Desemprego e Conservadorismo
A diretora estreante Mariana Rondón é filha de um
ex-integrante de um grupo guerrilheiro venezuelano, que viria dirigir o drama Postales de Leningrado (2007). Ela obteve
vários prêmios internacionais com Pelo
Malo, entre eles o de melhor longa no Concha de Ouro do Festival de San
Sebastian, na Espanha; também esteve presente e com imenso sucesso de público
na Mostra de Cinema de São Paulo do ano passado. Não é bem-vista pelos
chavistas, mas venerada pela oposição, por ter a ousadia de desafiar o regime
situacionista com esta poderosa denúncia social contra seu país de origem.
Eis um drama familiar que surpreende pelo ingrediente
político embutido numa Venezuela envolta numa crise imensurável
sócio-econômica. A trama gira em torno do garoto de nove anos Junior (Samuel
Lange Zambrano- de atuação espetacular), que sonha em alisar o cabelo encaracolado
que diz ser ruim, para ficar mais parecido com a imagem do grande cantor cabeludo
e ídolo pop Henry Stephen. Tem na mãe Marta (Samantha Castillo- de
interpretação irrepreensível) que luta para sustentá-lo com o irmão bebê, após
a morte do marido em circunstâncias trágicas, um gigantesco entrave, tendo em
vista que ela quer evitar este seu jeito diferente, visto como uma vaidade gay.
O enredo mostra a avó paterna Carmen (Nelly Ramos) que não
quer o mesmo fim precoce para o neto, como foi de seu filho, por isto pretende a guarda dele, que é um
obstinado pelo alisamento das madeixas de qualquer maneira. Vê na figura
materna um obstáculo intransponível, embora seja de um falso moralismo
repressor simbolizando o modelo político vigente tutelado por Hugo Chávez. Encarna
o conservadorismo e o modo emblemático autoritário daquele país
latino-americano no cenário atual. Ela mesma sofre com o desemprego, custa para
empregar-se e não para em lugar nenhum.
É um retrato típico do medo de
uma mãe que não suporta a ideia de ver seu filho homossexual, porém discute de
maneira estéril as circunstâncias que se apresentam como indicativas da
situação que se desenha aos seus olhos e a cegueira que a domina. Não enxerga que
falta carinho, atenção e amor para o menino que busca referência masculina no
amigo próximo e sonha também em ser um atleta como os jogadores vizinhos no
cortiço onde mora. A obsessão de Marta é tão grande que premedita uma grande surpresa heterossexual, para dar o exemplo ao filho se espelhar,
sem prever os efeitos colaterais e o choque que criará numa criança ainda sem o
entendimento correto de um coito, que se sente desamada e com profunda revolta.
O filme tem um componente
político forte e é realizado com muita sensibilidade pela eficiência, domínio
de elenco para uma neófita diretora, que mantém uma consistência e coesão, com
uma performance acima da média na criação de personagens sólidos e psicologicamente
bem construídos. É o caso de Junior e o comovente ensaio musical com a avó em Meu limão, Meu Limoeiro, composição de José Carlos Burle, em 1937, e consagrada pelo maldito e hostilizado Wilson Simonal, com uma melodia adaptada para o espanhol
de maneira sedutora. Também da garotinha que pretende ser miss, fica claro a ironia sobre o tema dos concursos de beleza quase sempre já com resultados pré-definidos e com atitudes preconceituosas sobre a gordura.
Há um abordagem fiel num ambiente
familiar degradado pela falta de opção de trabalho, visto com muita sutileza e
reflexão sobre um momento delicado que vive os venezuelanos, assim como no
recente e ótimo suspense 7 Caixas
(2012), da dupla desbravadora Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori, que
colocam o Paraguai em evidência, embora seja um mercado sem qualquer tradição.
Vem provar que existe cinema de grande qualidade também na Venezuela e não apenas Argentina,
Brasil, Uruguai e Chile são polos industriais do cinema na América Latina.
Pelo Malo entra para a história de seu país como um instigante
drama que retrata com dignidade a pobreza e busca no humanismo de seus
personagens os fatores preponderantes como um manifesto da indignação de um
sistema envelhecido pelo caudilhismo ultrapassado, pela amostragem fiel de uma
classe que sofre pelo desemprego e de um país sem perspectiva de condições
básicas sociais numa realidade injusta com seu povo, diante de uma
instabilidade anômala, diante da estupenda visão deste longa bem elaborado e
com vigor sobre os vínculos afetivos corroídos.
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