A Reaproximação
O cinema argentino tem uma característica muito peculiar nas
suas abordagens: sutileza e sensibilidade estão presentes nos temas discutidos.
Em muitas vezes o cenário fica em segundo plano, dando-se mais importância para
o roteiro e a sua eficácia como o objetivo a ser atingido. Diretores como Pablo
Trapero com Família Rodante (2004), Nascido e Criado (2006), Leonera (2008) e Abutres (2010); Pablo José Meza de A Velha dos Fundos (2011); Daniel Burman
com O Abraço Partido (2004) e As Leis de Família (2006); Lucrécia Martel com a obra-prima O Pântano (2001); Gustavo Taretto com o
cultuado Medianeras (2011); Marcelo
Piñeyro com o belíssimo Kamchatka (2002);
Mariano Cohn e Gastón Duprat no instigante O
Homem ao Lado (2009); Paula Hernández em Chuva (2008) aborda o encontro casual para a descoberta da ampliação
dos valores, com a constatação das revelações das perdas e buscas. E ainda outros
tantos cineastas comprometidos com o cotidiano e com as coisas simples e belas
da vida, embora invadidas ou perturbadas por problemas familiares.
Carlos Sorín é outro expoente destes cineastas argentinos,
que faz de uma pequena história uma reflexão magnífica sobre a existência, trazendo
para a abordagem a morte, a velhice e o sentido da vida, sempre com um elegante
toque de classe. Um confesso admirador de Ingmar Bergman, bem como de Jean-Luc Godard,
François Truffaut e Joseph Losey. Anteriormente já havia dado esta importância
para o roteiro e as conclusões filosóficas de vida e relações humanas
tangenciadas pelo clima hostil ou pela solidariedade, como visto nas obras Histórias Mínimas (2002), O Cão (2004), O Desaparecimento do Gato (2011) e A Janela (2008), sendo que nesta fica evidente a influência do
cineasta sueco, ao retratar a solidão, tempo e ocaso vivenciados pelo
protagonista solitário à espera do filho que mora no exterior há mais de 40
anos. Nos derradeiros momentos da vida do ancião, este se prepara para o
encontro derradeiro, deixando evidente a amargura e a dor de seus personagens bergmanianos.
O último filme de Sorín, Filha Distante, batizado em alguns
países com o nome comercial de Dias de Pesca, é uma produção de 2012,
que integrou a 9ª edição do Festival Internacional de Cinema do RS, numa
iniciativa da produtora Panda Filmes, organizadora desta mostra desde 2004,
antes levava o nome de Festival de Verão do RS de Cinema Internacional. O drama
familiar argentino aborda Marco Tucci (Alejandro Awada), um típico turista, de
52 anos, ex-alcoólatra, que decide pescar tubarões em Puerto Deseado , na
hospitaleira Patagônia com seus mistérios de forte magnetismo. O protagonista
tem em mente que chegou o momento de mudar os caminhos de sua trajetória
existencial, tendo como objetivo principal restabelecer os vínculos afetivos
deteriorados com a filha Ana (Victoria Almeida), moradora naquela região, mas o
pai não sabe o endereço e para isto terá de encontrá-la com muito esforço
naquele lugar sem telefone e de rara comunicação.
Um filme sensível e de boa dose de emoção na luta incessante
e incalculável para reparar um passado, reconstruir um reconfortante presente e
estabelecer um definitivo elo familiar delineado pela ausência paterna rompida
no cotidiano de dias entediantes e repetitivos de Marco. É a busca do sentido da
existência marcado pelas perdas profundas oriundas do abandono da esposa e da
filha, onde fissuras indeléveis ficaram como herança de erros de rota mal
calculados pela inconsequência da trivialidade, que agora está mais difícil de
ser reconectada. A mesma inabilidade para pescar com o morinete e o enjoo
sofrido no mar soam como metáfora para lidar no microcosmo familiar que
deixaram fendas latentes com feridas abertas para serem cicatrizadas, diante de
questões mal resolvidas. O hobby para fisgar tubarões é uma situação criada
para tentar soluções para sua saúde abalada e a permanência no hospital, onde o
falso turismo dá espaço para a reaproximação com a filha e sua indiferença. O
afeto esbarra e se escancara na distância entre eles. Há um espaço comovente de
amor a ser preenchido, que ora está vazio e incompleto.
Filha Distante retrata cenas comovedoras, como da espera melancólica no restaurante e a
tentativa da solidificação da ruptura, buscando sempre o equilíbrio de um
roteiro enxuto, com um elenco harmonioso numa excelente estrutura dos
personagens e uma elaboração criativa exemplar de cada um deles, através de uma
fotografia radiante com imagens que falam e superam os diálogos. Um drama
agridoce e suave, que vai aos poucos reaproximando pelos encontros fortuitos. O
norte da solução é dado em doses homeopáticas ao espectador para descobrir o
enigma proposto, o que acontecerá somente no epílogo. Uma película singular
pela simplicidade, sem grandes pirotecnias, deixa um ótimo legado de conteúdo e
complexidade humana.
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