Vínculos Afetivos
O cinema tem na Argentina seu polo
principal como o melhor da América do Sul e um dos melhores do mundo. Na
sequência, possivelmente seja Brasil e Uruguai, pela ordem de importância. O
Chile vem fazendo bons filmes como o magnífico Machuca
(2004), de Andrés Wood; Tony Manero (2008),
de Pablo Larraín; Os Mistérios de Lisboa
(2010), de Raoul Ruiz. Já o Peru não tem tradição de uma boa filmografia e
Claudia Llosa surpreendeu positivamente com A
Teta Assustada (2008). Desde Maria
Cheia de Graça (2004), de Joshua Marston, a Colômbia não revelava nada que
chamasse a atenção como uma boa produtora, agora surge com este sensível e
interessante Crônica do Fim do Mundo,
bem dirigido pelo estreante Mauricio Cuervo, que também é o responsável pela
produção e montagem, através de um orçamento baixo e com poucos dias de
gravações, como manda e pode arcar o típico cinema independente. Levou o prêmio
de melhor filme colombiano no Festival de Bogotá.
Cuervo constrói uma trama com pequenos acontecimentos do cotidiano
e obtém um resultado apreciável de seus personagens do povo. O mote é a
profecia do fim do mundo, segundo o calendário Maia, que ocorreria em dezembro
de 2012. Diante da previsão apocalíptica, surgem diversas reações causadas por
ela que servirão como pano de fundo para a história bem contada, ao deixar que
o medo torne-se transparente e afete o convívio familiar na bela Bogotá, às
vésperas da virada do ano, onde Pablo Bernal (Victor Hugo Morant- exuberante e
digna interpretação), um catedrático aposentado de 70 anos, que vive enclausurado
e solitário no seu apartamento desde a morte da esposa há cerca de 20 anos, segredo
que será revelado no epílogo, o que lembra o recente longa Uma Estranha Amizade (2012), de Sean Baker. Raramente sai de casa
e recebe apenas as visitas do filho Felipe (Jimmy Vasquez), que acaba de ter um
bebê e passa por estremecimento na relação com a esposa Claudia (Claudia
Aguirre- responsável também pelo roteiro enxuto), que não aceita ficar tomando
conta sozinha da criança e ainda ter que dividir o marido com o amigo Ramiro
(Juan Carlos Ortega), abandonado pela mulher. Os dois passam as noites bebendo
nos bares, falando de suas dificuldades financeiras e o projeto para colocar em
prática as filmagens de um documentário que não sai do papel.
Assim como em A Velha
dos Fundos (2011), de Pablo José Meza, que retratava o isolamento de um
jovem estudante de medicina e da vizinha de 81 anos, que morava sozinha, nunca
abria as cortinas do apartamento para não ser vista por ninguém da rua, Cuervo
retrata com sensibilidade o vínculo e a aproximação entre o pai e o filho que
torna-se a única conexão para o mundo externo. Felipe mostra em seu celular vídeos das ruas da capital colombiana para Pablo, que teima em manter uma
rotina monótona na velha biblioteca, além de cultivar o horário britânico para
ingerir os remédios e realizar ligações para cancelar assinatura de revista por
causal banal. Embora com seu humor sarcástico diga que o fim acontecerá para
algumas pessoas e não para todas, como reza os mandamentos divinos e que poderá
acabar em 2020. Por que não? Numa clara ironia e desdém com as previsões que se
sucedem a cada ano. Porém, aproveita-se da situação emblemática da iminência do
mundo acabar mesmo, para usar o telefone e xingar seus desafetos de anos.
Alguns já morreram; outros não mais o reconhecem.
O diretor se utiliza das recordações do passado para que o
protagonista de verve abundante destile veneno, como se estivesse numa grande
lavanderia de roupas sujas, até encontrar um psicopata, invertendo-se os
papéis. Passa a ser hostilizado e ameaçado, habilmente é colocado em xeque o
medo da morte pelo ser humano, não só pelo fim dos dias, mas quando se vê acuado.
O temor dos personagens podem colocá-los em várias situações, sendo que uma
delas é sentir-se numa selva de pedra, em que o caçador está entrincheirado e
parte para o ataque, mas circunstancialmente poderá virar a paranoia da caça. O
filme, ainda que tenha consistência do meio para o final, mantém um bom clímax
sem perder o controle dramático, através do excelente som direto de Andrés
Duret e haja cenas apanhadas em closes adequados. Afasta a câmera para
personagens enigmáticos, como o rapaz que toca a campainha insistentemente,
deixando pairar o suspense, como se o mundo estivesse em ruínas e prestes a
desabar, numa bonita alegoria.
Crônica do Fim do
Mundo é um bom filme sobre os medos inerentes do ser humano, bem como as
dificuldades financeiras da classe média em geral pelo desemprego e as agruras
para manter uma vida confortável como uma grande incógnita, como se vê nos
amigos e a desconstrução de suas vidas e famílias. Um retrato sombrio de um
país em ebulição como metáfora da extinção da humanidade e a civilização em
derrocada. Um longa bem elaborado e com vigor sobre os vínculos afetivos. Mantém
o fôlego até o epílogo, mesmo que não empolgue traz uma contribuição
significativa para o cinema sobre a perda decorrente da morte e a preocupação
avassaladora com o futuro, numa boa reflexão do vazio.
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