A Dolorida Perda
O festejado Nanni Moretti flutua entre os dramas familiares
e filmes políticos e sociais como O
Crocodilo (2006), quando sobrou para o ex-primeiro-ministro Silvio
Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão pelas críticas do diretor;
questionou a escolha do papa em Habemus Papam
(2011) com boa dose de humor e ironia fina, ao abordar a eleição do Sumo
Pontífice realizada entre os cardeais, sendo escolhido o vacilante Melville,
como já o fizera em A Missa Acabou (1985),
ao satirizar a igreja através de um complicado padre na periferia de Roma. Mas sua obra maior talvez seja o premiado
com a Palma de Ouro em Cannes, O Quarto
do Filho (2001), sobre o drama de um psicanalista que reside e trabalha na
cidade de Ancona, tem dois filhos, até que uma tragédia o transtorna
completamente, ao deixar de acompanhar o filho à praia e nesse passeio o rapaz
morre afogado.
Ganhador do Prêmio do Júri deste ano em Cannes, Mia Madre é o retorno às origens de
abordagens profundas pela reflexão sobre a morte e a forte sensação da perda pelas
lembranças do passado, bem como o que poderia ter feito e não fez para quem partiu,
quase um remorso instintivo dos que ficaram, numa análise sincera e despojada
das picuinhas que remanesceram da existência e sua complexidade, como no drama O Quarto do Filho. Moretti gosta de
usar situações que vivenciou para incrementar suas realizações de cunho
pessoal, assim fora em Caro Diário (1993) e
Aprile (1998), agora retoma com o drama pelo qual passou durante as filmagens
de Habemus Papan, quando faleceu sua
mãe, também professora de latim, tal qual a personagem em questão deste seu
último longa.
O cineasta andava mais focado nos filmes sobre as
reivindicações sociais e a crítica corrosiva da política. Agora conseguiu com
méritos de sobra abordar os dois temas prediletos de sua filmografia em Mia Madre. Margherita (Margherita Buy) é o alter
ego admitido pelo próprio Moretti, uma diretora de cinema angustiada e em
conflito com o trabalho paralelo que precisa lidar, diante de várias
circunstâncias do cotidiano: recém saiu de um namoro que não deu certo com um
colega, vem de uma separação em que a filha adolescente foi morar com pai e,
ainda, tem a moléstia grave da mãe, Ada (Giulia Lazzarini), internada no
hospital com o diagnóstico de irreversibilidade da doença. Mas a vida não pode
parar, apesar dos infortúnios, inicia as filmagens de seu novo longa-metragem que
mostra as reivindicações pela greve de trabalhadores numa fábrica, que será o
personagem central pelo astro internacional Barry Hughins (John Turturro-
perfeito na construção histriônica), um ator arrogante, narcisista, que não
decora os textos e se acha o máximo como galã, mas que deixa fluir um humor
leve para contrastar com a dor da trama principal.
Margherita pode contar apenas com o irmão, Giovanni
(Moretti), um insatisfeito engenheiro demissionário prestes a largar tudo e se dedicar
mais nos últimos dias que restam na companhia da mãe, pois ele é uma extensão da
irmã sofrida e necessita passar uma certa tranquilidade para um momento tão
delicado como a perda irreversível. Uma narrativa dolorida com flashbacks da
relação mãe e filha, como a reveladora e chocante cena do automóvel de Ada
sendo destruído contra a parede. Alterna com episódios do hospital e a tumultuada
e tensa filmagem realizada pela protagonista que terá que enfrentar o luto, a
solidão e as frustrações como mulher, também encontrados no ótimo documentário Elena (2012), da diretora mineira Petra
Costa, num relato lúcido sobre a desilusão do fracasso diante da derrota que
fez uma vítima precocemente.
Moretti passa a sutileza e a sensibilidade à flor da pele
como ingredientes delicados e demolidores no desfecho. Um retrato com realismo
sem metáforas para tentar entender a subtração marcante de um familiar próximo,
no caso a mãe que definha enquanto o casal de irmãos dá o apoio e resgata
momentos que ficarão registrados para sempre no pós-vida. Dilacera e mergulha
no momento mágico da finitude em que ninguém está preparado para uma circunstância
universal do ser humano e seus descendentes que permanecerão como um sopro de
esperança e vida de continuidade e renascimento. O diretor dá o recado ao
mostrar a neta se interessando pelo estudo do latim como herança infinita de
valor deixada pela avó.
Um drama com tintas autobiográficas que tem a morte como
tema principal, em que a perda traz reflexos sombrios e devastadores para os
enlutados. Mia Madre é um filme em que as imagens pelo olhar da protagonista
suplantam os ótimos e indispensáveis diálogos. Reflete toda a tristeza e a
melancolia do epílogo da vida pelos olhos doloridos da atriz Margherita Buy, de
ótima atuação num papel difícil, mas irretocável no todo, passa e divide suas
lágrimas para o espectador atento. Impactante pela complexidade como foi Amor (2012), de Michael Haneke, e nos remete
para subtemas como solidão, doença e velhice explorados com a genialidade de
Ingmar Bergman em Morangos Silvestres
(1957) e na incomparável e inigualável obra-prima Gritos e Sussurros (1972); ou ainda em Viver (1952), de Akira Kurosawa. Mas a narrativa de Moretti tem o
naturalismo exposto como vísceras pela decadência humana intensa, embora bergmaniano na abordagem proposta, tem
na forma e na estética criativa os traços singulares da marca registrada do
cultuado cineasta italiano nesta reflexão estupenda.
2 comentários:
O ator e Ricardo Darin?
O filme é italiano. Não é o Ricardo Darín, mas o ótimo Nanni Moretti.
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