domingo, 4 de maio de 2014

7 Caixas















Um Paraguaio Legítimo

Vem do Paraguai a surpreendente produção que está encantando o mundo do cinema, tanto no Brasil como no exterior: 7 Caixas, com direção autoral impecável e promissora dos estreantes em longa Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori, dois desbravadores de um mercado apagado e sem qualquer tradição de uma indústria completamente inexplorada, que registra apenas 25 obras produzidas em toda sua história e somente 22 salas de cinema no país todo. O único representante do Paraguai que tinha sido exibido no Brasil anteriormente foi Hamaca Paraguaya, de Paz Encina, em 2006, na Mostra de São Paulo.

7 Caixas já faturou mais de trinta prêmios em sua carreira desde 2012, tendo inclusive conquistado como melhor filme no Festival Internacional de Brasília do ano passado. O suspense oriundo do país vizinho vem provar que não é só na Argentina, Brasil, Uruguai e Chile, principais polos da América Latina, que se produzem boas e inteligentes obras cinematográficas com conteúdo, essência, estética inovadora, pois também é capaz de conquistar espectadores com diálogos no desconhecido guarani. O Paraguai chegou lá e abriu as portas para o mundo com criatividade, bom gosto e minguados recursos financeiros, tendo muito ardor conjugado com o amor à sétima arte, bem demonstrado por estes dois cineastas precursores motivados com um ânimo comovedor e uma semelhança estética que lembra Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, como na cena filmada por baixo pelos trilhos indo ao encontro das galinhas, bem como o conteúdo com um roteiro que remete para Quem Quer Ser Milionário (2008), do indiano Danny Boyle.

thriller retrata uma polícia permanentemente atrapalhada e corrupta, que faz qualquer coisa para ter ou conquistar, por exemplo, um celular, elemento impactante e sucessivo no filme, tal qual o protagonista Victor (Celso Franco- de atuação elogiável), um garoto que carrega cargas no Mercado 4 de Assunção e passa as horas vagas imaginando uma vida de fama, admira as televisões nas lojas e os DVDs no ano das novidades, em 2005. Não e fácil sua vida e a competição é acirrada, mas para complicar ainda mais tem como oponente uma gangue perigosa que tem na rivalidade ferrenha e sanguinária seu ponto forte e inarredável, diante de uma civilização contemplativa num sistema repressor conivente e esfacelado pela corruptela ali instalada. Embora batalhe com honestidade para conseguir os seus pequenos trabalhos, carregando as compras dos clientes, num certo dia recebe uma proposta esquisita e preocupante, porque terá que levar as famigeradas caixas contendo um material completamente desconhecido, mas para isto vai ganhar inicialmente uma nota rasgada de cem dólares e o restante receberá na entrega da mercadoria, se for com sucesso, é claro.

Maneglia e Schémbori constroem um cenário aterrador, mas ao mesmo tempo não falta bom humor e sensibilidade para um elenco magnífico, com a entrada em cena da candidata à namorada de Victor, a parceira inseparável (Lali González- brilhante no papel interpretado), o filme toma ares de perseguição e muitas atrocidades pelo caminho, numa realização com parcimônia e sem excessos de grandiloquência, mantendo a coerência estratificada dos grupos em ebulição e com sutileza na condução dos personagens para uma narrativa que refoge dos padrões habituais e se encaixa numa atmosfera de criatividade com realismo cênico, sem ferir audições ou perturbar neurônios na reflexão.

O filme trata a pobreza com dignidade, sem fazer proselitismo e nem demagogia barata, colocando o lado humano desta plêiade de personagens de carne e osso, com suas fraquezas e vicissitudes afloradas num contexto minado pelos tempos. Os diretores contam a história com refinamento de um humor sutil, característico de cineastas comprometidos com um cinema de arte buscada no âmago da vida e as necessárias denúncias para desmantelar um sistema enferrujado e que dá mostras da corrosão iminente pela contaminação apodrecida. 7 Caixas é tudo isto e está ancorado num grupo de atores amadores exemplar, através da mostragem fiel de uma classe que sofre com o desemprego e as agruras para manter a dignidade e a desconstrução de vidas eivadas pela ambição e competição desregrada num retrato sombrio de um país sem perspectiva por negar condições básicas para seus filhos em derrocada diante de uma sociedade doente, traz uma contribuição empolgante e significativa para o cinema, especialmente o paraguaio em ascensão que derruba os estereótipos das falsificações.

Debate no Rio de Janeiro

O diretor paraguaio Juan Carlos Maneglia participou de um apreciável bate-papo com o público após a exibição do filme no Cine Joia, em Copacabana, que estava completamente lotado na sessão das 17h25min do feriado de 1º. de maio, inclusive com muitas pessoas vindas diretamente da praia com suas cadeiras e esteiras, enfrentaram uma fila de espera para acomodar todos. Logo de início já conquistou a plateia presente, com seu carisma e simpatia, deu respostas objetivas e claras, tais como: o Mercado 4 de Assunção, cenário do longa, é o centro da pirataria, porém houve ética dos conterrâneos ao não piratear o filme em respeito à produção paraguaia, mesmo com insistência de muitas pessoas acostumadas nesta praxe; informou que os atores são todos amadores, exceto o protagonista que faz teatro de colégio; negou qualquer inspiração estética com o brasileiro Cidade de Deus e a cena percorrendo por baixo ao encontro das galinhas é pura coincidência e falta de recurso mesmo, pois usou uma só câmera; admitiu ter muita simpatia e gostou por demais de Quem Quer Ser Milionário, o que pode ter inspirado no conteúdo; O Paraguai produziu até agora somente 25 películas e possui 22 salas de cinema e seu filme é recordista de público em seu país, embora tenha um custo final muito baixo de US$250.000; tem em mente um projeto para o próximo longa sobre a tríplice aliança contra seu país, mas num formato de comédia infantojuvenil.

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