Fim de Uma Era
João Jardim estreia na ficção filmando o drama político Getúlio, depois de fazer sucesso com os
documentários Janela da Alma (2002),
codirigido com Walter Carvalho; Pro Dia
Nascer Feliz (2005); o premiado Lixo
Extraordinário (2010), codirigiu com Lucy Walker e Karen Harley; Amor? (2011). Aborda com certo didatismo
os últimos 19 dias conturbados no Palácio do Catete do presidente Getúlio
Vargas (1882-1954), criador do salário mínimo, da Justiça do Trabalho, dos sindicatos, entre outras conquistas populares e necessárias para a época, num
sistema de poder pela sedução das massas com o intuito da coletividade.
O longa tem um reconstituição de cenário da época perfeita
pela bela fotografia de Walter Carvalho, com um bom enquadramento de câmera,
com tomadas de baixo para cima, aproximando os rostos tensos e os olhares
indecisos em closes, captando as aflições e angústias dos personagens do
enredo, especialmente o protagonista isolado e silencioso, que coube a Tony
Ramos a tarefa difícil de encarná-lo, numa atuação burocrática e acariocada,
distante do mito gaúcho sem nenhum sotaque, mas de boa semelhança física,
embora pudesse ter construído o personagem com mais autenticidade; já Drica
Moraes está excelente como a filha Alzira (1914-1992), a fiel escudeira e amiga
do velho pai para todas as horas de dificuldades, mergulhado na solidão
palaciana.
A trajetória de um dos maiores mitos da política na América
do Sul, o presidente mais polêmico do Brasil em toda sua história, é
entrecortada pelos jogos de poder com toda sua emblemática relação com o povo mais
empobrecido, em meio a uma onda gigantesca de denúncias de corrupção lideradas
pelo jornalista Carlos Lacerda- “O Corvo”- (Alexandre Borges- num personagem
típico e perfeito), também candidato a deputado federal, eis os principais ingredientes
do roteiro que enfoca a trama contada com o desfecho do trágico suicídio. A
intimidade do velho e polêmico caudilho é ambientada de 05 a 24 de gosto de 1954, sendo
pressionado por uma crise política sem precedentes, em decorrência das
acusações de que teria ordenado o atentado contra Lacerda, em que vai aos
poucos dando mostras e indicativos dos riscos existentes até tomar a decisão premeditada.
Embora a película não aprofunde o governo getulista, sem
inovar ou revelar algo novo, manteve a fidelidade dos fatos históricos
registrados em livros, mencionando algumas maracutaias engendradas nos
bastidores, como venda de uma fazenda e alguns benefícios para pessoas próximas
e ligadas diretamente ao governo. Um dos favorecidos poderia ser o chefe da
guarda, Gregório Fortunato- “o anjo negro do presidente”- (Thiago Justino), que teria
mandado liquidar Lacerda, contratado por via indireta um atirador, que matou o
homem errado, justamente o major da aeronáutica Rubem Vaz. Depois de um longo
interrogatório, recai a culpa sobre um dos filhos de Getulio, que nega
veementemente. O atentado da Rua Tonelero, em Copacabana, é o estopim para o
inimigo público número um, Lacerda, desancar uma ferrenha crítica com acusações
injuriosas e caluniosas ao seu alvo preferido, o presidente da República.
Embora houvesse algumas evidências de que a oposição estaria por trás do crime,
o diretor pouco contribui e nada esclarece sobre os indícios de culpa ou
culpados, deixando em aberto e à deriva este fato marcante: se houve ou não um
grande complô.
Jardim retrata a biografia da vida do ditador, que já rasgara
duas constituições anteriormente, mas que agora não quer repetir os desatinos
que lhe são sugeridos, principalmente pelo ministro Tancredo Neves (Michel
Bercovitch). Preferiu sair do governo pela forma inusitada e entrar para a
eternidade pela maneira que previu como heroica, num mundo em que conhecia muito
bem os meandros e as falcatruas, mesmo com os mistérios e as obscuridades dos
bastidores que afirmava não ter conhecimento, uma celebridade pelo seu sucesso absoluto
pessoal e político, para em seguida deparar-se com a morte, vira o “Pai dos
Trabalhadores” num processo de catarse coletiva, em 24 de agosto de 1954.
Faltou um olhar mais crítico no filme, onde havia um regime
ancorado no caudilhismo paternal que fraquejava nas grandes decisões e tinha um
apoio parcial do exército, tendo a marinha unida com a aeronáutica como
oposição e contrárias à sua permanência. Porém havia ao lado um esteio que era
a filha, tomando literalmente o lugar da mãe, Darcy (Clarisse Abujamra),
discutindo com os generais e ministros as decisões do governo corrompido e
cambaleante que sustentava-se pela demagogia. O drama mostra com precisão o
vice-presidente, Café Filho (Jackson Antunes) flertando com a oposição e louco
para assumir o cargo como um predador ao redor da presa debilitada.
Getúlio conta uma
boa história dentro de uma dramaticidade contida e adequada, sem estardalhaços
de pirotecnia sobre um ícone brasileiro com seus acertos e erros, virtudes e
defeitos, inerentes de um ditador controvertido. Numa breve trajetória de uma
longa vida que o levou a entrar na história ao sair da vida, como ele mesmo
escreveu na Carta-Testamento. Um drama significativo e de boa contribuição, mas
sem trazer novidades por fatos novos procurou não causar polêmica. Agrada mas
não é definitivo, mais denso e pouco contundente. Induz para uma reflexão de um
homem bom e voltado para as dificuldades de seu povo, sem arranhar a imagem construída.
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