terça-feira, 17 de junho de 2014

O Palácio Francês

















Bastidores do Poder

O septuagenário diretor francês Bertrand Tavernier está de volta com um roteiro direcionado para uma narrativa para o espetáculo do velho e bom cinema, sem se afastar da corrosiva crítica aos políticos de discursos vazios e estereotipados para atingir seus eleitores e estar sempre de bem com os países amigos. Uma comédia escrachada com viés na política, assim é O Palácio Francês, que faz uma abordagem pontual e com um molho bem amargo, nada agridoce nos corredores do poder palaciano da França. O cineasta estava esquecido, após seu último longa que andou no circuito comercial As Margens de Um Crime (2009). É dele também o badalado Por Volta da Meia-Noite (1986); o sempre lembrado thriller policial A Isca (1995); o inesquecível e comovente, talvez sua obra plástica de maior esplendor Um Sonho de Domingo (1984).

O enredo é inspirado na novela gráfica Quai d’Orsay, escrita por Antonin Baudry, com pseudônimo de Abel Lanzac, baseado nas experiências pessoais de um ex-diplomata que escrevia discursos para o ministro Dominique de Villepin. Na trama fictícia a história é realçada no personagem Arthur Vlaminck (Raphaël Personnaz), um jovem recém-formado na Escola Nacional de Administração, chamado para trabalhar no Ministério das Relações Exteriores e está a serviço do excêntrico e temperamental ministro Alexandre Taillard (Thierry Lhermitte). Ao ter a incumbência árdua de elaborar os discursos no Ministério, acaba por ficar enroscado em meio a golpes políticos e vaidades pessoais que irão atrapalhar sua vida pessoal, especialmente com a linda namorada (Julie Gayet), o que torna sua relação extremamente difícil e complicada. Mas tem a compreensão do sereno, sensato e compenetrado chefe de gabinete (Niels Arestrup- de excelente atuação, rendendo-lhe o César de melhor ator coadjuvante), sempre com uma palavra confortável e animadora, não deixando que o mundo incendiasse pelas tropelias do indeciso Taillard.

As loucuras palacianas em meio a uma burocracia são questionadas por Tavernier, que força situações inusitadas para demonstrar com lucidez o gabinete ministerial como se fosse um hospício de insanos entre os assessores e o ministro tresloucado. Um panorama dos dissabores do poder, como intrigas e fofocas, afinal os bastidores do poder estão cheios de armadilhas, onde a resistência fraqueja e os valores são outros entre as mesquinharias e o ego inflado do todo poderoso mandatário na grande sacada da comédia, diante de um roteiro abrangente, sendo contada uma inusitada e incrível história sobre o histrionismo. Há uma similitude temática com Os Sabores do Palácio (2012), de Christian Vincent.

O filme se desenrola numa sequência de planos e contraplanos bem apanhados pela câmera, pois além dos acontecimentos no palácio pelas atividades inerentes, mescla-se com a ironia de Tavernier sobre o intelectualismo satirizado literalmente pelo chefe de gabinete e o assessor, numa clara alusão aos exageros do ministro que cita Heráclito quando se vê em apuros. Passa para o espectador as incongruências daquele ambiente poluído e nefasto, que se distancia cada vez mais da sensibilidade humana, ou seja, as trapalhadas são fisgadas com sutileza e uma demonstração de sinceridade autoral. De um lado há uma dose de reconhecimento de pureza do recém-formado contrapondo com o vazio e o distanciamento do governo aos seus súditos que viceja e polvilha como erva daninha. É um claro contraste com a solidariedade humanística que se perde pelos corredores infestados da sujeira e dos conchavos políticos da pompa reinante palaciana e desmesurada de rituais desgastantes que sufocam e tiram o ar puro, mais para um estranho no ninho dentro de uma retórica de opulência, como também foi bem retratado em Tudo Pelo Poder (2011), dirigido por George Clooney.

O Palácio Francês analisa e questiona os valores e a ética profissional, traduzindo com dignidade o protagonista no meio do turbilhão do processo que se desenvolve, sem parecer entender a mecânica do jogo. Tudo soa falso e vazio naquela engrenagem azeitada, mas aos poucos vai virando uma contraditória verdade no discurso empolgado, na busca obstinada pela manutenção sem rupturas do poder. São deflagrados ardis inescrupulosos, tornando forte a consistência dos personagens envolvidos na tramoia declarada sem concessões, reverte e muda as expectativas que poderiam se encaminhar. A apreciável comédia não é só uma reflexão ou crítica aos bastidores do poder, mas o paradoxo da mentira para fazer valer o ideal almejado. Embora pareça óbvio, cumpre seu papel objetivo de apresentar as falcatruas das abjetas maquinações no jogo da politicagem pela visão doentia dos homens públicos pelo poder e seus envolvimentos com situações escabrosas, dignas de maracutaias da melhor estirpe.

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