Farsa Política
Vem da Itália mais uma poderosa e corrosiva crítica ao meio
político dos discursos vazios e estereotipados para conquistar eleitores, estar
sempre bem com correligionários e membros do partido, dentro de uma farsa
magnificamente retratada pelo cineasta Roberto Andò, na comédia política Viva a Liberdade, baseada em seu próprio
livro Il Trono Vuoto. O tema recorrente
também teve bom ingrediente em O Palácio Francês
(2013), longa escrachado que faz uma abordagem pontual e com um molho amargo
nos corredores palacianos, pelo septuagenário Bertrand Tavernier. Mostrando a
sujeira e os conchavos desmesurados de rituais desgastantes que sufocam e tiram
o ar puro, numa retórica de opulência, também foi bem enfatizado em Tudo
Pelo Poder (2011), de George Clooney. Nanni Moretti é
outro diretor mordaz dos poderes italianos, como foi visto em O Crocodilo (2006), sobrou para o
ex-primeiro- ministro Silvio Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão
por ferozes críticas.
Andò foi assistente de Coppola, Michael Cimino, Fellini e
Francesco Rosi, dirigiu peça teatral e lançou seu primeiro longa com boa acolhida dos críticos em Il Manoscritto del
Principe (2000). Atinge agora um grau maior na sua filmografia, ao abordar
de maneira clara e incisiva a mentira, vaidade e os bastidores apodrecidos da
política. De forma simbólica mostra a candidatura do secretário principal de um
partido opositor italiano, o senador Enrico Oliveri (Toni Servillo), que não
convence os filiados como estava previsto pela cúpula diretiva, sofre críticas ácidas
da população e da própria legenda, com muita gente descontente pelos discursos
desmotivados. Mas numa noite qualquer, após um debate em que o candidato é
tripudiado por uma mulher e ouve tudo que se poderia imaginar, acaba por
desaparecer literalmente, indo refugiar-se em Paris, na casa de uma antiga
admiradora e ex-namorada Danielle (Valeria Bruni Tedeschi). Seu assessor e fiel
escudeiro Bottini (Valerio Mastandrea) dá início a um plano maquiavélico, para isto
tem a anuência da esposa Eveline (Anna Bonaiuto), através da ideia para uma solução
mais adequada do repentino sumiço. O plano prevê buscar o irmão gêmeo Giovanni,
desembaraçado, meio amalucado, mas com conteúdo dos tempos outrora de professor
de filosofia, que está internado numa clínica. Quando reaparece e age de forma
oposta ao que era antes, causa um frisson pelas atitudes surpreendentes e
revolucionárias que impactam o mundo político, faz a cotação oposicionista elevar-se
como nunca.
A estética desenvolvida com a busca da liberdade
introduzidas com eficácia pelo diretor, que tem como referência e possivelmente
uma fonte de inspiração o excelente Habemus
Papam (2011), de Nanni Moretti, que aborda sutilmente a angústia do Papa vacilante.
Já Andò vai ao encontro do político farsante que desaba e busca na fuga seu
refúgio libertário, assumindo o irmão como se fosse um genérico farsante que
sai melhor que a encomenda para delírio da oposição claudicante. Haja loucuras
em meio a uma burocracia desgastante e inócua de uma era fracassada
pós-Berlosconi questionada com extrema e saborosa ironia, ao forçar uma
situação inverossímil para demonstrar com lucidez um político frouxo substituído
por um embusteiro insano. Um panorama dos dissabores para quem almeja o poder
cheio de armadilhas, onde a resistência fraqueja e os valores são outros entre
as mesquinharias e o ego inflado na grande sacada da comédia, diante de um roteiro
abrangente, sendo contada uma inusitada e incrível história sobre a farsa.
Viva a Liberdade é
uma comédia que brinda o espectador pela estupenda atuação de Servillo, que
brilhou em A Grande Beleza (2013),
após ter interpretado há seis anos um primeiro ministro no ótimo O Divo (2008), ambos de Paolo
Sorrentino, volta a encarnar com vigor magistral um político italiano meio sem
graça e chocho e, concomitantemente, o irmão. Abocanhou o Prêmio de Cinema
Europeu como melhor ator nos dois filmes citados, ainda esteve atuando com
desempenho elogiável no recente A Bela que
Dorme (2012), de Marco Bellocchio. Se um é bom, imagina dois, com
personagens construídos como opostos numa sequência de planos e contraplanos
bem apanhados pela câmera, satirizados literalmente pelas incongruências
daquele ambiente nefasto, que se distancia cada vez mais da aprovação
civilizatória. Questiona os valores e a ética, traduz com dignidade o
protagonista cansado daquele meio de um processo que se desenvolve, sem parecer
entender a mecânica do jogo. Parece falso e vazio dentro de uma engrenagem antiética,
mas que aos poucos vira uma contraditória verdade no discurso empolgado. São
deflagrados ardis, tornando forte a consistência da tramoia involuntária
estabelecida sem concessões, que reverte e muda as expectativas.
Um filme fabuloso pela crítica reflexiva ao empirismo político
para alcançar o topo, diante do paradoxo da mentira para fazer valer o ideal
almejado. Embora pareça óbvio, cumpre seu papel objetivo de apresentar as
falcatruas das abjetas maquinações no jogo doentio dos homens públicos e seus envolvimentos com situações escabrosas de um homem falível e
conflitado com um novo desafio pela frente, decide abandonar seus compromissos
momentaneamente e foge em pânico para bem longe dali, na busca da meditação sem
interferência externa num refúgio mais humano, na desesperada aflição
existencial que o atinge como pessoa comum que anda pelas ruas, quer buscar
caminhos para tirá-lo do labirinto de dúvidas e fragilidades, que sequer
imaginava e o coloca de frente com uma realidade obscura e terrível de um futuro
cheio de antagonismos e inaptidões para conduzir situações pragmáticas do arenoso
cotidiano do poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário