Gerações Solitárias
Sean Baker tem em sua filmografia a comédia dramática Four Letter Words (2000); com Shih-Ching
Tsou codirigiu Take Out (2004),
arrebatando o prêmio de melhor filme no Nasville Film Festival; o último longa
foi Prince of Broadway (2008). Ao
dirigir seu quarto longa-metragem Uma
Estranha Amizade, que também é o produtor e o roteirista juntamente com
Chis Bergoch, dá um grande salto de qualidade e mostra-se um cineasta firmado no
cinema independente dos EUA, demonstrando uma rara habilidade cênica com um
ótimo domínio de elenco, num filme em que a sensibilidade aflora já nas
primeiras imagens, secundada por uma esplendorosa fotografia.
O drama intimista retrata com fôlego a inusitada relação de amizade
nascida entre Jane (Dree Hemingway- a promissora e formosa atriz e bisneta do
escritor Ernest Hemingway), uma garota de 21 anos de idade, que também usa o
nome Tess para seu trabalho em gravações artísticas. Sadie (Besedka Johnson- a atriz morreu logo apos as filmagens) é
uma viúva de 85 anos de idade, rabugenta e reclusa em sua casa, que num domingo qualquer faz uma venda de garagem de pertences usados no estilo de um bricabraque. Como passatempo joga
bingo para atenuar a solidão em meio à desconfiança das incertezas da vida. Na
cena inicial a jovem decide comprar objetos no estabelecimento e, ao chegar em
casa, descobre uma grande quantidade de dólares escondidos numa garrafa térmica
para ser usada como um vaso decorativo de seu quarto do apartamento que divide
com um casal de amigos Melissa (Stella Maeve) e Mikey (James Rausone).
A protagonista é uma pessoa solitária que vive endividada no
Vale San Fernando, em Los Angeles e tem a mãe à distância, embora seus esforços
para tê-la próxima. Tem uma rotina sem muita perspectiva, fuma maconha e joga
videogames com os amigos e mantém o segredo do dinheiro encontrado por acaso.
Seu grande parceiro e amigo é seu cãozinho Starlet- título original do longa-,
um fiel escudeiro que foi batizado com o nome feminino, por ela gostar
independente de sexo, torna-se um personagem marcante nas cenas em que aparece.
É com ele que divide as atenções e o enfeita como uma criança, simbolizando o
vazio da existência humana da dona na tentativa do preenchimento de um espaço
em aberto.
Ao abordar as diferentes gerações e as solidões inerentes que
decorrem do tempo, bem como a ocupação involuntária do papel de mãe buscado em
Sadie por Jane, que lhe dá afeto e a substitui no coração da idosa a filha que deixou
uma ferida aberta e o silêncio guardado como pesadelo. Baker busca elementos
verossímeis e universais ainda existentes como valores agregadores do ser
humano. Um filme que aborda o intimismo de duas pessoas opostas, mas próximas
no aspecto da carência num contexto de vidas aparentemente distantes na
essência, tanto pelos gostos, usos e costumes que converge dois seres. Embora o
contraste entre juventude e terceira idade surja como empecilho inicialmente, a
superação e o mote inusitado da aproximação pelo sentimento de culpa fará com
que se rompa o obstáculo.
O tema solidão é inesgotável e já deu excelentes reflexões
como no drama argentino A Velha dos
Fundos (2011), de Pablo José Meza, com uma temática similar na cosmopolita
Buenos Aires, retratando o isolamento vivenciado em duas gerações distintas:
uma é a de um jovem estudante de medicina, sem dinheiro para pagar o aluguel; na outra ponta está a vizinha, uma senhora de 81 anos que mora sozinha,
ranzinza, mal-humorada, nunca abre as cortinas do apartamento para não ser
vista por ninguém da rua e sobrevive de uma pequena pensão. São personagens
muito parecidos com os do longa Medianeras
(2011), de Gustavo Taretto, onde também duas criaturas desconhecidas que moram
no mesmo edifício e são sós, numa profunda abordagem do vazio existencial. Ou
ainda no clássico Encontros e
Desencontros (2003), de Sofia Coppola, tendo dois personagens sozinhos todo
o tempo em Tóquio, não conseguem dormir e se encontram por acaso no bar de um
hotel de luxo.
O cineasta busca na improbabilidade em Uma Estranha Amizade o elo para estreitar os laços afetivos
distantes e decorrentes da abissal lacuna das diferenças de gerações, mas que
as circunstâncias deixam aflorar um vínculo na trajetória das duas mulheres,
como se vê no epílogo a grande revelação mantida em segredo até ali. Lança um olhar universal para as
situações dos indivíduos solitários, abordando o contraponto do urbanismo com a
intimidade de seus personagens individuais, dentro de seus movimentos e suas
dificuldades no coletivo, onde pessoas atônitas e excluídas socialmente ficam à
mercê de uma digna convivência, como retratado neste sensível e pungente drama.
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