sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Chatô, O Rei do Brasil












Fim de Uma Era

Guilherme Fontes estreia na ficção com a comédia dramática política Chatô, O Rei do Brasil, depois de 20 anos das filmagens até a conclusão da conturbada produção que levou o cineasta a responder processos por mau uso de dinheiro público. Teve o abandono do projeto pelo parceiro Francis Ford Coppola e ainda a intromissão de um neto do personagem-título que se opôs e tentou barrar a exibição do polêmico filme. Acusações falsas ou não, mas que no fim resultaram num longa-metragem de bom nível e com um acabamento que supera as expectativas negativas advindas da demora para seu lançamento e nos remete para um cinema qualificado, caprichado, sem remendos, maduro, com a ironia antropofágica proposta de um realizador que sabia o que queria mostrar aos espectadores.

Uma abordagem sem o didatismo que impera em realizações brasileiras quando retrata uma personalidade histórica biografada. Fontes mostra a relação de amor e ódio do personagem central com o governo do presidente Getúlio Vargas (interpretado por Paulo Betti de forma caricatural) no Palácio do Catete, criador do salário mínimo, da Justiça do Trabalho, sindicatos, entre outras conquistas populares e necessárias para a época, num sistema de poder pela sedução das massas com o intuito da coletividade. A cinebiografia do paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968) tem como um dos grandes acertos Marco Ricca encarnando-o de maneira estupenda. Embora seja uma adaptação fiel da história extraída do livro de Fernando de Morais, há uma liberdade despudorada na criação escrachada imaginada pelo diretor, que dá forma e equilíbrio para um contexto político de pouca fidelidade, mas sobrando traições, conchavos, maracutaias e promiscuidades entre Chatô e Getúlio no retrato cinematográfico dos fatos históricos narrados.

Uma superprodução que começa pelo grande elenco, passa por uma reconstituição de cenário e figurinos impecáveis de época e fecha com a bela fotografia de José Roberto Eliezer, com um bom enquadramento de câmera nas tomadas, aproximando rostos tensos e olhares indecisos em closes, captando as aflições e angústias dos personagens do enredo, com planos e contraplanos, especialmente na construção de Chatô, a estrela principal de um programa de TV chamado "O Julgamento do Século", realizado no dia de sua morte. Ali são relembrados fatos marcantes de sua vida, um mulherengo inveterado que não podia ver um rabo de saia, mas que sucumbiu em dois casamentos e uma penca de filhos. Um com Maria Eudóxia (Letícia Sabatella); outro com Lola (Leandra Leal), além da paixão não correspondida por Vivi Sampaio (Andréa Beltrão- magnífica e bela no seu papel de mulher fatal) e a feroz disputa amorosa com Getúlio, sendo ela o pivô de desavenças entre os dois titãs. Fontes demonstra imparcialidade e lisura ao retratar como o magnata manipulava as notícias nos veículos de comunicação que comandava e o estreito elo com o caudilho iniciado antes deste tornar-se presidente.

Com um conjunto de artistas de grande harmonia e compactação, entre os quais Eliane Giardini, Zessé Polessa, Walmor Chagas, José Lewgoy, Marcos Oliveira e Ricardo Blat, o cineasta conta a trajetória de um dos maiores mitos da comunicação de nosso país. Fundou a TV Tupi em 1950, a primeira televisão brasileira; criou os Diários Associados, a maior rede jornalística da época; senador; imortal da Academia Brasileira de Letras; cofundador do MASP com Pietro Maria Bardi. Tornou-se uma figura folclórica e lendária, sendo comparado com William Randolph Hearts (1863-1951), o magnata de um império da imprensa que inspirou Orson Welles no clássico Cidade Kane (1941). Durante o julgamento no programa de auditório, após a trombose que vitimou Chatô, ele passa por delírios acometidos da nefasta doença, que são rememorados com bom humor e sem arrependimentos ou maneirismos revisionais, decorrente da segura narrativa do promissor diretor estreante, que se afasta do pieguismo encontrados em muitas realizações menores.

Chatô, O Rei do Brasil tem como méritos os relatos da vinculação do empresário da comunicação com o presidente mais polêmico do Brasil que se submete aos seus caprichos, como nas cenas entrecortada pelos jogos de poder com toda sua emblemática relação com o povo empobrecido, em meio a uma onda gigantesca de denúncias de corrupção lideradas pela mescla de Carlos Lacerda com Samuel Wainer (Gabriel Braga Nunes), ingredientes indispensáveis num roteiro que não deixa de enfocar o trágico suicídio de Getúlio. Mesmo com personagens fictícios há lealdade aos fatos históricos, mencionando algumas falcatruas engendradas nos bastidores, como venda de uma fazenda e alguns benefícios para pessoas próximas e ligadas diretamente ao governo, em que um dos favorecidos poderia ser o chefe da guarda, além do atentado da Rua Tonelero, em Copacabana, o estopim para a crise.

Uma comédia dramática que poderia ser um drama ou um documentário para contar a saga de um mito desfraldado dentro de um contexto de uma era de fatos importantes para os brasileiros, embora excessivo por vezes, mas dentro da sincronia para acompanhar os passos do irrequieto e excêntrico Chatô. Do outro lado do enredo alegórico, sem grandes firulas, mas caricato, está um ícone da política com seus acertos e erros, virtudes e defeitos, inerentes de um ditador controvertido, que o levou a entrar na história ao sair da vida, como ele mesmo escreveu na Carta-Testamento. Um filme quase anacrônico pela distância das filmagens até estrear, mas com avanços e em consonância com a transgressão proposta até o emblemático resultado desta instigante contribuição sobre fatos notórios do século passado no Brasil, sem ser definitivo, induz para uma reflexão de um passado, mas que continua atualizado na essência do presente em nossa sociedade.

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