quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Que os Homens Falam


Neuroses Doloridas

Vem da Espanha a bela comédia agridoce O Que os Homens Falam, do cineasta catalão Cesc Gay, com o deslumbrante cenário das tomadas externas de Barcelona, num tom cômico recheado de ironia, mas sem perder o intimismo profundo, ao abordar os relatos sinceros de oito homens na crise da meia-idade, todos na faixa de 40 a 60 anos, que são chamados nos episódios apenas por uma letra, como o personagem G. (Ricardo Darín) que abre seu coração e confessa ao amigo L. (Luis Tosar) sua desconfiança sobre a esposa e da iminência dela estar de caso com alguém, mostra-se muito preocupado, tendo em vista não estar preparado para uma eventual troca por outro parceiro, o que o leva pelo abalo a ser um dependente de remédios. Há uma faceta obscura neste relacionamento que o destino aprontou circunstancialmente.

Outro episódio notável é protagonizado por S. (Javier Cámara- atou em Fale com Ela), após dois anos do divórcio tenta reconciliar-se com a ex-esposa, mas escolhe um momento nada propício para declarar seu amor ainda nutrido pela mãe de seu filho. Também P. (Eduardo Noriega) que quer cometer adultério, tentará seduzir uma colega de trabalho com fama de namoradeira. O cineasta vai desfiando o novelo e expondo as mazelas advindas das neuroses masculinas decorrentes da crítica fase de transição. Não falta nem aquele que volta a morar na casa da mãe, tipificado no personagem E. (Eduardo Fernandez), que perdeu tudo o que tinha: mulher, emprego e autoestima. Nada dá certo na sua vida idealizada por velhos sonhos juvenis traçados como meta, encontra casualmente um velho amigo de infância J. (Eduardo Sbaraglia), que aparentemente conquistou tudo, mas irá perceber que este sofre por alguns problemas cotidianos.

Diante da existência e o seu sentido com as inerentes dificuldades, como a abordagem da velhice que se aproxima, mas mostrada com um elegante toque de classe, Gay faz uso do seu mosaico em A. (Alberto San Juan) e M. (Jordi Mollà) que terão seus segredos revelados pelas respectivas mulheres, diante de um quadro íntimo de situações inusitadas nada recomendáveis para os aparentes atletas que a sociedade estigmatiza como galãs e saudáveis no âmbito do universo feminino, jamais imaginados ou vistos com alguma suposta deficiência ou carência. Os bonitões e charmosos têm lindas mulheres, donos de carros esportivos último tipo, ícones do padrão bem-sucedidos, mas dentro de um castelo de areia que está prestes a ruir e desmoronar.

O Que os Homens Falam é um filme que satiriza a existência do chamado sexo forte soberano, ao apresentar suas dificuldades contemporâneas, mas que reflete sobre as fraquezas e os novos tempos do universo machista em extinção e falível, com um olhar feminista atento às transformações, dando toques irônicos dentro de uma abrangência de humor melancólico. Não é uma comédia sobre as façanhas masculinas, porém um mergulho no ocaso de uma era que expõe dúvidas. É uma pitada bem salgada nos alicerces que estremecem e vai ao encontro das fragilidades retiradas de dentro dos tabus e prontas para serem quebradas como cristais, através de diálogos inteligentes e sensíveis.

A comédia revela homens com problemas nos seus relacionamentos diários, que não conseguem se reerguer. Ou pelo dilema da separação, ou pela perda de emprego, ou do fantasma da disfunção erétil, além da substituição inesperada e dolorida. Há um cenário inóspito como terríveis obstáculos de reconstrução de uma nova família, enquanto que as mulheres são bem mais pragmáticas e em consonância com uma nova realidade. Um roteiro enxuto, com um elenco harmonioso numa excelente estrutura psicológica de personagens construídos com criatividade e equilíbrio exemplar de cada um deles. O diretor retrata uma evidente decadência do macho alfa com as fases novas que se apresentam dentro de um realismo cênico palatável. São crepusculares e em delírios frenéticos com o futuro, desnudam-se das pompas intransponíveis e se deixam levar para dentro dos seus dramas pessoais.

Gay faz relatos e aproximações dignas de uma nova realidade da existência masculina, diferente da comédia nacional E Aí... Comeu? (2012), onde há uma visível pasteurização e um tom jocoso e brega de situações típicas e redundantes. O Que os Homens Falam tem uma construção narrativa em alto nível e mergulha na fragilidade sem desfaçatez ou em subterfúgios comerciais, rindo de si mesmos. Vai ao fundo da questão com gestos e olhares sutis, inocula a alma e extrai a dor e a tênue fortaleza rechaçada pela corrosão, sem matizes os substratos estéreis. Não deixa dúvidas do ponto nevrálgico pretendido, com um sentimento de perda de valores profundos e intimistas das neuroses que invadem os pensamentos e as decisões de uma casta tida como muralha humana que desaba e dá sinais de sofreguidão. Eis um magnífico tratado sobre os homens, sem a atmosfera de predadores, com suas vicissitudes abaladas pelos tempos.

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