domingo, 13 de julho de 2014

Viva a Liberdade


Farsa Política

Vem da Itália mais uma poderosa e corrosiva crítica ao meio político dos discursos vazios e estereotipados para conquistar eleitores, estar sempre bem com correligionários e membros do partido, dentro de uma farsa magnificamente retratada pelo cineasta Roberto Andò, na comédia política Viva a Liberdade, baseada em seu próprio livro Il Trono Vuoto. O tema recorrente também teve bom ingrediente em O Palácio Francês (2013), longa escrachado que faz uma abordagem pontual e com um molho amargo nos corredores palacianos, pelo septuagenário Bertrand Tavernier. Mostrando a sujeira e os conchavos desmesurados de rituais desgastantes que sufocam e tiram o ar puro, numa retórica de opulência, também foi bem enfatizado em Tudo Pelo Poder (2011), de George Clooney. Nanni Moretti é outro diretor mordaz dos poderes italianos, como foi visto em O Crocodilo (2006), sobrou para o ex-primeiro- ministro Silvio Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão por ferozes críticas.

Andò foi assistente de Coppola, Michael Cimino, Fellini e Francesco Rosi, dirigiu peça teatral e lançou seu primeiro longa com boa acolhida dos críticos em Il Manoscritto del Principe (2000). Atinge agora um grau maior na sua filmografia, ao abordar de maneira clara e incisiva a mentira, vaidade e os bastidores apodrecidos da política. De forma simbólica mostra a candidatura do secretário principal de um partido opositor italiano, o senador Enrico Oliveri (Toni Servillo), que não convence os filiados como estava previsto pela cúpula diretiva, sofre críticas ácidas da população e da própria legenda, com muita gente descontente pelos discursos desmotivados. Mas numa noite qualquer, após um debate em que o candidato é tripudiado por uma mulher e ouve tudo que se poderia imaginar, acaba por desaparecer literalmente, indo refugiar-se em Paris, na casa de uma antiga admiradora e ex-namorada Danielle (Valeria Bruni Tedeschi). Seu assessor e fiel escudeiro Bottini (Valerio Mastandrea) dá início a um plano maquiavélico, para isto tem a anuência da esposa Eveline (Anna Bonaiuto), através da ideia para uma solução mais adequada do repentino sumiço. O plano prevê buscar o irmão gêmeo Giovanni, desembaraçado, meio amalucado, mas com conteúdo dos tempos outrora de professor de filosofia, que está internado numa clínica. Quando reaparece e age de forma oposta ao que era antes, causa um frisson pelas atitudes surpreendentes e revolucionárias que impactam o mundo político, faz a cotação oposicionista elevar-se como nunca.

A estética desenvolvida com a busca da liberdade introduzidas com eficácia pelo diretor, que tem como referência e possivelmente uma fonte de inspiração o excelente Habemus Papam (2011), de Nanni Moretti, que aborda sutilmente a angústia do Papa vacilante. Já Andò vai ao encontro do político farsante que desaba e busca na fuga seu refúgio libertário, assumindo o irmão como se fosse um genérico farsante que sai melhor que a encomenda para delírio da oposição claudicante. Haja loucuras em meio a uma burocracia desgastante e inócua de uma era fracassada pós-Berlosconi questionada com extrema e saborosa ironia, ao forçar uma situação inverossímil para demonstrar com lucidez um político frouxo substituído por um embusteiro insano. Um panorama dos dissabores para quem almeja o poder cheio de armadilhas, onde a resistência fraqueja e os valores são outros entre as mesquinharias e o ego inflado na grande sacada da comédia, diante de um roteiro abrangente, sendo contada uma inusitada e incrível história sobre a farsa.

Viva a Liberdade é uma comédia que brinda o espectador pela estupenda atuação de Servillo, que brilhou em A Grande Beleza (2013), após ter interpretado há seis anos um primeiro ministro no ótimo O Divo (2008), ambos de Paolo Sorrentino, volta a encarnar com vigor magistral um político italiano meio sem graça e chocho e, concomitantemente, o irmão. Abocanhou o Prêmio de Cinema Europeu como melhor ator nos dois filmes citados, ainda esteve atuando com desempenho elogiável no recente A Bela que Dorme (2012), de Marco Bellocchio. Se um é bom, imagina dois, com personagens construídos como opostos numa sequência de planos e contraplanos bem apanhados pela câmera, satirizados literalmente pelas incongruências daquele ambiente nefasto, que se distancia cada vez mais da aprovação civilizatória. Questiona os valores e a ética, traduz com dignidade o protagonista cansado daquele meio de um processo que se desenvolve, sem parecer entender a mecânica do jogo. Parece falso e vazio dentro de uma engrenagem antiética, mas que aos poucos vira uma contraditória verdade no discurso empolgado. São deflagrados ardis, tornando forte a consistência da tramoia involuntária estabelecida sem concessões, que reverte e muda as expectativas.

Um filme fabuloso pela crítica reflexiva ao empirismo político para alcançar o topo, diante do paradoxo da mentira para fazer valer o ideal almejado. Embora pareça óbvio, cumpre seu papel objetivo de apresentar as falcatruas das abjetas maquinações no jogo doentio dos homens públicos e seus envolvimentos com situações escabrosas de um homem falível e conflitado com um novo desafio pela frente, decide abandonar seus compromissos momentaneamente e foge em pânico para bem longe dali, na busca da meditação sem interferência externa num refúgio mais humano, na desesperada aflição existencial que o atinge como pessoa comum que anda pelas ruas, quer buscar caminhos para tirá-lo do labirinto de dúvidas e fragilidades, que sequer imaginava e o coloca de frente com uma realidade obscura e terrível de um futuro cheio de antagonismos e inaptidões para conduzir situações pragmáticas do arenoso cotidiano do poder.

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