O Filho Bastardo
O diretor uruguaio Ricardo Casas lança novas luzes sobre a
polêmica da origem do mitológico cantor e compositor Carlos Gardel, ao
completar 79 anos do seu desaparecimento por um acidente aéreo em 1935, com o
longa El Padre de Gardel, coproduzido
com o Brasil através da Casa de Cinema de Porto Alegre, foi selecionado para o
Festival de Gramado de 2013 e integrou a última Mostra de Cinema de São Paulo. É o segundo documentário biográfico do cineasta que, em 2004, estreou com Palabras
Verdaderas, abordando a carreira do escritor conterrâneo Mario Benedetti
(1920-2009).
Ao melhor estilo do veterano documentarista brasileiro
Eduardo Coutinho, morto neste ano de forma trágica, Casas mostra-se hábil para
extrair o substrato de cada entrevistado, numa trama que fixa como ponto
culminante a vida pregressa do suposto pai do mito Carlos Escayola (1845-1915) e
a construção de uma recheada história pontilhada pelo poder e pelos romances
inusitados. O documentário centra a investigação entre 1860 e 1890, buscando em
relatos e na pesquisa documental sobre a biografia conturbada de Escayola, um
homem poderoso que dominou a política e a vida cultural da pequena cidade de
Tacuarembó, interior do Uruguai. Foi fazendeiro, coronel e chefe político da
localidade, parceiro do general Netto na Revolução Farroupilha e teria lutado
na batalha sangrenta da tríplice aliança na Guerra do Paraguai, construiu um amplo
e luxuoso teatro para apresentação das famosas peças europeias, conquistou
muitas mulheres pela fama de sedutor, que lhe valeu uma das maiores polêmicas
familiares registrada naquele lugarejo.
O mérito maior do diretor é saber selecionar da galeria de
depoimentos aqueles mais consistentes e adequados ao tema, sob o ponto de vista
humano e com a força das descrições contadas pela boca de personagens do povo e
por historiadores sobre as origens da vida do artista, passando pela trajetória
da família, mais especificamente de seu avô que migrou da região da Catalunha
para o Uruguai e dali nunca mais saiu. Sem ser piegas ou definitivo, longe disto,
pois sabe controlar e dar o tom na entrevista como um emérito perguntador,
deixa as pessoas à vontade para falarem algo interessante ou até mesmo grandes devaneios
sobre Escayola e os enigmas guardados com fervor e paixão pelos remanescentes
daquela simpática cidadezinha encravada no pampa uruguaio com seus mistérios do
passado.
O debate sobre a nacionalidade e o local correto onde nasceu
o rei do tango que adotou a Argentina como sua pátria não terminará, pois
haverá ainda muita discussão inflamada sobre os verdadeiros fatos contados na
película contrários aos especialistas que defendem ter Gardel nascido em
Toulouse, na França. Casas retrata o patriarca do famoso ídolo argentino como
um déspota que teria se relacionado com três irmãs e a sogra, o que
possibilitaria ser filho incestuoso de uma pré-adolescente, ao melhor estilo do
craque brasileiro Mané Garrincha, também fruto da relação de uma irmã com o
pai.
El Padre de Gardel
é um documentário com uma grande dose investigativa para ser memorizado como
uma boa contribuição histórica. Sobram problemas neste universo de vidas
conflitadas, onde não faltam incesto, traição, pedofilia e a negativa da
paternidade, com o abandono da criança bastarda e a simplória maneira da doação
forçada para o país vizinho, como uma forma de livrar-se do estorvo, que mais
tarde faria suas canções sobre a tragédia pessoal da rejeição familiar. Um
filme sobre a falta de dignidade e os atropelos sob o prisma da hipocrisia para
não ser ofuscado, numa tentativa tênue de evitar o escândalo na sociedade e a
perda da fleuma de uma aristocracia repleta de nefastas e ignóbeis manchas de
uma conduta de caráter vil, advindas de um contexto perverso e doentio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário