Bastidores do Poder
O septuagenário diretor francês Bertrand Tavernier está de
volta com um roteiro direcionado para uma narrativa para o espetáculo do velho
e bom cinema, sem se afastar da corrosiva crítica aos políticos de discursos vazios
e estereotipados para atingir seus eleitores e estar sempre de bem com os
países amigos. Uma comédia escrachada com viés na política, assim é O Palácio Francês, que faz uma
abordagem pontual e com um molho bem amargo, nada agridoce nos corredores do
poder palaciano da França. O cineasta estava esquecido, após seu último longa
que andou no circuito comercial As
Margens de Um Crime (2009). É dele também o badalado Por Volta da Meia-Noite (1986); o sempre lembrado thriller policial A Isca (1995); o inesquecível e comovente, talvez sua obra plástica
de maior esplendor Um Sonho de Domingo
(1984).
O enredo é inspirado na novela gráfica Quai d’Orsay, escrita por Antonin Baudry, com pseudônimo de Abel
Lanzac, baseado nas experiências pessoais de um ex-diplomata que escrevia
discursos para o ministro Dominique de Villepin. Na trama fictícia a história é
realçada no personagem Arthur Vlaminck (Raphaël Personnaz), um jovem recém-formado
na Escola Nacional de Administração, chamado para trabalhar no Ministério das
Relações Exteriores e está a serviço do excêntrico e temperamental ministro
Alexandre Taillard (Thierry Lhermitte). Ao ter a incumbência árdua de elaborar
os discursos no Ministério, acaba por ficar enroscado em meio a golpes
políticos e vaidades pessoais que irão atrapalhar sua vida pessoal,
especialmente com a linda namorada (Julie Gayet), o que torna sua relação
extremamente difícil e complicada. Mas tem a compreensão do sereno, sensato e
compenetrado chefe de gabinete (Niels Arestrup- de excelente atuação,
rendendo-lhe o César de melhor ator coadjuvante), sempre com uma palavra
confortável e animadora, não deixando que o mundo incendiasse pelas tropelias do
indeciso Taillard.
As loucuras palacianas em meio a uma burocracia são
questionadas por Tavernier, que força situações inusitadas para demonstrar com
lucidez o gabinete ministerial como se fosse um hospício de insanos entre os
assessores e o ministro tresloucado. Um panorama dos dissabores do poder, como
intrigas e fofocas, afinal os bastidores do poder estão cheios de armadilhas, onde
a resistência fraqueja e os valores são outros entre as mesquinharias e o ego
inflado do todo poderoso mandatário na grande sacada da comédia, diante de um roteiro
abrangente, sendo contada uma inusitada e incrível história sobre o
histrionismo. Há uma similitude temática com
Os Sabores do Palácio (2012), de Christian Vincent.
O filme se desenrola numa sequência de planos e contraplanos
bem apanhados pela câmera, pois além dos acontecimentos no palácio pelas
atividades inerentes, mescla-se com a ironia de Tavernier sobre o
intelectualismo satirizado literalmente pelo chefe de gabinete e o assessor,
numa clara alusão aos exageros do ministro que cita Heráclito quando se vê em apuros. Passa para o
espectador as incongruências daquele ambiente poluído e nefasto, que se
distancia cada vez mais da sensibilidade humana, ou seja, as trapalhadas são
fisgadas com sutileza e uma demonstração de sinceridade autoral. De um lado há
uma dose de reconhecimento de pureza do recém-formado contrapondo com o vazio e
o distanciamento do governo aos seus súditos que viceja e polvilha como erva
daninha. É um claro contraste com a solidariedade humanística que se perde
pelos corredores infestados da sujeira e dos conchavos políticos da pompa reinante
palaciana e desmesurada de rituais desgastantes que sufocam e tiram o ar puro,
mais para um estranho no ninho dentro de uma retórica de opulência, como também
foi bem retratado em Tudo Pelo Poder
(2011), dirigido por George Clooney.
O Palácio Francês analisa e questiona os valores e a ética profissional, traduzindo com dignidade
o protagonista no meio do turbilhão do processo que se desenvolve, sem parecer
entender a mecânica do jogo. Tudo soa falso e vazio naquela engrenagem azeitada,
mas aos poucos vai virando uma contraditória verdade no discurso empolgado, na
busca obstinada pela manutenção sem rupturas do poder. São deflagrados ardis
inescrupulosos, tornando forte a consistência dos personagens envolvidos na
tramoia declarada sem concessões, reverte e muda as expectativas que poderiam
se encaminhar. A apreciável comédia não é só uma reflexão ou crítica aos
bastidores do poder, mas o paradoxo da mentira para fazer valer o ideal
almejado. Embora pareça óbvio, cumpre seu papel objetivo de apresentar as
falcatruas das abjetas maquinações no jogo da politicagem pela visão doentia
dos homens públicos pelo poder e seus envolvimentos com situações escabrosas,
dignas de maracutaias da melhor estirpe.
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