sexta-feira, 4 de abril de 2014

Uma Estranha Amizade


Gerações Solitárias

Sean Baker tem em sua filmografia a comédia dramática Four Letter Words (2000); com Shih-Ching Tsou codirigiu Take Out (2004), arrebatando o prêmio de melhor filme no Nasville Film Festival; o último longa foi Prince of Broadway (2008). Ao dirigir seu quarto longa-metragem Uma Estranha Amizade, que também é o produtor e o roteirista juntamente com Chis Bergoch, dá um grande salto de qualidade e mostra-se um cineasta firmado no cinema independente dos EUA, demonstrando uma rara habilidade cênica com um ótimo domínio de elenco, num filme em que a sensibilidade aflora já nas primeiras imagens, secundada por uma esplendorosa fotografia.

O drama intimista retrata com fôlego a inusitada relação de amizade nascida entre Jane (Dree Hemingway- a promissora e formosa atriz e bisneta do escritor Ernest Hemingway), uma garota de 21 anos de idade, que também usa o nome Tess para seu trabalho em gravações artísticas. Sadie (Besedka Johnson- a atriz morreu logo apos as filmagens) é uma viúva de 85 anos de idade, rabugenta e reclusa em sua casa, que num domingo qualquer faz uma venda de garagem de pertences usados no estilo de um bricabraque. Como passatempo joga bingo para atenuar a solidão em meio à desconfiança das incertezas da vida. Na cena inicial a jovem decide comprar objetos no estabelecimento e, ao chegar em casa, descobre uma grande quantidade de dólares escondidos numa garrafa térmica para ser usada como um vaso decorativo de seu quarto do apartamento que divide com um casal de amigos Melissa (Stella Maeve) e Mikey (James Rausone).

A protagonista é uma pessoa solitária que vive endividada no Vale San Fernando, em Los Angeles e tem a mãe à distância, embora seus esforços para tê-la próxima. Tem uma rotina sem muita perspectiva, fuma maconha e joga videogames com os amigos e mantém o segredo do dinheiro encontrado por acaso. Seu grande parceiro e amigo é seu cãozinho Starlet- título original do longa-, um fiel escudeiro que foi batizado com o nome feminino, por ela gostar independente de sexo, torna-se um personagem marcante nas cenas em que aparece. É com ele que divide as atenções e o enfeita como uma criança, simbolizando o vazio da existência humana da dona na tentativa do preenchimento de um espaço em aberto.

Ao abordar as diferentes gerações e as solidões inerentes que decorrem do tempo, bem como a ocupação involuntária do papel de mãe buscado em Sadie por Jane, que lhe dá afeto e a substitui no coração da idosa a filha que deixou uma ferida aberta e o silêncio guardado como pesadelo. Baker busca elementos verossímeis e universais ainda existentes como valores agregadores do ser humano. Um filme que aborda o intimismo de duas pessoas opostas, mas próximas no aspecto da carência num contexto de vidas aparentemente distantes na essência, tanto pelos gostos, usos e costumes que converge dois seres. Embora o contraste entre juventude e terceira idade surja como empecilho inicialmente, a superação e o mote inusitado da aproximação pelo sentimento de culpa fará com que se rompa o obstáculo.

O tema solidão é inesgotável e já deu excelentes reflexões como no drama argentino A Velha dos Fundos (2011), de Pablo José Meza, com uma temática similar na cosmopolita Buenos Aires, retratando o isolamento vivenciado em duas gerações distintas: uma é a de um jovem estudante de medicina, sem dinheiro para pagar o aluguel; na outra ponta está a vizinha, uma senhora de 81 anos que mora sozinha, ranzinza, mal-humorada, nunca abre as cortinas do apartamento para não ser vista por ninguém da rua e sobrevive de uma pequena pensão. São personagens muito parecidos com os do longa Medianeras (2011), de Gustavo Taretto, onde também duas criaturas desconhecidas que moram no mesmo edifício e são sós, numa profunda abordagem do vazio existencial. Ou ainda no clássico Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, tendo dois personagens sozinhos todo o tempo em Tóquio, não conseguem dormir e se encontram por acaso no bar de um hotel de luxo.

O cineasta busca na improbabilidade em Uma Estranha Amizade o elo para estreitar os laços afetivos distantes e decorrentes da abissal lacuna das diferenças de gerações, mas que as circunstâncias deixam aflorar um vínculo na trajetória das duas mulheres, como se vê no epílogo a grande revelação mantida em segredo até ali. Lança um olhar universal para as situações dos indivíduos solitários, abordando o contraponto do urbanismo com a intimidade de seus personagens individuais, dentro de seus movimentos e suas dificuldades no coletivo, onde pessoas atônitas e excluídas socialmente ficam à mercê de uma digna convivência, como retratado neste sensível e pungente drama.

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