sexta-feira, 4 de julho de 2014

O Grande Hotel Budapeste















Mundo sem Esperança

Wes Anderson é um diretor norte-americano de 45 anos, conhecido pelos excessos radicais e apaixonado por fábulas, adorado por uns e odiado por uma boa camada de críticos, embora faça significativo sucesso com o público alvo. Assim foi em Os Excêntricos Tennenbaums (2001) e Moonrise Kingdom (2012). Venceu o grande prêmio do júri deste ano em Berlim com O Grande Hotel Budapeste, que segue a filmografia controversa do cineasta afetado pelo estilo de linguagem barroca, com personagens estereotipados por uma estética bem peculiar. Admite ter como referência para o filme o cineasta alemão Ernest Lubitsch, autor dos clássicos farsescos Ladrão de Alcova (1932) e Ser ou Não Ser (1937).

O roteiro do longa é inspirado livremente nos livros do escritor judeu Stefan Zweig, nascido em1881, na Áustria, que se refugiou no Brasil e se suicidou no Rio de janeiro, em 1992, deixando uma carta-testamento de despedida e demonstrando desilusão pela amargura da desesperança com o novo mundo, diante da ascensão do nazismo, a intolerância e a perseguição implacável ocorrida na Europa. Já nas primeiras cenas do filme, há uma referência ao livro Coração Impaciente, de Zweig, quando o escritor (Tom Wilkinson) que narra a trajetória de Gustave H (Ralph Fiennes- de muito bom desempenho) diz que “a melhor parte de escrever como ofício é que ele não tem de se preocupar em ir atrás das histórias, pois elas vêm naturalmente até ele”.

Com um orçamento de US$31 milhões, considerado pequeno para os padrões de Hollywood, conseguiu reunir um elenco poucas vezes visto num filme. Além de Fiennes e Wilkinson, temos Jude Law (jovem escritor), Adrien Brody (o vilão Dmitri), Edward Norton (o militar Henckels), Bill Murray (Ivan, amigo de Gustave H), Tilda Swinton (a milionária octagenária Madame D), Toni Revolori (Zero, fiel escudeiro do concierge Gustave H- magnífica atuação), Saoirse Ronan (Agatha- a bela namorada de Zero), F. Murray Abraham (o proprietário Zero Mr. Moustafa- fase adulta), ainda integram a constelação Mathieu Amalric, Léa Seidoux, Harvey Keitel, Willem Dafoe e Owen Wilson. Também o roteiro é bem orquestrado, com uma bonita fotografia, um figurino de acordo com a época para caracterizar a Europa no século passado, num cenário bem planejado como uma antiga loja de departamentos na cidade alemã de Gorlitz, faz fronteira com a Polônia e a República Tcheca.

O diretor cria com muita inspiração a fictícia República de Zubrowka, na década de 30, no leste europeu e que abriga um hotel luxuoso no alpes montanhosos. Neste cenário aprazível é contada uma história quase que inverossímil pelos grandes acontecimentos no século 20, como a Belle Époque e as grandes transformações sociais e políticas como o surgimento do fascismo. Entre as duas guerras mundiais surge o famoso e excêntrico concierge Gustave H de um renomado hotel, que irá conhecer um jovem empregado de raízes árabes, e os dois se tornam amigos inseparáveis. O roteiro apresenta várias estripulias da dupla, como o furto de um raríssimo quadro renascentista, a batalha por uma fortuna de uma família e as mudanças que atingiriam a velha Europa na metade do século XX.

Embora os filmes de Anderson pareçam ser repetitivos esteticamente, ao procurar a forma mais adequada para fisgar seus espectadores, às vezes comete delírios desmedidos, porém com O Grande Hotel Budapeste atinge um misto de diversão pura da comédia com pitadas farsescas, cria-se propositalmente a metalinguagem para adicionar um suspense exagerado e desproporcional à trama com ingredientes de uma aventura com jogos de ação. O protagonista ama seu emprego e os hóspedes, envolve-se em tons melodramáticos com idosas milionárias, assim como o escritor que reconta sua passagem na juventude pelo já decadente hotel e ouve do proprietário um relato de 1932, quando estava no auge e o envolvimento do concierge com uma viúva rica e seus herdeiros.

O Grande Hotel Budapeste é uma obra que vai da comédia para o suspense e seus mistérios, transita pelo drama, mas é acolhida inevitavelmente como uma fábula retórica com seus segredos, passa pelos traumas da guerra e vai ao encontro de uma inusitada história de amor e as reviravoltas que emergem da trama. Há uma razoável reflexão sobre a memória permanente daquilo que a história registrou para não ser esquecido, como luzes sendo estendidas para provocar todo o encantamento do cinema como denúncia da intolerância e da perseguição numa época marcada pelo ódio racial do século passado que dá passagem para um novo mundo. Um filme com alguns excessos típicos de Anderson, que se não chega a empolgar, deixa uma contribuição significativa através de alguns personagens banalizados.

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