Miséria Angustiante
O filme Cães Errantes
do malaio radicado na China Tsai Ming-Liang é daqueles que já no prólogo
demonstra a intenção do cineasta: cenas em quadro estático, planos longos,
escassos diálogos, como se vê na mãe ao se pentear que observa o casal de
filhos dormindo languidamente. Também no epílogo a cena demora intermináveis 13
minutos na contemplação do desagregado casal para o mural em fundo branco com
indicações de pedras sobrepostas. Os rostos estão contraídos e eles praticamente
não se mexem, mas há um sentimento de dor, tristeza, arrependimento e tentativa
de reconstrução com raiva e nojo misturado nos sentimentos e no corpo masculino
de respiração arfante e de extrema angústia e desilusão com o mundo.
O diretor faz o recurso brusco das elipses ao trocar o
cenário e conduzir o espectador para o plano seguinte, com a trama se desenvolvendo
numa família que rompe, os estilhaços se espalham com o pai cuidando das duas crianças,
onde o filho mais velho é o responsável pelos cuidados da irmã menor e
administra o dinheiro do genitor que trabalha de biscates que recebe para ser aquele
calado e solitário homem-placa na calçada (Lee Kang Sheng- de interpretação
memorável), sob as intempéries do tempo, com chuva e vento, fica estático,
canta o hino da desolação de seu país. Confessa estar com raiva, chora, fuma,
bebe, explode sua ira na contrariedade das vidas errantes como se fossem
animais vira-latas pulguentos que levam e os aniquilam psicologicamente. A fuga
de barco com o casal de filhos e a aparição da esposa ausente que trabalha num
supermercado conduz a trama para uma tentativa da reconciliação com a dignidade
que se afastou há muito tempo.
Ming-Liang utiliza o cenário de uma casa abandonada em franca
decomposição e na iminência de desabar, como metáfora da família em rota de ruptura,
como na cena da agonia no quadro imóvel, em que há a tentativa de juntar os
cacos dos destroços de uma situação em que o microcosmo familiar está em franca
decadência e em vias de extinção. Um filme que passa a dor dilacerante de um
pai desesperado e na miséria sufocante, tanto física como existencial,
transmitida para a plateia que não está muito receptiva para a proposta
experimental, o que causa um desconforto e o abandono da sala por muitas pessoas.
Não é uma película de fácil aceitação, é bem verdade, mas instiga na essência e
provoca através de uma estética não convencional chocante e hiper-realista que
mexe com o espectador na sua comodidade de assistente através de uma metalinguagem
fascinante.
Há a intenção magistral deste drama sobre a dignidade
esboroada pela desgraça e o sofrimento do reencontro e da recomposição passada
com um ardor primoroso e sufocante com pitadas de gangrenamentos, porém sem
perder o afeto ou o amor na filha que faz do repolho uma boneca simbolizando a
figura materna. Cães Errantes busca
um estado na falta de movimentos como a iluminação para o rompimento deliberado
para o pensamento ilógico, como numa filosofia zen budista obtido pela prática
de meditação sobre o vazio, ou ainda refletir a respeito dos paradoxos e a
plenitude da dignidade das vidas em consonância com as atrocidades advindas
pelo destino da indigência humana.
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