um roteiro bem enxuto, o cineasta
desfila seus personagens na tela, dando estrutura e cumplicidade para alguns,
desprezo e envolvimento velado em outros, principalmente das duas filhas e do
irmão caçula, pouco se lixando para o que está acontecendo no mesmo teto em que
residem aparentemente em forma de harmonia. Arquímedes Puccio (Guillermo
Francella- excelente interpretação, ao demonstrar toda a frieza do protagonista)
é o pai e mentor da execução do plano diabólico e com formação de contador.
Para torturar, sequestrar e matar, tinha o auxílio direto do filho Alejandro
(Peter Lanzani), o craque do Pumas, base
da seleção argentina de rúgbi, era uma espécie de herói nacional. Ninguém
desconfiava daquele jovem meigo, pacato, com aparência de bom cidadão, fiel e
apaixonado pela namorada, mas que se submetia às atrocidades paternais,
atraindo inclusive um amigo para o cativeiro sinistro.
Baseado em fatos reais para contar uma macabra história de
um episódio que eclodiu na imprensa em 1985, sobre o desbaratamento com o
posterior julgamento de todos os membros de uma facção tenebrosa que assombrou
os argentinos, durante a ascensão de Raúl Alfonsín à presidência, ao fazer o
período de transição de 1983
a 1989, o bando de delinquentes perdeu força na
democracia. Já o longa é uma mescla ficcional de horror com subserviência, tendo
como ingredientes a repulsa, a obediência, o locupletamento de dinheiro fácil
em conluio com o sistema de um regime de exceção. Não poderia faltar o molho
condimentado das orações à mesa nas refeições comandadas pelo gélido pai, sob o
olhar de aprovação da esposa, Epifânia (Lili Popovivh) que cozinhava para as
vítimas, tendo mais tarde na companhia o retorno do exterior de outro filho,
Maguila (Gastón Cocchiarare) que engrossará o rol dos perversos assassinos de pessoas
inocentes. O grupo tinha o aval de três amigos do poder militar que começava
fraquejar com o duro golpe da derrocada nas Malvinas.
O diretor tem em sua filmografia realizações de abordagens
de situações cotidianas e sociais de uma maneira crua e fria, sem grandes
alegorias e metáforas. Assim foi com o excelente Leonera (2008), talvez seu melhor e mais profundo filme, discutindo
sobre o sistema prisional de uma detenta grávida e as consequências nefastas
para os filhos recém-nascidos naquele lugar inóspito. Outro filme de grande
repercussão foi Abutres (2010), com
um viés pela inverossimilhança da máfia obcecada pelos prêmios de seguros de
acidentes de veículos automotores das vítimas fatais, aproveitando-se das
brechas deixadas pelas leis reguladoras do trânsito. Com Elefante Branco (2012) opta pela multiplicidade de temas, como
drogas, casa própria, má gestão pública, subempregos, celibato, questões
sociais da criminalidade nas favelas pelas mortes do tráfico, massacre de
camponeses na Amazônia. Sem esquecer ainda que fizera antes os apreciáveis Nascido e Criado (2006) e Família Rodante (2004).
O Clã é uma
espécie de A Família Addams às
avessas, pois aqueles eram uma inversão satírica do ideal da família americana,
no qual um grupo rico e excêntrico que adora o macabro, não lhes interessava
que outras pessoas os achassem bizarros ou assustadores. Já Trapero dá o toque requintado
do suspense e busca fatos concretos para registrar seu inconformismo ao
retratar o improvável nos resgates milionários de empresários raptados e
escondidos no seio familiar. Sem invalidar a realização, embora prejudicial,
peca ao vacilar por minimizar a atmosfera de tensão e desespero dos sequestrados
durante parte do filme. O clima não atinge uma sustentação de realismo por
falha de uma trilha sonora invasiva e pouco envolvente, atravessando em algumas
cenas o desenrolar e despistando contraditoriamente uma carga mais dramática na
ação de desenvolvida. Cortes poderiam ser feitos por elipses pontuais, sem
utilizar o disfarce de algumas incômodas canções.
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