segunda-feira, 14 de abril de 2014

Crônica do Fim do Mundo















Vínculos Afetivos

O cinema tem na Argentina seu polo principal como o melhor da América do Sul e um dos melhores do mundo. Na sequência, possivelmente seja Brasil e Uruguai, pela ordem de importância. O Chile vem fazendo bons filmes como o magnífico Machuca (2004), de Andrés Wood; Tony Manero (2008), de Pablo Larraín; Os Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul Ruiz. Já o Peru não tem tradição de uma boa filmografia e Claudia Llosa surpreendeu positivamente com A Teta Assustada (2008). Desde Maria Cheia de Graça (2004), de Joshua Marston, a Colômbia não revelava nada que chamasse a atenção como uma boa produtora, agora surge com este sensível e interessante Crônica do Fim do Mundo, bem dirigido pelo estreante Mauricio Cuervo, que também é o responsável pela produção e montagem, através de um orçamento baixo e com poucos dias de gravações, como manda e pode arcar o típico cinema independente. Levou o prêmio de melhor filme colombiano no Festival de Bogotá.

Cuervo constrói uma trama com pequenos acontecimentos do cotidiano e obtém um resultado apreciável de seus personagens do povo. O mote é a profecia do fim do mundo, segundo o calendário Maia, que ocorreria em dezembro de 2012. Diante da previsão apocalíptica, surgem diversas reações causadas por ela que servirão como pano de fundo para a história bem contada, ao deixar que o medo torne-se transparente e afete o convívio familiar na bela Bogotá, às vésperas da virada do ano, onde Pablo Bernal (Victor Hugo Morant- exuberante e digna interpretação), um catedrático aposentado de 70 anos, que vive enclausurado e solitário no seu apartamento desde a morte da esposa há cerca de 20 anos, segredo que será revelado no epílogo, o que lembra o recente longa Uma Estranha Amizade (2012), de Sean Baker. Raramente sai de casa e recebe apenas as visitas do filho Felipe (Jimmy Vasquez), que acaba de ter um bebê e passa por estremecimento na relação com a esposa Claudia (Claudia Aguirre- responsável também pelo roteiro enxuto), que não aceita ficar tomando conta sozinha da criança e ainda ter que dividir o marido com o amigo Ramiro (Juan Carlos Ortega), abandonado pela mulher. Os dois passam as noites bebendo nos bares, falando de suas dificuldades financeiras e o projeto para colocar em prática as filmagens de um documentário que não sai do papel.

Assim como em A Velha dos Fundos (2011), de Pablo José Meza, que retratava o isolamento de um jovem estudante de medicina e da vizinha de 81 anos, que morava sozinha, nunca abria as cortinas do apartamento para não ser vista por ninguém da rua, Cuervo retrata com sensibilidade o vínculo e a aproximação entre o pai e o filho que torna-se a única conexão para o mundo externo. Felipe mostra em seu celular vídeos das ruas da capital colombiana para Pablo, que teima em manter uma rotina monótona na velha biblioteca, além de cultivar o horário britânico para ingerir os remédios e realizar ligações para cancelar assinatura de revista por causal banal. Embora com seu humor sarcástico diga que o fim acontecerá para algumas pessoas e não para todas, como reza os mandamentos divinos e que poderá acabar em 2020. Por que não? Numa clara ironia e desdém com as previsões que se sucedem a cada ano. Porém, aproveita-se da situação emblemática da iminência do mundo acabar mesmo, para usar o telefone e xingar seus desafetos de anos. Alguns já morreram; outros não mais o reconhecem.

O diretor se utiliza das recordações do passado para que o protagonista de verve abundante destile veneno, como se estivesse numa grande lavanderia de roupas sujas, até encontrar um psicopata, invertendo-se os papéis. Passa a ser hostilizado e ameaçado, habilmente é colocado em xeque o medo da morte pelo ser humano, não só pelo fim dos dias, mas quando se vê acuado. O temor dos personagens podem colocá-los em várias situações, sendo que uma delas é sentir-se numa selva de pedra, em que o caçador está entrincheirado e parte para o ataque, mas circunstancialmente poderá virar a paranoia da caça. O filme, ainda que tenha consistência do meio para o final, mantém um bom clímax sem perder o controle dramático, através do excelente som direto de Andrés Duret e haja cenas apanhadas em closes adequados. Afasta a câmera para personagens enigmáticos, como o rapaz que toca a campainha insistentemente, deixando pairar o suspense, como se o mundo estivesse em ruínas e prestes a desabar, numa bonita alegoria.

Crônica do Fim do Mundo é um bom filme sobre os medos inerentes do ser humano, bem como as dificuldades financeiras da classe média em geral pelo desemprego e as agruras para manter uma vida confortável como uma grande incógnita, como se vê nos amigos e a desconstrução de suas vidas e famílias. Um retrato sombrio de um país em ebulição como metáfora da extinção da humanidade e a civilização em derrocada. Um longa bem elaborado e com vigor sobre os vínculos afetivos. Mantém o fôlego até o epílogo, mesmo que não empolgue traz uma contribuição significativa para o cinema sobre a perda decorrente da morte e a preocupação avassaladora com o futuro, numa boa reflexão do vazio.

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